Ramón Gerardo Antonio Estévez



Há países que têm orgulho dos seus monumentos, da sua comida, das suas tradições. Mas este país que é a Galiza tem orgulho do seu povo. Não do povo propriamente dito, esse anónimo trabalhador das 9h as 6h (com pausa de duas horas para almoço), mas do provo que sabe ir, procriar e conceber… famosos.
Tudo começou numa aula de jornalismo online. O professor entra e diz:
- O Fidel Castro morreu, têm 5 minutos para escrever a notícia.
E ele queria mesmo dizer c-i-n-c-o minutos para esta aspirante a periodista escrever a noticia da morte do Fidel.
Toca a ir à wikipedia, encontrar a data de nascimento e de renúncia do poder. Encontrar um título e o tempo já tinha acabado
É então que o professor pergunta:
- Quem se lembrou de escrever que Fidel Castro é galego?
(O factor noticia mais importante, como devem imaginar)
A turma toda levanta a mão entusiasticamente. Menos a Marina, claro.
- Mas o Fidel Castro é Galego?
- Sim, claro.
Porque na Galiza filho de galego, galego é. Diz-me então um amigo:
- Não sabias do Fidel? Mas sabes que o Martin Sheen é galego, certo?
- Como assim? Chama-se Martin Sheen, não pode ser galego!
- Isso é o que tu pensas.
De volta à wikipédia descobri aquela que foi a mais surpreendente revelção de 2008. Então não é que o nosso querido presidente dos Estado Unidos (favor comprar a série inteira de West Wing) é galego? (Bem… filho de pai galego.) Mas o melhor esta para vir. O seu pai nasceu em Parderrubias. Google maps. Fronteira com Portugal.
Então não é que afinal o Mr. President, de nascença Ramón Gerardo Antonio Estévez, é practicamente… português?
Viva o sr. Presiente!

Espanholoportuguês

Liga a Marina a um amigo português que vive na Coruña:

Marina : Olá, olha o que vais fazer hoje à noite?
Amigo Português: Pois… Não sei, porquê?
M: É que quedei com uns amigos para virem jantar cá em casa, não queres vir?
AP: Mas vais dar um jantar, é?
M: Sim, é a nossa cena de inauguração. Depois vamos beber umas canhas.
AP: E vão sair de marcha ou são só umas canhas?
M: Não sei. Mas dá igual porque vamos a pé.
AP: Não levas o carro?
M: Não, porque depois é impossível encontrar aparcamento
AP: Ok. E o teu piso fica em que calhe?
M: Na Cabalho, nº17.
AP: Ok. Então vou sair agora. Até logo

E ainda dizem que isto de “aprender um novo idioma” faz bem à cabeça…

Pâvê

Tenho uma nova teoria. (sim, mais uma)
Acho que o Estado português deveria patrocinar uma estadia de alguns meses em Espanha a todos os seus cidadãos.
Não, caro leitor, não me abandone. Prometo que este post não vai ser um lugar comum do estilo “há que ir para fora para se dar valor ao que se tem cá dentro” e muito menos (tal como a linha editorial deste blog tem vindo a comprovar) um texto de apologia à grande nação espanhola.
Mas a minha teoria baseia-se num tema muito importante sobre o qual os políticos portugueses se têm esquecido de reflectir nos discursos de exaltação à pátria: os fonemas.
Devíamos parar todos um segundo para agradecer ao til e ao acento circunflexo. Compremos presentes aos acentos agudos, aos graves e aos ditongos. Elejamos para prémio Nobel os sons anasalados!
Isto porque me parece que não damos o devido valor à superioridade da nossa língua.
Vejamos o exemplo (um assim aleatório) do espanhol:
Além de confundirem o “hasta luego” com o “hasta logo”, de pronunciarem, indiferentemente, “lháves” ou “jáves” para dizer chaves (mas isso é outro post), têm outro grande senão: o “v” e o “b”.
Claro que poderia contar aqui várias “anedotas” que já se passaram sobre o tema. Mas não percamos o fio a meada, estamos a reflectir sobre a superioridade do nosso português.
O que me chama atenção neste som abrangente e ambíguo do “be” espanhol é que para eles (que não conhecem outro som) esta deficiência da sua língua lhes parece normal e incorrigível.
- Como se diz “voluntad” em português? – me perguntam
- Vontade
- Bontade – repetem
- Não, vvvvontade, com “vvvveeeee”
- Ah, bbbbbbbbontade
- Sim, isso.
E quando já desistia da fonética espanhola, o milagre surgiu:
- Sabes que sei falar português?
- A Sério? Fala lá então.
- Éu falo moito véme portuguêz
- Bbbbbeeemmmm
- Vvvvvvééééémmmmmeeeeeee
- Não, é “b” como Barcelona e como “vino” (leia-se Bino)
- Eu falo moito vvvvvvvvvvvvvem portuguêz
- Sim, isso.
A conversa desconcertou-me. Afinal tinham a capacidade fisiológica de reproduzir o som, apenas não identificavam a diferença. Mas durante um tempo convenci-me de que a minha amiga era uma espécie de sobredotada dos fonemas e que o espanhol "normal" não podia dizer “vê”. Até porque se assim pudesse, porque não o faria?
Até que surgiu um convite para ir a um “pâvê”
- Onde?
- É que há uns “pâvés” muito giros aqui na Coruña
- Isso que me estas a dizer é um “Pub”?
- Sim, foi o que eu disse.
Não vou reproduzir o meu grito que frustração que seguiu esta conversa. Mas queria sim, que parássemos todos um pouco para dar “graças” aos nossos fonemas. E lançar uma petição para que no próximo 25 de Abril eles sejam mencionados no discurso do presidente.

Complexo Top Model

As pessoas engordam porque todos acham que merecem um gelado num dia de Verão.
Hoje estou tão cansada. Estudei tanto, aturei tanta gente cretina, sorri, simpática, ao chefe que ontem me passou a perna. Acho que mereço um saquinho de gomas. Daqueles pequeninos, como os presentes que os nossos pais nos davam quando tínhamos 100% num teste. (Sim, eu tinha disso).
E comemos o saco de gomas (que se vai tornando maior à medida que os dias nos trazem mais responsabilidade) com a culpa cristã de quem mentiu à mãe sobre o 100%. (Era um 96% e eu tinha arredondado. E, sim, mais uma vez: eu tinha disso).
E então começamos a arranjar desculpas para as bolachas recheadas de chocolate (afinal tínhamos ido ao ginásio nesse dia), para o croissant com creme (é que não tenho mesmo mais nada em casa).
E comer transforma-se num labirinto de culpa e desculpas, mentira e auto-enganação.
Então decidimos não comprar mais desses demónios para a nossa casa. Mas oferecem-nos uma bolacha. E por cortesia aceitamos. Uma fatia de bolo. Não há como negar. E até almoçámos um peixinho grelhado hoje. Esta tablete de chocolate não faria mal.

Desculpem.
Vou ter de parar o post por aqui.
Sinto-me a ter um ataque de ansiedade. O complexo top model apodera-se de mim.
Sai da cama, veste-te, corre para o ginásio.
Não saias de lá até queimares as calorias daquelas batatas fritas que comeste ontem. Do bolo de anteontem, do chocolate quente das pipocas das bolachas dos bombons.
Ai, desculpem. Tenho mesmo de ir.

Moleskine, o meu melhor amigo

Em tempos o meu melhor amigo chamou-se Wilson e era uma bola de futebol velha. Depois substitui-o pelo murphy, uma caveira roubada em noite de bruxas. Agora tenho um novo melhor amigo. É preto, tem capa dura e chama-se Moleskine.
Só a ele confesso as minhas eternas dúvidas de espanhol (ah, para que conste: ontem descobri que “hundir” não é fundir, mas afundar. Realmente estava a achar estranho que o Prestige tivesse “fundido”, mas com estes espanhóis nunca se sabe).
Nele anoto aquela frase entreattada, o momento que a minha memória de peixe não pode deixar escapar. Escrevo conjugações verbais completas misturadas com números de telefone. Rabiscos a lápis e sublinhados a vermelho.
E na quinta-feira a tarde a minha professora de espanhol perguntou:
- Não gostaste da aula?
- Gostei sim, porque a pergunta?
- Não tiraste nenhuma vez o teu caderninho preto da mala.
Eu ri-me e inventei uma desculpa qualquer. E, enquanto descia as escadas, saquei do caderninho e rabisquei: Moleskine, o meu melhor amigo

Nós os galegos

Apaixonei-me.
Primeiro pela Ciudad de Cristal, cujo mar faz de mosaico nas janelinhas de moldura branca. Depois pela praia em que sol nasce ao contrário, pelo paredão ventoso, pela torre de centenas de degraus. A paixão é tão fútil.
E assim descobri este “país” em que a “choiva” não é impedimento para o optimismo, em que as refeições são a parte mais importante do dia (yes!), em que no futebol há 50 músicas diferentes para cantar.
E começaram as declarações de amor
O primeiro passo? A mudança de nacionalidade:
-¿Y tú de donde eres? – perguntam-me com o interesse exótico de quem está a ponto de conhecer uma estrangeira
- ¿Quién, yo? De aqui de Coruña. – respondo com convicção
- ¿En serio que eres galega? Es que tiene un acento un poco raro…
E, já que estamos em ritmo de amor lamechas, pergunto se alguém resiste a um país onde “a xente no é fea, é riquiña” :



Agora só me falta o “hand parquing” (ou, como se pode ouvir no vídeo, o “randparquí”).
Mas eu hoje, pela primeira vez, estacionei em “doble fila”, e isso já me parece um passo muito importante na relação, ou não?

"En Vigo se trabaja, en Santiago se estudia, en Lugo se duerme y en A Coruña se divierte"

Diz a sabedoria popular, com a sua devida margem de erro.

(já que, afinal, em Vigo, Santigo e Lugo tambem se diverte)

A língua mãe

Ele disse-me assim, de voz desinteressada:
- É que por mais que estudes, nunca vais saber falar tão bem espanhol quanto eu.
Não era presunçoso, prometo. O contexto falou por si.
Conversávamos sobre as famosas “barreiras ao idioma”, sobre as dificuldades em fazer o que antes seria tão apetecível: escrever uma página dupla ou um grande artigo de opinião. Das vantagens do texto curto, simples, objectivo. E eu que sempre gostei de floreados.
Mas, de repente, o meu amigo perdeu-me. Fiquei-me por aquela frase. Tão dolorosamente verdadeira.
E lembrei-me da minha mãe. E das suas sabedorias de mãe. Disse-me ela uma vez que nunca ninguém sabe falar tão bem um idioma como a sua língua materna.
Eu agora que já sou grande, e ser grande tem destas vantagens, modifico em uns centímetros as suas medidas teóricas e pergunto-me: Quanto tempo é preciso para fazer de uma língua a minha língua materna? Tanto quanto fazer de uma estranha uma nova mãe?
Penso em mim, não na minha mãe, e na minha língua materna que tão pouco domino. Na minha língua emprestada que apesar de levar melhor, não o faço tão bem “quanto eles”. Falta-me o cabo e a trindade, diria.
E concluo que voltei a pensar um pensamento sem conclusão. Mais uma vez.
Enquanto isso, na minha cabeça correm calendários.

Pornografia Infantil, NÃO


Todos nós nos lembramos do Rui Pedro. Como esquecer? Aquela mesma foto vista vezes e vezes sem conta nos jornais. Aquele olhar desgastado da sua mãe sempre que dá uma nova entrevista à televisão. Sempre que a policia faz mais um e mais outro retrato robot. Sempre que os traços físicos se assemelham ao de um menino exposto num site de pornografia infantil internacional.
Instinto de mãe, diz. Tem a certeza de que é o seu filho.
E nós acreditamos.
Quantos foram aqueles que, tal como eu, quando acabou o Alice comentaram em jeito conformado: “Aposto daqui a uns meses ela aparece em mais um desses sites de pornografia infantil”?
Pois chegou a hora de riscar a palavra “conformado” do nosso léxico. Há cerca de um mês que dois blogs (e blogueiros) da Voz da Galiza lançaram a iniciativa Pornografia Infantil NÃO. E hoje é o dia D.
É o dia em que todos os blogs da Galiza e do mundo devem escrever um post onde denunciem esses criminosos e mencionem todo o tipo de palavra utilizadas nas buscas online de esse tipo de informação: angels, lolitas, boylover, preteens, girllover, childlover, pedoboy, boyboy, fetishboy ou feet boy.
É só a mim a quem apenas por ler “isto” lhe dá nojo?
O objectivo? Entupir os motores de busca com os nossos posts para que no dia de hoje, o dia D, este crime tenha uma barreira a mais. Mas, acima de tudo, para suscitar o debate, propor novas ideias, novas soluções para que no futuro se possa fazer algo em grande pelos Ruis Pedros de todo o mundo.
Participem também e hoje, no dia D, escrevam um post intitulado Pornografia Infantil, NÃO. Porque os blogs não têm de ser só “diários egocêntricos”.

Frífólí

- Vamos a um bar que está a tocar a uma banda muita fixe.
- Que tipo de música tocam?
- Ah tocam várias.
- Mas dá um exemplo.
- Olha, o “frifólí” vão tocar de certeza.
- Qual?
- O “fifóli”
- Ah, não conheço…
E de pensar que a conversa poderia ter acabado assim. E de pensar em todas as conversas que já acabaram assim. E em todas aquelas que não acabaram por terem sido interrompidas assim.
- Ah, não conheço – disse naquele dia. E em tantos outros dias repeti. Não conheço esse actor, nem esse grupo. Nunca ouvi falar desse filme.
- Claro que conheces – insistiu. Penso agora em todas as vezes em que não houve a insistência.
- Repete lá o nome?
- Frí-fó-lí
- Não conheço mesmo… Se calhar não fez sucesso em Portugal – digo para tentar enganar a minha ignorância.
- É aquela “I’m frí, frífóoooolí”
- Free falling?????
- Exactamente, vês como conheces?
Pois conheço. Tal como o “áirbarr”, o “Richár Gére” e o “Tim Búrtún”.
Isto porque a minha vida mudou desde que me ensinaram que por aqui falar inglês com sotaque inglês é coisa de gente presumida (convencida, diríamos nós).
Mas o estatuto de estrangeiro nestas coisas tem uma autoridade decisiva. E agora quando me dizem:
- O filme da Mégraía
Eu saco do estatuto e respondo:
- Diz lá isso com um sotaque presumido
- Meg Ryan – dizem numa gargalhada e um biquinho muito british
E eu rio-me de felicidade por já saber comunicar. E por já saber quem são os “Blikcientochentaydos”, que por sua vez são amigos dos "Ú Dos"
Muchas véri ténkiús, como se diria por aqui!

A fórmula

Fórmula mágica de sucesso (quiçá já um pouco gasta) para montar um curso de pós-grado direccionado a recém licenciados:

Regra de ouro: Fixar um número limite de vagas para que a direcção (e o dept. de RH) possa por em prática os seus critérios de selecção.

Critérios para formação do corpo de alunos:
80% de jovens suficientemente ingénuos para que possam ser moldados à lavagem cerebral da empresa e aos “encantos” da profissão (ainda que não o admitam)
10% de pessoas de idade mais avançada que aportem o factor maturidade ao grupo
10% de jovens revolucionários
50% de estudantes medianos (normais, diriam)
20% de estudantes abaixo da média para que no final se possa notar um “incrível progresso”
20% de jovens acima da média para “puxar o grupo para cima”
10% de jovens-revelação. O chamado “este sim é promissor”

Critérios de formação do corpo docente:
- O prof simpático e confidente que vá tomar cervejas com os alunos
- O prof preferido que diz o que queremos ouvir
- O prof messias
- O prof estrangeiro que faz subir a reputação do curso
- O prof polémico e as discussões que causa no refeitório
- O prof maluco, que tem como função “despertar as mentes adormecidas”
40% de profs competentes (ainda que esquecíveis em curto prazo)
Seminários ocasionais com profissionais da área
Aulas de lavagem cerebral

Recomendável: misture a fórmula com aulas práticas e entregas de trabalhos semanais (quem sabe diárias?)

Nota 1- Uma pessoa pode, no máximo, corresponder a duas características
Nota 2- Quem sabe Recursos Humanos seja um profissão interessante?
Nota de ouro: Tudo isto, se me permitem, com a devida margem de erro de quem passou a vida “de curso em curso”.

"Sucessos"

Existe por aqui uma secção do jornal chamada “sucessos”. Sempre que comentavam algo sobre a secção, eu pensava para mim que se tratava de uma interessante iniciativa de jornalismo positivo. Um dia cheguei até a folhear ao jornal à procura dos “sucessos”. Nada. Nesse dia não havia a dita rubrica, conclui.
Sucesso. Sucesso. Sucesso.
E diz a Marina durante uma apresentação de um trabalho frente a uma audiência de 60 pessoas:
“O que faz do nosso projecto um sucesso…”.
E pronunciei-o bem, pausadamente, com os “ésses” sessiados e os “cês” de língua no meio dos dentes. Com orgulho na minha palavra tão espanhola.
Olhando para trás, de facto, lembro-me de alguns sorrisos esboçados nesse preciso momento. “De inveja pelo meu maravilhoso castelhano”, acreditei.
Palmas.
Belo discurso!
E diz-me um amigo:
- Parabéns, correu muito bem a apresentação
- Obrigado – digo com falsa modéstia.
-Mas só uma coisa…
(ai vem)
- Não voltes a dizer que o nosso projecto vai ser um sucesso.
(ai os sorrisos, lembro-me daqueles dos sorrisos…)
- É que aqui sucesso é a secção do jornal que fala de crimes e violações. E não queremos que o nosso projecto acabe assim! Em Portugal não se diz “êxito”?
E essa é a história de como, com uma palavra, se foi pelo cano abaixo o “êxito” da minha apresentação, a aposta no jornalismo positivo e a vontade de dedicar a minha carreira jornalística aos “grandes sucessos”

Poligamia

Ser de um país é pior do que o casamento. É definitivo.
E por mais que negues, mudes, jures a pés juntos que nunca mais queres ver, pensar ou ouvir falar do dito país, ele persegue-te. Porque cada visita ao estrangeiro é como um flirt numa discoteca às 5 da manhã.
Não deveria achar esta praça mais bonita do que a minha, esta gente mais simpática, esta comida melhor do que a outra. Mas já que me estão a oferecer esta tortilha saída da frigideira… Vou só provar… Só para ver o gosto. “Delicioso”, pensamos de boca cheia. Mas não o dizemos. São cinco da manhã e a nossa cidade ainda dorme, nunca irá descobrir.
De flirt em flirt acabamos por mudar definitivamente de domicílio. Sinto-o como um casamento não reconhecido que nasceu de uma traição fortuita. Fazemo-lo meio as escondidas, em sapatinhos de lã. Vamos saindo aos poucos, para que ninguém note. Arranjamos uma lista de razões e desculpas para dar aos amigos. Saímos sempre sem dizer adeus. E, às vezes, sentimos que o deveríamos ter feito.
Morar em diversos países é poligamia e eu reconheço que tenho luxúria no meu coração. Quanta dor olhar para as fotos dos meus exs... Aqui, Lisboa, aqui, Torino e, aqui São Paulo, aqui…
E me perguntam, em conversas muito íntimas e secretas, qual o meu preferido e digo que não sei, não sei, todos!, juntos!, de uma só vez! - que vergonha!
Visitar Paris ou Viena é como ver um pote de leite condensado durante a dieta. Tão lindo e doloroso. Por que minha cidade não pode ser assim? Por que eu não posso eu ser assim? Por que é tão inatingível? Oh, como os quero bem! Paris, Viena, Amesterdão, Praga…
E, de repente, já não sei de que cidade é essa de que falo. Já não sei qual é este país de onde sou. Mas seja qual for, irá sempre perseguir-me fazendo com que em Espanha goste de pão de queijo, em Portugal de Tortilha, no Brasil de focaccia e em Itália de bacalhau com natas.
Pronto, assumo:
Sou poligâmica.

O Samhain

“A Coruña não se vende a essas festas capitalistas” explicava-me um amigo, a propósito do Halloween. “Nos aqui não celebramos o Halloween americano, mas, o Samhain, uma festa de tradição celta”.
“A sério? E o que fazem de especial nessa festa?”, pergunto fascinada, imaginando gaitas de foles e danças tradicionais.
“Vestimo-nos de mortos e bruxas e saímos à rua”
“Isso parece-me o Halloween”, comento decepcionada.
“Mas o halloween é inspirado nesta tradição celta”, explica
“Então é igual ao Halloween, mas com outro nome?”
“Não, é o Samhain”, diz convicto.
Adoptei o nome e não fiz mais perguntas. Afinal, o que me passou pela cabeça quando imaginei que os Coruñeses iriam vender-se a esta “festa americana e capitalista”?
Ingénua.
Por agora, já tenho a casa empestada de aranhas, pinturas faciais, roupas rasgadas e chapéus de bruxa. Tenho na ponta da língua o “tuco o trato” e o grito de terror.
Que venha o Halloween, ops, o Samhain!
E eu serei o diabo por uma noite (e, quem sabe, aprenderei a tocar a gaita de foles!)

A Primark

A propósito da abertura de um novo shopping na Coruña (na verdade o único shopping propriamente dito do ponto de vista português da coisa) e da sua respectiva loja-estrela, a Primark (paraíso dos tops a 3 euros!):

Marina – Também foste ao shopping no Sábado? Que tal a Primark?
Amiga Espanhola – Eu até gostei do espaço, mas não gostei muito dos quadros.
M – Dos quadros?
(estes espanhóis são mesmo estranhos….)
AE – Sim, não gostei muito…
M – Não reparei nos quadros…
(conversa a tornar-se surreal…)
AE – Não eram lá muito bons.
(assustador)
M – É que eu fui lá para comprar roupa!
(sorriso de “esta tipa é creepy!”)
AE – Pois, mas de que vale haver uma loja tipo Primark na coruña se os quadros não valem nada?
(ou algo de errado se passa com esta tipa, ou…)
M – Um momento. O que são “quadros”?

Como já tem vindo a ser comum na minha vivência por terras galegas, esta conversa foi mais uma daquelas que teve dois (assustadores) pontos de vista.

Marina – Também foste ao shopping? Que tal a Primark?
Amiga Espanhola – Eu até gostei do espaço, mas não gostei muito dos tecidos.
M – Dos tecidos?
AE – Sim, não gostei muito…
(detesto conversar com estrangeiros, tenho sempre de repetir as coisas duas vezes)
M – Não reparei nos tecidos…
(Como assim vai a uma loja de roupa e não repara nos tecidos?)
AE – Não eram lá muito bons.
M – É que eu fui lá para comprar roupa!
(Não me digas? Que tipa tão fútil!)
AE – Pois, mas de que vale haver uma loja tipo Primark na coruña se os tecidos não valem nada?
(Começo a perder a paciência para estes estrangeiros consumistas)
M – Um momento. O que são “tecidos”?

Parece que em espanhol “tela” significa tecido e não “quadro” como a Marina precipitadamente concluiu.
Não será preciso reforçar que a “amiga espanhola” nunca mais me olhou com os mesmos olhos e, sempre que passo por ela ouço a boca “que tal os quadros da Primark?”
Ossos do ofício.

O decisivo compasso de espera

Concluo, após algumas incursões em “países estrangeiros”, que o mais difícil para se ser “nativo” não é falar a língua, nem saber de cor a história. Conhecer a bandeira, o hino e o completo corpo presidencial.
Imigrar é, acima de tudo, adaptar-se a uma nova cultura. Se os portugueses vêm como falta de respeito rasgar um folha de papel sem pedir licença, para os brasileiros é uma ofensa ver alguém a pousar a bolsa no chão. Se para os italianos os beijinhos são ao contrário, para os alemães não há beijinhos nunca.
Dos espanhóis conhecemos a siesta, as refeições a horas tardias e as frases intercaladas com asneiras. Mas há um pequeno detalhe que ainda não me consegui habituar.
Em Portugal existe aquela conversa de circunstância que chega até a desesperar:
Olá, tas bom?
Sim, e tu?
Também.
Há diversas teorias sobre a pertinência da pergunta e da resposta e outra tantas dissertações sobre as pessoas que não cumprem o protocolo.
Pois os espanhóis enquadram-se no segundo grupo.
!Hola Marina! ?Que tal?
Muy bien ?y tu?
E ai gera-se a confusão na cabeça dos nuestros hermanos. Não porque por aqui não exista o hábito do “e tu?”, mas porque existe um pequeno, ínfimo e decisivo compasso de espera entre o Muy Bien (mais alguma informação adicional) e a pergunta que se lhe segue.
Falta-lhes a mecânica do discurso, a robotização apática da pergunta que não quer saber a resposta. E, ao chegar aqui, de protocolo traduzido, espalhamos a confusão e pintamos, outra vez, na nossa testa o famoso carimbo de “estrangeiro”
E como para qualquer problema espanhol, a solução volta a ser a mesma: espera, pausa, relaxa.
Bem, isto, como já é de costume, com a devida margem de erro.

O amigo do autocarro.

Tenho, desde há muito tempo, um amigo no autocarro do trabalho.
Na verdade, a nossa amizade começou de uma forma um tanto invulgar.
Eu chegava ao autocarro, mp3 ligado e livro na mão, e lá estava ele, a conversar no seu tom de voz de decibéis elevados.
Era como um ritual. Desligava a música e guardava o livro. Punha-me a ouvir atentamente (como numa lição de incursão pela língua espanhola) as suas palavras. De início era apenas uma questão gramatical. Escutava-o com ouvidos analistas, aproveitava-me dele como ferramenta de aprendizagem gratuita.
Mas a rotina dos dias foi apagando as regras de gramática e, aos poucos, já ansiava para que o autocarro chegasse e dava comigo a pensar: “será que vai lá estar o senhor falador?”. Ele estava todos os dias.
Começou assim a nossa amizade. Entretinha-me a ouvi-lo (enquanto conversava com outros autocarreantes) e a treinar, mentalmente, as respostas que lhe daria se, de facto, participasse na conversa.
E já éramos tão íntimos... Ele achava que a “surpresa de Outubro” seria que o McCann iria “despedir” a Sarah Palin, eu achava que a surpresa tinha sido antecipada pelo episódio “sarah / marido de sarah / ex cunhado dos palin”. Ele achava que para que o Obama perdesse era necessária uma guerra. Eu achava que bastava que acontecesse outro episódio Tom Bradley. Ele tem um amigo que subornou o médico para lhe dar um atestado de depressão. Com isso, conseguiu uma “baixa vitalícia”. Achava o seu amigo genial, eu reprovava a atitude.
E assim seguia a nossa amizade. Diariamente. Ele falava e eu pensava.
Até que chegou o grande dia. Entro no autocarro. Vazio. Só o meu amigo sentado num canto. Sentei-me no lado oposto.
Pergunta-me, então: Trabalhas na fundação?
(sim, estava a dirigir-se a mim!)
Falamos um pouco e vem o comentário.
- Mas não és espanhola
- Ah, me encanta Portugal
A partir desse dia, a nossa amizade tomou uma nova dimensão. Já que agora, ao invés de pensar, intervinha, realmente, nas conversas.
E há um dia em que diz:
- Acho que o ensino nas escolas públicas e privadas é basicamente o mesmo, eu pus as minhas filhas na privada porque me parece que os contactos que vão fazer para a vida futuras são muito melhores do que na pública.
E eu comento:
- Essa visão parece-me um pouco elitista, não achas?
(de notar como os meus ideias de direita tem vindo a esbater-se com o passar dos anos)
E foi assim que, finalmente, tive a minha primeira conversa culta em espanhol: “a influencia do meio envolvente da formação de uma criança”. E eu que nunca pensei que saberia dizer isto “em língua estrangeira”.
E no final da conversa ele disse: “não precisas de aulas de espanhol, falas perfeitamente”.
Eu ri-me e pensei: A opinião dos amigos não conta!

Espanha não, Galiza

Tenho ouvido, ultimamente, vezes sem conta, a mesma incorrecção. Prende-se com a seguinte pergunta: “Como está a vida em Espanha?”
Pois vou, de uma vez por todas, corrigir o erro crasso:
Eu não vivo em Espanha.
Vivo na Galiza.
A Galiza tem uma bandeira, um presidente e um jeito de ser. Tem uma língua só sua (que, prometo, estou a tentar afeiçoar-me, apesar de ainda me parecer um português cerrado tipo gente rude do campo) e os seus próprios erros gramaticais.
Os galegos só lêem os jornais da região onde se encontram manchetes como: “O desemprego em Espanha ronda nos 14%, na Galiza está perto dos 8”. Na Galiza há movimentos migratórios, terras marginalizadas, palavras próprias de cada região. Há indústria galega, comida galega e banco galego. Consta que a Caixa Galicia, o banco-monopólio da cidade, é o que tem mais depósitos de Espanha, mas isso é um aparte.
Por terras galegas vê-se a TV Galicia, ouve-se rádio regional e fala-se castelhano com vocabulário próprio.
Neste país onde vivo agora há um sentimento nacionalista muito grande.
Por aqui bebemos Estrella Galicia e ouvimos música celta. Bem, também ouvimos música inglesa, cantada por grupos galegos, claro.
E perguntam-me, então: “E a Espanha?”
Para dizer a verdade, não sei bem onde fica, mas deve ser uma localidade bem longe daqui, lá para os lados de Madrid, suponho.

Imersão-integração

É interessante este mecanismo de aprender uma língua através da técnica de “imersão”. Todos sabem que quando saímos de um escola de idiomas, somos lançados ao mundo a falar como freiras. O nosso trabalho de casa eterno é o de trabalhar na nossa integração. Estamos a conversar com alguém e dizemos “responder”, a pessoa segue a conversa usando o termo “contestar”. Pois que seja “contestar”, então. Risca o “responder” da lista e segue em frente.
Pois se a nós “nos gusta” alguma coisa e à pessoa com quem estamos a falar “mola”, então a nós “mola” também, está decidido.
Chamemos-lhe “técnica de integração-imersão”
E sigo eu, diariamente, batalhando nesta guerra linguística que, como o nome indica, está cheia de vitoriosos e vencidos.
E hoje, admito, fui derrotada.
Estávamos todos a almoçar. Conversa vai, vem, e chega ao ponto em que resolvo intervir. Contavam uma história espantosa (não, não repeti o mesmo erro!).
E lá fui eu comentar:
- É caso para aplicar aquela expressão que vocês usam por aqui. Como é mesmo?
(pausa para que a atenção toda se vire para ouvir o meu momento de glória)
- Ah é “bua, neno!”
(silêncio, entreolhares)
- Sabem? Aquela expressão de espanto….
E é então que alguém grita:
- Bua neno!!!
Gargalhada geral. Marina muito aflita, roxa de vergonha, olha em volta, implorando por uma explicação.
Gargalhada continua. Até que uma alma caridosa diz:
- Mas com quem te andas a dar?
Passo a explicar: Estava outro dia na praia e por trás de mim encontrava-se um grupo de rapazes que sempre que queria enfatizar, ou comentar algo com espanto dizia “bua neno”. Foi então que de sorriso matreiro anotei no meu caderninho mental como “expressão a usar” em vista à famosa integração. Seria um sucesso.
Parece que os rapazes que estavam atrás de mim na praia eram “adolescentes chungas” e que “buá neno” é algo como o nosso “aína man”.
É como eu digo. Isto da “imersão-integração” tem o que se lhe diga. Há que saber com quem "emergir" e o momento certo para o fazer. Porque, caso contrário, triunfa o pensamento que hoje vai comigo para a cama: “Afinal qual é o mal de falar como as freiras?”

As "línguas latinas"

Outro dia falava com um espanhol. O rapaz estava muito entusiasmado com o meu apelido internacional e comentou:
- Ah, entonces “parlas” itialiano
Respondo-lhe que sim, numa risadinha forçada de quem já ouviu a boca centenas de vezes.
Diz-me então: “Nós aqui em Espanha também falamos todos mais ou menos italiano, é que sabes, para nós as línguas latinas são bastantes intuitivas e nem precisamos estuda-las”.
Sortudo, o rapaz. Sortudo por me ter apanhado apenas com dois dias de Espanha e na altura ainda não ser muito capaz de me expressar. Mas os meus três anos de aulas de italiano não lhe iriam sair baratos.
Propus-lhe então:
- Mas então se o italiano é intuitivo, porque não conversamos em italiano? (asseguro que a frase não foi assim tão bem construída, mas ele lá me compreendeu. Intuição, diria.)
Rio-se um pouco e começou:
- Bem a gramática é igual à espanhola (erro). E o vocabulário bastante parecido, por exemplo, imagino que “mantequilla” em italiano seja igual, não?
- Não, é “burro”.
- Ah, mas por exemplo, “pallitos”, deve ser “paliti” ou algo similar.
- Na verdade é “stuzzicadenti”.
- Ai, que engraçado. Mas nos verbos, por exemplo, o único que muda é o querer que em italiano é “io vó-gli-u”
- Na verdade pronuncia-se “vôlhô”.
- Parece que eu hoje não estou com muita sorte, mas é o que te digo, nós os espanhóis temos naturalmente jeito para línguas.

Claro que sim. Agora imaginem nas línguas “não latinas”. Muito promissor.

Nota: Às vezes ponho-me a pensar. Porque raio será que o tipo se lembrou de dizer as palavras "manteiga" e "palito"?

Rendida ao "jo"

Na minha última aula de espanhol em Portugal o professor saiu-se com esta:
- Ah, quase me esquecia do essencial. se queres falar bem espanhol tens de aprender a palavra mais utilizada por lá: joder. O resto vem-te com a prática.
Eu ri-me. E ri-me ainda mais quando percebi que “roder” se escrevia com “j” e não com “r” como sempre o imaginara.
Claro que esqueci esta última lição no sótão do meu subconsciente. Afinal eu iria fazer um mestrado e não aprender a falar “calão”. Não estava a pensar pôr-me a dizer asneiras à frente do professor.
Ai não?
Nós temos o “bolas”, o “chiça”, o “raios”, o “caramba”. Todos substitutos bem educados de um completo e muito bem dito “merda”. Mas os espanhóis, como já se tem vindo a comprovar, são uns linguistas muito simples. Ao invés de recorrerem a mil e uma formas de dizerem “merda bem educada” transformaram o “joder” em algo que podemos caracterizar como uma “asneira socialmente aceite”.
Surgem assim o “Joder” e os seus amigos “Jo”, “Jolin”, “Jodar”, “Jodi” no discurso dos grandes executivos e no mais formal ambiente de trabalho.
E eu, que nunca fui dada a asneiras, acabei por aceitar esta nova forma de estar.
Hoje disse pela primeira vez: “!Joder, que fuerte!”, claro que soou muito estranho, mas senti que foi, sem dúvida, um grande passo para este novo estatuto que apelidei de: “o estado de rendição ao jo”.

! Hasta Luego !

As despedidas ultimamente têm criado um nó mental na minha cabeça de falante de português (metáforas à parte, sejamos agora objectivos):
Adeus, dizes quando te vais embora. Até logo, quando vais ver em breve alguém. Até já, é quando se vão encontrar num curto espaço de tempo. Até amanhã, vais vê-lo no dia seguinte. Até para a semana. Até. Tchau. Se pensarmos bem, chegamos mesmo a juntar duas expressões, formando coisas do tipo “Adeus, até amanhã”.
Agora imaginem um falante de português que chega a Espanha e se depara com a seguinte situação:
Se estas a sair de uma loja, a descer de um autocarro, se combinaste encontrar um amigo daqui a cinco minutos ou te despedes de um professor que vais ver amanhã. O cumprimento é sempre o mesmo “hasta luego”.
Mas como dizer “hasta luego” a uma pessoa que não voltarás a ver “luego”, nem nunca mais? Como não dizer “hasta mañana” ao teu chefe que vais ver amanha e não “mais logo”?
A verdade é que já experimentei sair-me com o “hasta manãna” ou o “adios” e a reacção normal e uma cara de confusão, de alguém a quem trocamos as voltas, que embaraçado acaba por dizer “tchau” ou somente “venga” com um sorriso de “que-engraçada-esta-estrangeira”.
“Superado” o obstáculo linguístico (as aspas significam que foi tudo assimilado mas que o nó mental ainda não se desfez), surge o segundo problema com a maldita expressão. Mas eles afinal pronunciam “hasta luego” ou “hasta logo”? A dúvida perseguiu-me por uns dias e tinha acabado por concluir que era uma questão de sotaque. Os galegos diziam de uma maneira, os de fora de outra, mas as excepções começavam a inquietar-me. Resolvi, então, perguntar às minhas amigas (que têm uma paciência incrível para as minhas dúvidas existenciais).
- Porque é que tu dizes “hasta luego” e ela diz “hasta logo”? É porque tu és daqui e ela é de Valência?
- Como assim?
- É que vocês pronunciam “hasta luego” diferente
- Não… é igual.
- Não é nada. Ela diz “hasta logo”.
- A mim soa igual.
- A mim também – acrescenta a outra olhando-me com um ar assustado.
É nestas alturas que amaldiçoo o português por ter “tantos fonemas”. Afinal o nosso ouvido “apurado” ouve além do limite admissível do espanhol.
Só para que conste, eu decidi que vou pronunciar “luego” para que me soe mais “español”, nem que seja para impressionar os meus amigos portugueses. E decidi também que quando for grande vou por os espanhóis a aprenderem a despedir-se como deve ser.
Bem, tudo isto com devida (e bem grande!) margem de erro. !Hasta Luego!

Morriña

Há um sentimento comum aos chamados “cidadãos do mundo”. É o amigo que ficou longe, o companheiro que anda a vaguear por outros continentes, o namorado que se perdeu por outro país.
Em Portugal chamamos-lhe Saudade.
Desde pequenos que nos ensinam na escola que Saudade é uma palavra que só existe na nossa língua, e isso, claro, dá-lhe um certo encanto.
A primeira vez que vi este mito ser derrubado, foi numa aula de alemão. O professor ensinava-nos vocabulário e, no meio de outras palavras, diz “Sehnsucht”. Tradução: Saudade.
Mas como? Não! Não é possível. Saudade é uma palavra que só existe em português, contestamos.
- Isso é um mito parvo.
Passei semanas, meses, contando “a minha nova descoberta” a toda a gente e corrigindo, de sorriso matreiro, sempre que alguém se saía com a tal frase-lugar-comum.
Mas à medida que os anos foram passando, e os meus conhecimentos de alemão deteriorando-se a olhos vistos, fingi esquecer-me desse pormenor. O mito tinha o seu encanto, e, como nos ensina o Big Fish, há coisas que valem a pena manter.
Mas outro dia, o inevitável aconteceu. Estava a conversar com uma amiga quando ela me diz que “echa un montón de menos” o seu “novio”. Não é que o seu namorado está a viver na Guatemala?
E ela prossegue, enfatizando: “claro que tengo morriña”. E eu, como é norma nas conversas fora do vocabulário-escola-de-espanol, coloco a minha cara de dúvida e digo: “Morriña?”
Ela, que estuda português há vários anos, esclarece “Saudade”.
É então que respondo, numa tentativa derradeira de preservar o Big Fish da grande história: “sempre me ensinaram que saudade é uma palavra só portuguesa” e ela diz com o seu ar de menina despachada: “que tonteria, en aleman es Sehnsucht”. (moral da história, não tentar enganar conhecedores de idiomas).
O mito foi oficialmente deitado por terra, mas no fim acabei por concluir: nem todas as histórias são dignas do Big Fish, há algumas que têm mais encanto quando contadas como na realidade. Afinal, é muito bom poder dizer em outras línguas, este sentimento que desde sempre foi tão meu. Agora posso por uma cara feliz e explicar a este povo galego que, não importa onde esteja, hei sempre de ter “morriña” de alguém. Afinal morriña também pode ser uma coisa boa!

Falsos Amigos II

Estávamos em ritmos “de copas”, de bar em bar, quais saltimbancos femininos. A história surge num entrelaçar de vozes roucas. Era um amigo que tinha sobrevivido heroicamente a uma doença fatal.
- Uau, que historia espantosa - comento
Silencio. Olhos pensativos.
Marina acha por bem reforçar a afirmação para quebrar o repentino sossego:
- Realmente espantoso…
Poderia ter sido admirável, extraordinário, maravilhoso, incrível, mas não, entre copos de licor de café, a história parecia-me verdadeiramente espantosa.
Até que há alguém que se adianta.
- Pois eu não acho espantoso. Parece-me um rapaz muito forte e até heróico.
Todas soltam gritos de concordância e a conversa segue para se evitar o assunto.
Horas mais tarde, muitos licores de café depois e sem mais nenhum silencio registado, resolvo perguntar, já temendo a resposta.
- O que significa “espantoso”?
- Horrível – disse.
Gargalhei sozinha alguns minutos. Gargalhei acompanhada outros tantos. E o falso amigo valeu-me mais um licor de café.
“Ás histórias espantosas e exquisitas” foi o brinde proposto. Pareceu-me bem.

A Massa

Desde há dois anos para cá, cozinha para mim tem cara de massa (não que antes tivesse cara de alguma coisa). Bolognesa, putanesca e carbonara. Com pimentos, beringela, bacon ou nozes (mistura estrondosa!). Há aquela que vai no forno e deixa o queijo gratinar, a que tem recheio e a que se serve fria como salada. Podemos usa-la como acompanhamento ou prato principal (com direito a três repetições).
Mas para mim, cozinha também tem cara de seis frustrantes quilinhos a mais e um guarda-roupa novo (dois tamanhos acima) comprado com o dinheiro que deveria ser para viagens. Então desta vez tomei uma decisão: não haverá massa no armário da minha cozinha espanhola. Aparecem assim as saladas, os bifes grelhados e as tostinhas integrais. Mas ontem lembrei-me que tortilla não era massa e, portanto, “se estas em Espanha junta-te a eles”.
E foi então que….
- Se ontem comi tortilla qual é o mal de hoje comer massa?
Tentação, carne fraca! A verdade é que a sensação de voltar a território conhecido foi inspiradora! (prometo manter o pacote de massa, comprei dos pequeninos, juro!, no fundo do armário da cozinha. Só para ser usado em dias mais especiais!)
Mas já agora fica aqui a minha indignação:
Porque é que as comidas, “não-massa” são tão caras? Bem… talvez por uma questão monetária (e só mesmo monetária) devesse recorrer à massa um dia ou outro…

Acho que me consigo habituar a isto

Ontem um espanhol explicou-me o fenómeno da “siesta”.
- Mas vocês dormem mesmo essas duas horas?
- Não… mas descansas. Imagina: tens duas horas de pausa para almoço. Vais para casa, cozinhas, comes, lavas os pratos e ainda vês um pouquinho para ver televisão. E depois voltas para o trabalho muito mais relaxada..
- Mmmm
- Mas depois há aquelas cidades horrendas como Madrid e Barcelona em que eles só têm tipo 15 minutos para almoçar. Horrível! Não admira que sejam todos infelizes.
- Sabes que não é só em Madrid e Barcelona que isso acontece…
- O que? Em Portugal também não têm a “comida” (forma moderna de dizer siesta)?
- Não…
- A sério? Não sei como conseguiste viver lá tantos anos.
Eu também não! E viva as cidades pequenas! Realmente a vida com a “comida” é muito mais feliz e “relaxada”. Venga!

Os falsos amigos

A melhor parte de viver “no estrangeiro” é “absorver uma nova língua e uma nova cultura”. Toda a gente saber isso de cor. Mas isso posto em acção… bem, pode não ser tão divertido. Em todas as línguas existem os três grandes fantasmas: preposições, verbos irregulares e falsos amigos. Pois bem, em algumas horas lá apareceram todos os fantasmas existentes juntos para alegrar a minha primeira visita a Coruña. Isto de falar espanhol até é fácil, as coisas só começam a complicar quando queres dizer “oficina” porque isso é escritório. Mas atenção que “escritório” é escrivaninha e oficina, afinal, diz-se “taller”. Por aqui as coisas “exquisitas” são deliciosas, as “espantosas” são horríveis e os “mininos” são gatos. E, claro, não poderia deixar de aparecer a típica confusão luso-espanhola já que só os principiantes é que não sabem que para os nuestros hermanos “vaso” é copo, “florero” é vaso e “copo” são cereais. E os “billetes”? Esses são notas, sendo que as “notas” são bilhetes, obvio. Havia alguma dúvida? Afinal espanhol é só português com sotaque! Isto vai ao sítio num instante.

orgulhosos 31%

Hoje tive o telefonema mais interessante da minha vida jornalística.
Todos nós temos alguns assuntos que nos são mais queridos, uma temáticas às quais somos mais sensíveis. Eu tenho algumas. Poucos foram os meus amigos que nunca me viram discutir (acaloradamente) sobre a homossexualidade, o racismo ou a liberdade de expressão. Mas existem mais temáticas que põem logo a sirene a tocar.
Esses outros temas “mais esquecidos” desde há algum tempo me preocupam. Afinal porque é que “deixo passar” essas discussões e faço um sorrisinho cínico só para não me irritar?
Resposta simples: aparecerem vezes demais na rotina do dia-a-dia.
Mas hoje não houve como escapar.
Estou a fazer um trabalho sobre as politica de responsabilidade social das empresas. (Sim, é um trabalho manhoso e, sim, as empresas são todas muito responsáveis blablabla)
Estava eu a passar os olhos pelo relatório de responsabilidade social da Auchan e fui atraída por um número.
Vinha assim, em tópico, como se nada fosse.
«31% dos nossos cargos directivos são mulheres».
Pára tudo. Volta atrás.
Contexto: O número surgiu em resposta ao tópico: «Exemplos de acções desenvolvidas na área da responsabilidade social». E entre doações de alimentos a obras de caridade e construção de escolas para crianças necessitadas, lá estava outra acção de responsabilidade social que o Grupo Auchan tanto se orgulhava: dar cargos de topo a mulheres.
Os briefings lá tiveram de me ouvir berrar, espernear, revoltar-me ficar vermelha, sair da redacção e, por fim, ligar para o grupo Auchan:
- Acho que está um engano aqui nas vossas respostas.
- A serio?
- Não sei.. mas a mim não me parece que mulheres em cargos directivos seja uma acção de responsabilidade social.
- Ah não. Veja bem, não era isso que queríamos dizer...
A minha chefe não aprovou a ideia de colocar isso no texto. Felizmente estou de saída. Não quero mais jornalismo a brincar.

O Senhor Herman

Ontem cheguei a uma conclusão que me assustou. O Herman José transformou-se num Fernando Mendes.
Enquanto o via com a sua camisa de penduricalhos brilhantes e calças com detalhes em croché apercebi-me do que é que o Herman queria dizer com «quero que as pessoas me vejam de outra maneira».
De facto, o «senhor Herman», como diria a nossa querida Lucy, deixou-se das piadas ordinárias e de pessoas nuas a passear-se pelo estúdio. Isto seria louvável, claro, se ele não o tivesse trocado por um programa de piadas fáceis, cheias de caretas e conversa lugar-comum.
Pensando bem, o Fernando Mendes, por mais populista que seja (e por mais que a sua imagem já esteja gasta e ele não demonstre prazer algum em fazer o seu trabalho) tem o mérito de assumir o papel que desempenha. Já o Herman, continua a falar alemão e a cantar a Amália enquanto exibe o look cabelo oxigenado, calças justas, sapato pontudo e cinto com brilhantes.
Pensando bem, a última vez que me lembro do Herman ter dito alguma coisa que me interessou foi quando veio a público esclarecer: «Não, não, eu só violei miúdos de 16 anos, isso não é pedofilia».

12 ou 22?

- Fazes bem! Tas mesmo na idade de fazer essas coisas!

E, de repente, deixei de ouvir os elogios à minha coragem e distrai-me com um flashback de imagens de passado. Quando tinha doze anos lembro-me de olhar para os “mais velhos da escola” e querer que o tempo passasse a correr. Queria logo poder usar maquilhagem, saltos altos e malas de senhora. Fechava os olhos e tentava imaginar as minhas feições com aquela idade. Imaginava-me sempre bonita, crescida, até mesmo chique.
Quando penso nisso esboço sempre um sorriso. Sou tudo menos chique, crescida, bonita ou senhora. Não gosto de saltos altos e a maquilhagem faz-me comichão. Malas de senhora é para as “betinhas”. Eu sou “desportiva”, dizem os mais simpáticos.
Mas aos doze anos, essa possibilidade não existia. Queria ter filhos aos 23, para poder brincar com eles sem um grande gap geracional (ok, aos doze deveria dizer, “sem ser uma velha chata”). Agora quero ter filhos aos 30.
Mas dizem que os 50 são os novos 40. Seguindo essa lógica de raciocínio, os 40 são os novos 30 e os 30 os novos 20. Faz sentido. O meu desejo mantém-se datado.
Mas espera. Um momento.
Assim sendo, eu agora, ao invés de 22, tenho 12?
Pois. Fez-se luz.
Mas mantenho os meus desejos.
Quando “já não tiver idade para essas coisas” quero ser crescida, bonita, usar saltos altos e roupa de senhora. Mas para já nao. Só tenho doze anos!

Desfazer amizades II

Tenho uma dúvida.
Será que devemos informar um amigo quando decidimos que não que não queremos mais a sua amizade?
Nunca soube o que fazer quando estas coisas acontecem. Mando uma cartinha? Escrevo por email? Vou a casa dele e digo-lhe cara-a-cara?
Das vezes que o fiz isso gerou mais discussões desnecessárias, mais feridas e mais irritações inúteis.
Ultimamente resolvi optar pelo silêncio.
Tomo uma resolução e sigo na minha conduta como se a vida não tivesse mudado.
Mas mudou.
Há um número de telemóvel para apagar e fotografias no quarto para substituir. Mas vou sempre adiando essas medidas drásticas, esperando que um dia a raiva passe, a amizade volte e tudo faça sentido de novo.
Umas vezes volta a fazer. Outras não.
Mas pergunto-me sempre. Será que fiz bem em deixar o tempo resolver as coisas à sua maneira?

Sem descer do salto

Tenho uma relação de amor-ódio com discussões.
Adoro-as. Não sei viver sem elas. Ao mesmo tempo odeio-as, porque levo-as muito a peito e sinto que fico intoxicada com o ódio que começo a nutrir pelo interveniente da discussão. Nessas altura apetece-me que os meus olhos se transformem em laser para fuzilar a pessoa com quem discuto. Parece-me que tanto ódio não deve ficar retido dentro de uma pessoa só.
Adiante.
O meu problema com discussões é que não suporto pessoas que jogam baixo. Que, sem mais nem menos, partem para ataques pessoais. A verdade é que todos temos essa tendência. Queremos sempre sair por cima e dizer que ganhámos a discussão.
Quando eu discutia com o meu irmão a minha dizia sempre:
- Despreza-o, é o melhor que podes fazer.
Sem saber como esse conselho viria a afectar a minha vida, acabei por moldar a minha doutrina a essa prática. Fiquei sempre sem descobrir se a frase “não vou descer ao teu nível” era boa ou má. Mas continuei a pô-la em acção.
Hoje gosto da minha atitude.
E, agora, sempre que quero “descer ao nível de alguém” lembro-me da minha mãe e “não desço do salto”.
Eles ficam a achar que desisti na discussão. Eu fico a ter a certeza que ganhei.
E foi assim que surgiu a lei: desprezo a pessoas desprezíveis.

O livro dos destinos

Às vezes parece que está escrito no ar que é altura de mudança.
Gosto de pensar na vida como aquele livro de histórias de terror em que cada decisão corresponde a uma página.
Não dá para fazer batota ou ir ler o destino alheio. Mas podemos ser cautelosos e não morrer no primeiro capítulo.
Passa o capitulo um, dois, três, quatro. Já somos quase heróis, referências para a humanidade. Sobrevivemos à selva. Triunfámos. E agora?
Não se pode viver para sempre os frutos de um triunfo passado. E é então que o presente começa a aborrecer. Mas a boa notícia que é que neste jogo podemos sempre decidir-nos por uma atitude inesperada. Surge a pergunta do livro:
- Quer atirar-se para o buraco negro ou seguir na confortável viagem de taxi?
Um burburinho, vozes que discutem dentro da cabeça.
E gritamos, quase retomando o herói antigo que já fomos:
- Táxi, para o buraco negro, por favor!
Agora falta descobrir se o taxista conduz bem e se não há assassinos na estrada. Mas isso fica para o próximo capítulo.

deComboio!

Ultimamente é só nisso que penso. Ainda falta comprar a mochila e o saco-cama. O shampoo, o condicionador, os pratos e os talheres. Faltam os sapatos confortáveis e o chapéu para proteger do sol. A tolha que não seja muito pesada e um bom baralho de cartas. O livrinho de anotações e o marcador de texto.
E com tantos pensamentos, o que faltava mesmo era um diário digital para aliviar o peso da cabeça.
Aqui está ele.
Espero que gostem e que também vocês viagem um pouco connosco.

Cafés

Saiu esta semana um estudo da Eurostat sobre o consumo familiar de restaurantes, bares e associados. Os portugueses lideram a lista.
Não surpreende. Não surpreende nada.
Os meus pais sempre acharam estranhas as minhas idas ao café.
- Mas nem bebes café.
A tentativa de explicação resultava num torcer do nariz e num “diverte-te” com sorriso complacente.
Os portugueses vão ao café. É natural e irreversível.
Eu, na verdade, sempre tive uma pontinha de inveja (de adolescente que, no fundo, não se sente totalmente integrada) ao ouvir os meus amigos contarem que iam ao café com os pais.
- Os meus pais fazem “happy hour” serve?
Não. Obvio que não servia.
Em pequena também eu queria ir ao café com a família e comer aqueles bolos horríveis. Também queria que eles colocassem açúcar no dito líquido e que o mexessem com o pau de canela.
- Quero adoçante, por favor.
E segue-se uma dissertação da minha mãe sobre o “absurdo” de não trazerem logo o adoçante já que “hoje em dia todo o mundo usa adoçante”.
Quando me deparei com essa sondagem tentei imaginar a minha família no café. E surgiram as incompatibilidades.
Falam alto demais, metem-se demais com os empregados, consomem demais, demoram tempo demais sentados à mesa. Não gostam de bolos, nem de fumo, nem de água da torneira. Chamam os cafés de “tasca” e reclamam sempre do “banheiro”.
Mas o pensamento aterrou numa conclusão que há muito tempo não tinha.
- Sou, definitivamente, estrangeira. Aqui, e em qualquer outra parte do mundo.

desfazer amizades

Gostava de perceber o que faz com que duas pessoas sejam amigas.
Isto porque eu tenho alguns amigos dúbios.
Ora vejamos:
Começa por ser amigo do nosso amigo. E depois liga-nos uma vez e conta-nos como vai a vida. Engraça connosco.
No dia seguinte combina-se um café. E mais outro e outro. E com o café as confissões e a intimidade crescente.
De repente, e sem termos dado pela coisa, tornamo-nos amigo dessa pessoa. Já está. Não houve tempo para avaliar, conquistar, fazer um flirt amigável. Fomos sugados para uma amizade obrigatória.
Tudo seria mais fácil se, pelo menos, pudéssemos cortar laços. Mas não dá.
Vamos ao café e lá está ele. Ao cinema, ele mais uma vez.
Os nossos amigos gostam dele. Os nossos pais também.
Começam as cobranças.
- Nunca mais saíste com ele.
- Pois, não tem dado.
E com isso as mentiras. As tentativas falhadas de auto-convencer-nos daquela farsa. Mas como dizer a uma pessoa: “Conclui que não gosto de ti, nunca gostei, portanto, quando tiveres um problema, por favor, não me ligues mais”?
Deveria ser tão fácil afastar um amigo, como fazê-lo.
O problema é que por mais que os amigos mudem, que não aprovemos as mudanças, que nos façam cabelos brancos, que nos moam o juízo, que odiemos cada palavra proferida por eles, que nos apetece afoga-los no rio Tejo cada vez que se saem com “uma daquelas”, apesar de tudo isso, quando os vemos na rua acabamos sempre por dizer com um sorriso sincero, “então? Que saudades!”.

Beijinho

O telefone tocou.
Era ele.
Não acredito.
- Tou?
- Tou?
- Olá!
- Acho que é engano.
-Agora vais ter de falar comigo.
- És tu?
- Sim!
- Não era para ti que eu queria ligar.
- Freud explica.
- Desculpa.
- Tas bom?
- Sim. Com muito trabalho
- Há coisas que nunca mudam. E de resto tudo bem?
- Sim. Muito trabalho.
- Pronto. Já vi que queres que te deixe trabalhar.
- Desculpa, estou um pouco atrapalhado.
- Gostei de saber que estas vivo.
- (silêncio)
- Quer dizer, tas vivo, certo?
- Parece que sim.
- Beijinho.

A conversa passeou-se vezes e vezes sem conta na minha cabeça. Conclui que nunca cheguei a dizer o meu nome. Talvez nem me tenha reconhecido. Não. Não é possível. Foram dias a mais a ouvir a minha voz telefónica.
A voz dele não tinha mudado. Nem o tom atrapalhado de lidar com problemas. Nem a incapacidade de lidar com o mundo.
Os hábitos ainda eram os mesmos. As chamadas desesperadas aos amigos. Os estudos até de madrugada.
Adormeci a tentar ler as entrelinhas.
Acordei e conclui: afinal o ciclo está quase fechado.
“beijinho” pode ser um bom final para esta história.

FARC

Eu fervo em pouca água. Quem me conhece sabe bem disso. Eu digo às senhoras do cinema que deveriam morrer afogadas (só por causar mais sofrimento do que um tiro no coração) e digo aos homens das obras com desprezo: «é por isso é que trabalha nas obras». (E, sim, eu trato os homens das obras por você, deve ser por dar um ar mais snob à afirmação).

Mas desta vez pensei sobre o assunto. Não foi um instinto primário de sobrevivência. É uma conclusão racional.

A festa do Avante e o PCP metem-me nojo.

Mete-me nojo que depois do PS, PSD e CDS se unirem para congratular a libertação de Íngrid Betancourt, o PCP tenha votado contra o documento por rejeitar que a FARC seja classificada como uma organização terrorista.
Mete-me nojo que o PCP tenha, depois do incidente, publicando um comunicado «em resposta a várias solicitações dos órgãos de comunicação social», no qual não faz qualquer condenação da força de guerrilha colombiana.
Mete-me nojo que, quando questionados sobre a presença da FARC na Festa do Avante, o PCP diga que tal nunca aconteceu e não voltará a acontecer (apesar da guerrilha ter já nome na lista das presenças confirmadas e de todos terem já visto a barraquinha da FARC da «festa»).
Mete-me nojo que quando o assunto venha à baila as pessoas se riam e digam: «Mas a festa do Avante é divertida».

Desculpem os lesados, mas desta vez não há qualquer margem de erro.

Conversas de café

À noite:
- És feliz? - pergunta ela, exactamente no momento em que ele se preparava para começar a dizer aquelas pirosadas todas de fim de semana.
- Na versão Capitalista, Humanista, ou Espiritual? - responde, a tentar negar que “vinha ai coisa”.
- Não brinques que estou a falar a sério!
Ok. “Vem ai coisa”.
- Sim, e tu?
Ele ajeita-se na cadeira porque estas “conversas” costumam demorar.
- Acho que me preocupo demais com tudo.
“Vem ai coisa ao quadrado”
- Oh, eu dou-te um beijinho que isso passa.
Ultima tentativa desesperada.
- Hoje não me apetece beijinhos.
Todos aqueles planos de mil e uma noites de amor? Tudo por água abaixo. Porque é que só lhes dá isto nos fins de semana?
-Ok. Vamos lá então falar a sério. – diz, numa revolta decidida – O teu problema é que pensas demais, e isso faz-te mal. Já olhaste bem à tua volta? Achas mesmo que tens alguma coisa com que te preocupar?
Suspiro.
- Mas aconteceu alguma coisa em específico?
Silêncio.
Isto vai ser mais demorado do que ele esperava.
- Queres ir tomar um café?
- Sim. Mas só se houver bolo de chocolate.
- Claro, sua gorda.
Ela sorriu.

Yo Ho Ho e uma garrafa de Rum

Uma vez li nalgum lado que os marinheiros quando estão felizes cantam músicas tristes.
Deve ser por isso que gosto de piratas. Se é que podemos chamá-los de marinheiros.
Hoje de manhã a minha mãe perguntou-me:
- Como é que consegues ouvir essa música triste de manhã? Para acordar é preciso música animada!
Eu ainda lhe tentei explicar que a minha música “triste” me animava, mas nessa altura ela já tinha mudado de assunto, e com a minha mãe “só se anda para a frente”!
Eu gosto de musicas calminhas. É a melhor definição que consigo dar sobre o meu gosto musical.
- Mas como é que também gostas de Kasabian?
- Também é calminho, ou não?
A questão é que há um mês cheguei à conclusão que não sei distinguir músicas felizes de tristes. (isto é, se não ouvir a letra)
- E esta que te parece?
- Eu gosto, é feliz!
- Feliz? É uma música fúnebre.
Talvez este problema meu se cure com o tempo. Mas, na verdade, não quero cura-lo, porque ouvir música “triste” faz-me sentir um pouco mais pirata!

«O amor nos torna patéticos»

Hoje a minha professora de espanhol disse uma coisa interessante. Estávamos a conversar sobre cinema quando ela se sai com esta. «As pessoas que vêm muitos filmes são mais infelizes».
E isso pôs-me a pensar. Lembrei-me da minha amiga que não encontra um namorado porque não aceita nada que não seja «um príncipe azul» (como diria a Patrícia, a professora de espanhol divorciada e desencantada de amor). Divaguei pelos pedidos de casamento, planos do vestido branco e fotos familiares. Lembrei-me de todas as vezes que me escondi «no escurinho do cinema, chupando drops de anis, longe de qualquer problema, perto de um final feliz»
Percebi que a Julia Roberts e a Meg Ryan não me fazem muito bem à cabeça.
E, perdendo-me enquanto a Patrícia se empenhava em ensinar-me os verbos do imperfeito, senti vontade de sussurrar ao ouvido de alguém
«Meu bem você me dá agua na boca».
De mandar uma simples mensagem
«Vem me beijar, meu doce vampiro, na luz do luar».
De esperar que ele venha com borboletas no estômago.
E quando chegar «vou abrir a porta, para você entrar, me beijar a boca, até me matar».
De «despir fantasias, tirar a roupa»
E depois, «Banhada de suor, de tanto a gente se beijar, de tanto imaginar loucuras». Ouvir um «Que tal nós dois, numa banheira de espuma?» E aceitar o «cuerpo caliente, um dolce farniente, sem culpa nenhuma».
E foi neste ponto que a Patricia zangou-se. Lá estava eu a confundir outra vez o português o italiano e o espanhol.
Interrompidos os pensamentos errantes conclui que «as pessoas que vêm muitos filme ou são infelizes ou profundamente mais felizes».

«Ai de mim que sou romântica!»
quem diria?

*** Rita Lee, Coliseu dos Recreios ***

A lotaria

Desde pequena que vejo o meu pai jogar na lotaria.
- Pai, posso jogar também? Deixas-me escolher um número?
- Podes jogar filha, mas tem de ser uma cartela tua.
E a minha mãe acrescentava:
- O teu pai joga sempre os mesmo números!
Ver o meu pai jogar na lotaria não tinha muita piada. Ele passava os talões antigos ao senhor da casa lotérica que somava o dinheiro que tinha ganho no mês anterio. Depois disso o empregado perguntava-lhe:
- São os mesmos números?
Com um abanar da cabeça e um desembolsar de alguns euros a operação estava feita. Sem risquinhos nem macumbas, sem pedir opiniões ou franzir qualquer músculo. Era uma operação cirúrgica.

Um dia resolvi perguntar-lhe porque é que ele insistia no jogo se não lhe dava nenhum prazer. Descobri que o meu pai joga na lotaria “desde que a minha mãe o conhece” pelo simples facto de que, se parar de jogar nunca poderá ter a hipótese de ganhar.
- Ambicioso – pensei.
Mas descobri que a lotaria era muito mais do que uma ambição. Naqueles dias em que tudo corre mal e apetece dar um tiro no patrão, o meu pai pensava “quando ganhar a lotaria despeço-o”. Quando o elevador encrava e a mesa da cozinha partia, ele pensava “quando ganhar o lotaria vou comprar uma casa nova”. Não era uma atitude pacífica em relação aos problemas. Era um escape. O chamado “sonho que move a vida”.

Há uns meses o meu pai deixou de jogar na lotaria. E eu, por dentro, entristeci.
E é por isso que eu continuo a mandar currículos para vagas de “BBC Reporter” e “Head of communications da Google”. Porque naqueles dias em que não há saída visível, posso pensar: “Quando me ligarem a dizer que fiquei com a vaga, mando-os todos à merda”.

O gajo é bom, pá

Não há nada mais triste para a humanidade do que descobrir que preferimos ir para a guerra com um traidor do que com um tolo.
Ir para a guerra com um tolo é como lutar sozinho. Tens lá o tolo a tolar a toda a hora, a sorrir e a executar defeituosamente as tuas ordens. O tolo não vale na guerra, porque se tiver de ser ele a dar o tiro final, vai errar o alvo e começar a chorar. E lá vais de ter de ir tu consola-lo, ao invés de lhe dar o merecido par de estalos. Os tolos não ganham, nunca. São aqueles sonsos que acham que “o importante é saber ouvir”. Eu digo que o importante é saber falar. Acertivamente.
É triste que a escolha mais adequada seja o traidor. E que quando nos colocarem contra a parede e nos disserem: “mas afinal porque é que escolheste este tipo sem escrúpulos?”
Tenhamos de responder: “O gajo é bom, pá”.
Mmmmm, que dizer, com a devida margem de erro.

O sexo dos anjos

Conheço uma pessoa que tem um amigo imaginário. Chama-se Afonso e morreu de cirrose.
Eu também tenho uma amiga imaginária. Chama-se Inês e morreu num acidente de carro.
Eu nunca tinha conversado muito com ela. Mas invejava os seus cabelos louros, lambidos e cheios de madeixas. Ela tinha um namorado. Era o Francisco.
Também invejava isso nela. Eu andava sempre a correr atrás dos rapazes. Batia-lhes quando eles me levantavam a saia e, uma vez, quando um menino me mandou uma cartinha de amor, fiquei tão nervosa que parti o aparelho dos dentes.
Ela não. Andava para lá e para cá de mãos dadas com o Francisco. No dia dos namorados casaram-se. E o bouquet era um chupa-chupa de coração.
Um dia a Inês e a família foram viajar. Chegou a uma altura da viagem que o pai, que conduzia, ficou cansado. Resolveu parar o carro para dormir um pouco. Ninguém deu por nada. De repente, bum.
A mãe, gravemente ferida, quando soube que a filha não tinha resistido ao embate, deixou-se ir também. O pai prometeu cuidar do filho mais velho que, por sorte, estava do outro lado do carro.
Quando voltámos das férias só se falava nisso. Disseram-me que ela tinha morrido porque estava a dormir quando o acidente aconteceu. E foi por isso que, durante muitos anos, não consegui dormir em viagens de carro.
Agora durmo. E sonho muitas vezes com ela a rir-se e de mãos dadas comigo.
Portanto não me venham dizer que os anjos da guarda não têm sexo.

Eu tenho um segredo.
Todos nós temos um segredo. Mas eu tenho um segredo que me contaram e disseram para «não contar a ninguém». Eu não contei a ninguém. Contei a mim mesma, vezes e vezes sem conta, para conseguir acreditar nele. Mas a mais ninguém. É um segredo daqueles bombásticos. Daqueles que não sabemos se rimos ou se ficamos em estado de choque.
Eu tenho um segredo.
Todos nós temos um segredo. Há a namorada do amigo que curtiu com o amigo da prima e não podemos contar. Mas temos de contar. Porque a verdade é que os segredos nos fazem mentir. Se temos um segredo e nos perguntam por ele. Mentimos. Se temos um segredo e pedem-nos para o confirmar. Mentimos. O problema dos segredos é que soam sempre a traição. Tal como todos temos um segredo, todos temos, também, o amigo que não sabe guardar segredos. Esse é o que prefere trair aquele que contou. E depois há os tipos como eu, que traem o amigo que pergunta.
Mas o meu problema é maior do que ter um segredo.
Eu tenho um segredo e deram-me autorização para contá-lo. E agora não sei como fazê-lo.
Já estou nervosa. Pronto.
Já me habituei àquele segredo. Era meu. Só meu. Sentia-me como num altar, como a importante guardiã das chaves.
Sentia que toda a confiança e as expectativas estavam concentradas em mim. Eu era importante porque tinha um segredo. E ninguém, absolutamente ninguém, podia saber. Nunca.
Mas agora posso contar e não sei como.
Como se diz a uma pessoa «eu tinha um segredo mas agora posso contar-to». Como se diz a uma pessoa «eu tive este tempo todo a mentir-te, mas a culpa não foi minha». Como se diz a uma pessoa «eu vou contar-te um segredo, mas não podes contar a ninguém»
?

Os nerds do cinema

Ultimamente descobri que me dou com muita gente do mundo do cinema. E concluí também que esse mundo fascina-me. Conhecer uma pessoa que fez um filme é uma coisa quase mágica, é como conhecer um unicórnio ou andar de tapete voador. Dá-me esperança de que seja realmente possível fazer alguma coisa. Alguma coisa diferente da pasmaceira cultural do cinema comercial.
Mas o que eu gosto mais nas pessoas que estudam cinema é imaginar o seu futuro. Sempre que vejo um filme mau, actores arrastados e diálogos incomunicável. Sempre que me revolto pelo dinheiro e tempo que gastei e nunca recuperarei. Sempre que isso acontece, desprezo os cineastas bem sucedidos. Mas a melhor parte de ver um mau filme é pensar como os meus amigos o fariam melhor.
O que eu mais gosto no cinema é o facto de tudo ser planeado. Desde as cores, aos objectos, à forma como a actriz coloca a mão no joelho. E, no meio das pipocas e dos beijinhos a meia luz, os planos sequencias e o filtro azul das luzes passam despercebidos. Saímos com a sensação de que qualquer coisa boa se passou ali, mas nunca chegaríamos a nenhuma conclusão se o nosso amigo cineasta não dissesse. «Queres saber uma coisa nerd?».
E nós queremos sempre, porque no cinema ser nerd é uma coisa fixe.

Há dias assim...

O dia em que não houve notícias

A propósito de uma conversa sobre prevenções a úlceras

«there is a paradigm shift where advertisers who were content and context oriented will have to learn to focus on people's behaviors ("it's about people, not pages")».
Será este também o futuro do jornalismo?

Verdade Verdadeira!

Hoje ouvi dizer que usar palavras como “sinceramente” é um sinal de que aquilo que se está a afirmar está longe de ser sincero. O carma cai também em expressões como “palavra de honra” e “a sério”. Isto, porque, no meu mundo actual existem muitas dessas palavras e outras várias artimanhas. Somos, então, obrigados a aprender a desconfiar.
- Sinceramente não sei do que está a falar
- Está bem, já sei que não confirma a informação, mas se quiser falar em off...
- Ok, mas promete que não me cita?
Coisa feia.
Isso tudo fez-me lembrar em como as coisas na infância eram mais fáceis. A minha mãe conta sempre que quando eu era pequenina e lhe mentia, a seguir a dizer a mentira, punha a mão no nariz para me certificar que ele não tinha crescido (como o do pinóquio). Isso era quase como falar em Off, digamos.
Mas voltando ao “mito urbano” dos siceramentes... não posso acreditar que seja sempre assim. Quando alguém diz "sinceramente, isso não me interessa" pode estar a mentir, mas também pode estar a pedir, desesperadamente, que acreditem naquilo por mais improvável que soe.
Isto porque a vida é como o jogo do lobo: existem dois tipos de pessoas.
Aquelas que nos viram “sinceramente” uns contra os outros para subir na vida e os que gritam e berram “sinceramente” mas acabam sempre por ser dados como culpados. Palavra de honra que é assim. Na verdade, devíamos fazer uma revolução para que aqueles que marquem as suas frases desta maneira pudessem ver isto reconhecido. Chamemos-lhe um derradeiro esforço romântico.
Verdade verdadeira.
Bem, com a devida margem de erro.

Não há nada mais volátil do que promessas de amor.
Ou talvez apenas o Algodão Doce.

Money...

If a man is after money, he's money mad; if he keeps it, he's a capitalist; if he spends it, he's a playboy; if he doesn't get it, he's a never-do-well; if he doesn't try to get it, he lacks ambition. If he gets it without working for it; he's a parasite; and if he accumulates it after a life time of hard work, people call him a fool who never got anything out of life.

Vic Oliver

Cat Power, Coliseu dos Recreios

Gostei.
Gostei porque não sabia o que esperar, ou talvez porque a chuva dê choques eléctricos no meu cérebro. Gostei porque tive inveja da sua loucura e dos seus trejeitos inexplicáveis. Porque me embalou para um mundo de algodão doce com raspas de laranja e sequências de sorrisos e suspiros inadequados.
“Ela tem um vozeirão”, comentei em jeito de sussurro. Ao que me responderam simplesmente: “Estou apaixonado”.
E agora a música do meu mp3 surge com o flash-back de eternos aplausos de pé, seguidos de treze vénias meticulosamente executadas.

Desculpem a confusão. Mas se aquilo não foi um ínfimo entreacto de dias chuvosos, o que é que foi? Há dias em que a margem de erro é tão larga que é melhor nem a mencionar.

discriminações "positivas"

Irrita-me o termo discriminação positiva. Mas irrita-me ainda mais que seja necessário que ela exista. As chamadas quotas são a “única” saída para que atletas de alta competição possam estudar, para que PALOPs possam ir à universidade, ou para que deficientes tenham trabalho.
Mas, como em tudo, as pessoas extrapolam e vemos por todo o lado as chamadas discriminações positivas que não têm nada de positivo. O que me levou a escrever este post foi a notícia que saiu hoje a dizer que os responsáveis pelo shopping de São João da Madeira resolveram tirar os lugares “reservados” para mulheres. Para quem não está a par, tratavam-se de vagas de estacionamento maiores, pintadas de cor de rosa e que ficavam logo à entrada do shopping. Porque afinal «as mulheres não sabem estacionar».
Comentei isso hoje aqui no trabalho e alguém disse. «Ah, lugares para mulheres como para os deficientes?».
Pois, isso.

Ora aí está

"Mas se é o mal que prevalece na prática da injustiça, conclui-se que praticar a injustiça é pior que sofrê-la." Sócrates, in Górgias, Platão.

«Dói-me a cabeça e o Universo»

Esta é a frase que Fernando Pessoa escreveu para explicar o meu mundo.
Obrigado Pessoa.

A 'joia do Tejo'

Nunca mais tiram este pavoroso colar de bóias da Torre de Belém. Bóias semi-precisas, dizem. A torre é a nova Princesa do Mar, ouvi.
Ahm?
Coitada, pelo menos lhe tivessem dado um acessório mais bonito. Uns brincos, sei lá. Até um piercing lhe ficaria melhor. Ou uns sapatos, quem sabe. Será que a nossa Torre de Belém não merece alguma coisa, sei lá, mais delicada?
Tenho uma amiga estrangeira a chegar e vou ter de lhe explicar: «Quem fez este colar foi a mesma pessoa que, no ano passado, lembrou-se de fazer em lustre de tampões...»
E ainda bem que ela não conhece a imprensa portuguesa. Senão teria de acrescentar. «E o jornal Público deu quatro estrelas (sim, q u a t r o estrelas) a esta ‘obra de arte’».
Mas atenção!
O que gosto MAIS MAIS MAIS neste colar é a sua razão de ser.
«Queria fazer o projecto na Torre de Belém, porque tomo banho a olhar para ela», disse a Joana Vasconcelos, esse expoente da criatividade portuguesa.

O item 5.

A vida é feita de ciclos. Há o ciclo da escola, da faculdade, das aulas de italiano e inglês. Há o aprender a conduzir e o curso de pintura. E quando o ciclo finalmente fecha, recebemos um diploma que podemos colocar na caixa dos «documentos importantes».
Estão a faltar-me alguns diplomas.
Tenho separadores vazios na minha caixinha.
O problema de não conseguir os diplomas é que, enquanto deixas o ciclo aberto, entra poeira lá para dentro. Faz-te ver tudo com cores distorcidas, formas misturadas com imaginação. E isso não pode ser uma boa coisa.
Já estamos em Maio, mês para rever a lista de resoluções para 2008. E lá estava o item cinco. C I N C O.
5 - Fechar aquele ciclo aberto.
Aquele.
Falta coragem e os meses estão a passar.
Será que os ciclos não se fecham sozinhos?

Gente Grande!

Quando o primeiro ministro deixar (alegadamente) de fumar por causa de um artigo meu, vou sentir-me crescida.
Isso é o que gente grande faz! Quer dizer, com a devida margem de erro.

Aquilo que eu mais gosto no meu trabalho:
- Coffee Breaks
- Canetas e blocos de notas que oferecem durante os Coffee Breaks das conferências

aprendizagens

Aprende-se a viver com isso. Como um defeito de nascença, uma doença crónica, uma carência vitamínica ou um ataque de asma. Aprende-se a viver com isso. Com nomes que se têm de soletrar ou um problema intestinal. Aprende-se a revelar o amor em um olhar e o desacordo com uma música ecoada na nossa cabeça. Uma irritação com um baixar de olhos e um nervosismo com um arrancar do verniz. Mas não se tem de aprender a viver com tudo. Nem com a orelha de dumbo, o olhar mal educado ou muito menos com uma verruga no meio da mão. Não se tem de aprender a trabalhar sobre princípios errados e nem conviver com um chefe que não nos faz crescer.
Porque podemos ter sempre melhor.
E aí está uma realidade com a qual temos de aprender a viver.

Ódios

Odeio pessoas sempre felizes. Irritam-me. Vais ter com elas, trata-las mal, humilha-las e elas sorriem-te e perdoam-te, sempre. Mas que não estava arrependida! “Não faz mal eu percebo”.
E depois ainda há aquelas com quem vais conversar e contas, em tom de desabafo, os teus problemas e elas respondem-te “Aih, ainda bem que eu não tenho esses problemas. Tenho uma vida tão feliz. Coitada de ti”. Odeio.
Mas irrita-me ainda mais aquelas pessoas que se fazem de vítimas. Ligas só para saber como estão, fazer um bocadinho de conversa:
- Então tudo bem?
- Vai-se andando.
(silêncio à espera que a pessoa justifique a resposta, que conte o seu problema, que se queixe do patrão. Mas não. É só uma maneira de responder, ou talvez de encarar a vida)
Como assim “Vai-se andando”? A vida dessas pessoas é assim tão má que não há sequer uma coisa boa que lhes venha à cabeça quando lhes perguntam pela vida?
O pior é que não. Têm vidas boas e empregos estáveis. Mas vão andando.
Quando as pessoas me respondem isso, gosto de imaginá-las a andar perdidas pelo vale das lamurias, ou então numa peregrinação eterna pela felicidade. Essa é gira! Peregrinação – Andando! Ahaha perceberam?

Os meus posts têm me levado a crer que odeio todas as pessoas. Principalmente as que vão andando pelos discursos sobre o tempo.

Parabens a nós!

Foi há 16 anos que cheguei a Portugal. Foi hoje, exactamente hoje, há 16 anos atrás, que cheguei a Portugal.
Este país que tanto odeio e tanto adoro. Que me repugna e apaixona. De onde quero fugir a cada minuto e, nas longas temporadas fora, quero tanto voltar.
Sempre disse com um ar de vitima desolada (e um orgulho escondido) que não tenho pátria. Em qualquer país do mundo seria sempre estrangeira.
Continuamos a ver caretas dissimuladas quando vamos a um restaurante chique, ainda ouvimos o «vê lá o que esta brasileira quer» quando vamos a uma loja, não deixaram de nos dizer que «o senhor Manuel é o seu jardineiro, o meu marido a senhora trata por Sr. Engenheiro».
Mas encontrámos um porto seguro. Um circulo restrito que fala com o sotaque do samba misturado com o «telemóvel» e o «comboio». Os lugares preferidos, os cinemas e os passeios. Temos a nossa casa, que não é nossa, e a esplanada do fim-de-semana da qual também já fazemos parte. Sabemos que continuaremos sempre a ser «aqueles senhores brasileiros» e, no Brasil, «os que vieram da Europa». Mas a verdade é hoje os meus pais resolveram sair para celebrar. Acho que têm razões. E boas razões.
Parabéns a nós.

internetices

Nas minhas viagens (in)uteis pela internet, descobri que os protões e os neutrões (no Brasil protons e neutrons!) têm umas particulas menores chamadas quarks. Ah! Eles também fazem colisões frontais, aceleram e podem gerar energia.
Curiosos estes personagenzinhos traquinas!

os desconhecidos

Sempre me senti atraída por pessoas desconhecidas. Mas não aquelas simpáticas e de bom coração. As que tratam mal e humilham, as que têm manias estranhas ou são muito mal humoradas. Escolho sempre os meus ídolos partindo do pressuposto de que jamais seriam antipáticos comigo ou com as pessoas que eu gosto porque eu, ao contrário das pessoas normais, sou óptima e tenho um gosto maravilhoso. Óbvio que talvez fossem um pouco cretinos, uns mais que os outros, mas é algo que eu posso ignorar já que lá no fundo sinto que isso até lhes dá um certo charme.

É tão mais fácil ter um relacionamento com alguém com quem nunca convivemos ou vamos conviver.

Na vida real, não conheço muitas pessoas pelas quais me sinta feliz por ter conhecido. Há as boas pessoas, e aquelas que têm sempre um sorriso e uma palavra amiga, mas e aquelas verdadeiramente interessantes e cheias de atitude? Uma vez uma amiga descreveu uma pessoa como sendo «incrível». Conclui que conheço poucas pessoas assim.
Conheci no passado, e irei conhecer no futuro. Mas no presente e no dia a dia, com os comentários impensados e as pequenas desilusões, as pessoas «incríveis» escondem-se sempre por trás de véus de aborrecimento.

É tão mais fácil ter um relacionamento com alguém com quem nunca convivemos ou vamos conviver.

Na escola e na faculdade, sem mencionar os verdadeiros amigos, sinto que nunca tive muita sorte. Sempre calhei nas piores turmas, com as pessoas que eu mais abominava. Ok, verdade seja dita. Eu não os abominava verdadeiramente, aprendi a abomina-los. Aos poucos. Dia a dia.
Quando penso em todos os meus relacionamentos que acabaram sem sequer começar, tento convencer-me que, provavelmente, seriam pessoas sem interesse e não valeriam a pena. Aquelas pessoas que não me ensinariam absolutamente nada e nem sequer davam para protagonistas de uma história engraçada qualquer.
Nada melhor para um sorrisinho a meio da tarde, do que saber o quanto ele ou ela era verdadeiramente desprezível, como eu já suspeitava.

E acho que é por isso que gosto de desconhecidos.

Liberdades

Desculpem os amigos que já ouviram esta história vezes e vezes sem conta, mas há coisas que têm de ser registadas.

Outro dia, a propósito do 25 de Abril, estavam na rádio a conversar sobre a liberdade. A pergunta era: “Achas que fazemos um bom uso da nossa liberdade?”
(pergunta que já por si me irrita)
Então liga para lá um miúdo (19 anos) que diz o seguinte: “Ah e tal eu acho que nós, hoje em dia, não sabemos usar a liberdade que temos, antigamente é que era! Cá para mim, a única maneira de voltarmos a dar valor à liberdade seria fazer uma nova revolução”
Ahm?

Muito se fala sobre liberdade. A liberdade de opinião, a liberdade individual, a liberdade de expressão. A verdade é que me parece que quanto mais a sociedade discute um tema, mais ele se torna banal. Repetem-se opiniões mil vezes ouvidas, clichés morais e criticas sem fundamento. Antigamente dava-se muito valor à liberdade porque as pessoas não a tinham e agora que têm será que não lhes damos valor nenhum ou que, simplesmente, entraram na rotina e, portanto, são um dado adquirido fruto de uma sociedade desenvolvida?

A resposta apareceu-me, há dois dia, em frente aos olhos e sem pedir permissão. Eles passeavam na rua nus, nuzinhos como vieram ao mundo (apenas com sapatos, para guardar o dinheiro, supusemos!). Muita risota, lágrimas e dores de barriga. Uma foto aqui, uma gargalhada ali. E veio a pergunta, meia cambaleada:
- Porque?
- Porque somos más libres, disse o que tinha as cuecas tatuadas no corpo e um pénis... bem... não fica bem comentar.

Barcelona é, alegadamente, a única cidade onde se pode andar nu na rua. E resolveram tirar partido dessa liberdade. (há dois anos)

O mundo gira

Fui ali e voltei e, sem mais nem menos, o mundo tinha mudado.
Estávamos deitados no jardim a apanhar um sol de fim de tarde e a divagar sobre a vida. O que poderá ter acontecido no mundo nestes três dias de isolamento?
- Se calhar o Fidel morreu, disse uma a ajeitar os óculos de sol
- Ou então o Alberto João Jardim assumiu a liderança do PSD, disse ela que muito delira com estes “assuntos de jornal”.
- E se o outro tiver arranjado uma namorada, ou pior, voltado com a ex? perguntou ele a queixar-se da relva que picava.
- Não, espera! Se calhar os trabalhistas perderam em Londres.
Quando chegámos, toca de ler os jornais e ligar aos amigos, ver se o mundo ainda estava no seu lugar.
E não é que o Brown foi mesmo responsável pela derrota dos Trabalhistas em Londres, que teve apenas 24% dos votos? (o pior resultado da historia!)
“O mundo gira”, já dizia a minha mãe!

Uma vez quis apagá-lo, mas um amigo disse-me que um dia as coisas iriam mudar e eu poderia arrepender-me. Ainda há pouco, sem querer, vi-o. Lembrei-me da pessoa, da falta que faz, da vontade de conversar com ela, de ouvir os seus conselhos e histórias de mãos pequeninas. Voltei a pensar se faz sentido mantê-lo. Por enquanto, está ali, intacto e resistente, como um amigo que não se quer expulsar de casa, por mais que a sua presença tenha deixado de fazer sentido. Um dia, sei disso, terá de se ir embora. Não sei quando, nem em que circunstância, muito menos que sentimento acompanhará o momento. Até porque a pergunta mantém-se na minha cabeça: Quanto tempo se espera para apagar o número de um amigo que desapareceu?

Menina Tangerina

Desde pequenina gostei de tangerinas.
Eram fáceis de descascar, dava para engolir o caroço e na minha escola corria o boato de que «comer tangerinas deixava-te rouca». Valia a pena tentar.
Um dia, a minha mãe, ao ver-me engolir uma mão cheia de tangerinas, disse-me que me iria crescer um pé de tangerinas na minha na barriga, se não parasse de comer. Insisti.
Nesse dia, à noite, deitada na cama, imaginei uma tangerineira a crescer dentro da minha barriga. Vi os frutos perfeitos, suculentos e laranja, o movimento das folhas ao esticar dos ramos, o tronco firme, que era tão alto que me saía pela boca. Depois desse dia, a cada vez que passava em frente a um espelho, abria muito a boca à procura do primeiro ramo da minha tangerineira.
Estou à espera até hoje, mãe. E já não tenho medo que os meninos da escola gozem comigo.

Numa conversa na segurança da DGES...

- Agora com o euro gastamos mil escudos, como se não fosse nada.
- É como eu sempre disse! Com a chegada do euro as pessoas deixaram de dar valor ao dinheiro.
- E pior... as pessoas já não ligam nenhuma à tradição. Já nem falar em contos sabem! Sabem lá os jovens agora quanto valia um escudo antigamente!

Como eu gosto de pessoas entendidas a dissertar sobre a economia do país! Esses miminhos não se apanham todos os dias.

«Não podendo falar para o mundo inteiro
direi um só segredo a um só ouvido»

Luiza Neto Jorge

O meu querido lonely planet...

Quem já viajou (ou pensa viajar) comigo sabe que devoro guias. Adoro! Sou sempre a pessoa com a máquina fotográfica ao pescoço e o mapa aberto no meio da rua. E, de há alguns anos para cá, desde que as viagens às custas dos pais saíram dos planos orçamentais, tornei-me seguidora fiel do lonely planet.
Foi com grande desapontamento que li, no blog do Gulliver da economist, que um dos autores de guias da colecção Lonely Planet confessou que, por razões orçamentais escreveu sobre destinos que não visitou. E pior, os seus editores desvalorizam totalmente o caso.
Se já nem no lonely podemos confiar....

tecnologias

Tudo começou quando soube que a Igreja Renascer agora tinha máquinas de multibanco para que os crentes, quando não tivessem dinheiro, pudessem fazer contribuições pelo cartão de crédito aos domingos na missa. É claro que isso vindo da Igreja Renascer não chocou assim muito. É uma igreja fundada no Brasil pelos bispos Sonia e Estevam Hernandes, que actualmente se encontram presos em Miami e cujos bens estão avaliados em 7 milhões de euros.

Passando à frente.

Voltei a fazer uma anotação mental quando li que a arquidiocese do Rio de Janeiro lançou uma campanha publicitária (feita pela DPZ!) para divulgar o ‘cartão de crédito solidariedade católica’ em que 30% da anuidade do cartão reverte para instituições de caridade indicadas pela arquidiocese.

Cereja por cima do bolo

E agora acabei de me deparar com a seguinte informação: a Igreja Universal do Reino de Deus é o 28 maior anunciante da televisão por cabo portuguesa.

E por aqui me fico. Recusando-me a fazer qualquer conclusão.
Bem, com a devida margem de erro.

Intoxicaçao bloguista?

Todos lá no fundo já pensámos que isto não nos poderia fazer muito bem. Passamos horas a ler os jornais e vasculhar outros blogs em busca de inspiração. E isto somos nós, os amadores. Agora imaginem os bloguistas profissionais. É claro que em Portugal, este centro do desenvolvimento urbano, não há muito disso, já que são poucas as empresas a apostar no formato, mas pensemos numa escala global. Obesidade, problemas nas costas, falhas na visão, tudo isso já me tinha passado pela cabeça. Mas morte?

O New York Times publicou, recentemente, um artigo sobre mortes por “intoxicação bloguista”. Os meios de comunicação americanos classificam a notícia como “mais ou menos falsa” já que faltam dados e informação de base para sustentar a teoria. Mas não deixa de ser um artigo “interessante”. A profissão de bloguista obriga a uma ansiedade constante de ler e ser lido, comentar e ser comentado, e isso não pode fazer bem à saúde.

O artigo conta, entre outras, a história de Matt Buchanan. O rapaz de 22 (!!) anos trabalha online para o conhecido site americano Gizmodo e vive num pequeno apartamento em que o seu quarto faz também de escritório.
Matt admite dormir apenas cinco horas por noite e, normalmente, não ter muito tempo para comer recorrendo, portanto, a vitaminas de proteínas.
O seu editor Brian Lam confessor ao NYTimes que quando passa muito tempo sem ver um post de Matt pensa logo: “voltou a desmaiar”. E se isso nos pode fazer arregalar os olhos, para Brian Lam não é nada de muito exótico já que encontrar o seu jornalista desmaiado em cima do computador “já aconteceu quatro ou cinco vezes”, conta o editor.

Isso é que é civilização!

Quando a minha mãe foi à Austrália visitar a minha tia voltou cheia de novidades. Entre as várias histórias houve uma que me chamou, particularmente, a atenção. Ela contava que a minha tia não comprava o jornal e ela, desde o início, achou isso um pouquinho estranho. Mas uma dia apanharam o mesmo metro, a minha tia foi para o trabalho e a minha mãe para os seus passeios turísticos. E não é que a minha tia senta-se e tira um jornal, que estava colocado numa prateleirazinha ao lado do banco, e começa a lê-lo? A minha mãe pergunta:
- Mas aqui os jornais são de graça?
(esta história passou-se há cerca de seis ou sete anos. Ainda não havia gratuitos por cá)
- Também há os gratuitos, mas o que as pessoas fazem é: compram o jornal e lêem enquanto estão no comboio. Quando saem deixam o jornal na prateleira para que outra pessoa possa ler. Foi uma campanha ambiental que fizeram nos transportes públicos que resultou muito bem. É por isso que eu não compro nunca o jornal. Há sempre um no comboio.
Ao que a minha mãe respondeu:
- Isso é que é civilização!



Lembrei-me desta história quando me deparei com a nova campanha da Carris. Tem o intuito de acabar com os jornais espalhados no autocarro porque isso, pelos vistos, torna as viagens mais desagradáveis.
- Isso é que é civilização!

marketismos

«O New York Times reescreve os títulos para que sejam encontrados pelo motores de busca. Isso não é necessariamente mau, mas é uma forma de marketing» Jeff Jarvis, Público.

P.S.

Não percebo porque se deseja boa sorte aos adeptos de futebol antes do jogo começar. Ah, desculpa, esqueci-me que o teu clube é parte integrante da tua pessoa. Se ele perder, perdes com ele.
Peço perdão pelo comentário. Para a próxima tenho de pensar duas vezes antes de dizer estas barbaridades.

O upgrade do tempo

Não tinham falado o dia todo. Infelizmente sentam-se agora muito longe um do outro. E depois de um dia de silêncio absoluto:
- Olha, boa sorte!
Ele levantou-se num ápice de alegria e pela primeira vez disse algo que não se assemelhava a um gronhido vomitado.
- Ya, obrigado!
- A que horas é?
- Às oito e meia, já até comprei as cervejas!
- Se não apareceres na segunda, já sabemos porquê.
E ela foi-se embora. Foi a sua maneira de se despedir. Ele gostou. Até sorrio.
Uns chamam-le empatia, outros discurso universal. Eu digo que é o upgrade do tempo. Mas uma coisa eu sei. Não me quero ter de vender às conversas do futebol para fazer amigos no trabalho.

Porque na segunda-feira ele vai chegar e dizer
- Então?
Eu respondo: "Bem, foi cá uma chuvada este fim de semana!"
E ela:
- Grande jogo! Viste aquele lance?

Para qual será que ele vai sorrir?

O Geogay (e a Vesga)

O meu primo tem um professor de português que "é gay”.
- Mas porque é que dizes isso?
- Porque ele veste camisas cor-de-rosa.
- É só por isso que dizes que ele é gay?
- Claro que não! Ele também tem um jeito gay
- E como é isso?
- Sei lá.
- Acho que não devias andar prai a dizer que o teu professor é gay só porque usa camisas cor-de-rosa.
- Mas ele é! Tu é que nunca o viste.
- Mas espera aí, e se ele for gay, qual é o mal?
- Nenhum! Hihihihihi

O meu primo tem 12 anos e ouve todos os dias sermões da prima sobre a (in)tolerância. Mal imagina ele a história que estou prestes a contar.
Estávamos no nono ano e tínhamos um professor de geografia que usava camisas cor-de-rosa. Alem disso, quando ele falava fazia um biquinho e tinha um discurso um tanto sibilado. Surgiu, então, a alcunha – Geogay – que tinha um tremendo sucesso nos corredores e intervalos e fazia-nos sentir “os reis da piada”.
- Mas ele tem aliança!, diziam.
- Não vês que é só para disfarçar?
E as pessoas riam-se e continuavam a conversa. Até que chegou o dia inspirado. Acho que tínhamos tido um furo (daqueles que já não são permitidos) e fizemos um brainstorm sobre o Geogay. Íamos “ensinar-lhe uma lição”.
Quando ele entrou na sala, já estávamos todos de pé, à sua espera. E começamos, então, a cantar:
“Eu vi um sapo, um feio sapo, metida medo, medo ao susto” e depois de uma careta, o nosso maestro (o terrorista que se sentava na primeira fila) levantou os braços e deu ordem para que gritássemos todos em coro: “Era o geogay!”
Depois do espectáculo, as atenções centraram-se todas no Geogay (que eu infelizmente nunca cheguei a saber o verdadeiro nome e, por isso, continuo a chamar-lhe essa alcunha imperdoável). Mas, para nossa desilusão, ele disse “Sumário” e continuou a aula.
Ficámos embasbacados. Assim não tinha piada nenhuma.
Mas a saga não tinha acabado.
Depois de geografia tínhamos EVT. Estávamos nós a sujar as mãos com lápis de cera, quando entra pela sala adentro a directora de turma, visivelmente perturbada, a gritar:
- Vão chamar geogays aos vossos pais!
O que ela não sabia é que também ela tinha uma alcunha. Tem um grave problema de visão e tudo indica que irá cegar daqui a uns anos.
A sua alcunha era (e acredito que ainda seja), A Vesga.

Há sempre

aqueles cansaços que pioram com o descanço

"La clave no es trasladar libros a pantallas electrónicas. No es eso. No. El problema es que el hábito de la lectura se ha esfumado.Como si para leer necesitáramos una antena y la hubieran cortado. No llega la señal. La concentración, la soledad, la imaginación que requiere el hábito de la lectura. Hemos perdido la guerra. En veinte años, la lectura será un culto."

Philip Roth, El Pais

Bem a propósito

A Margarida pergunta se nós jovens podemos dizer “ora essa”. Não! Tal como também não podemos dizer “Caiu o Carmo e a Trindade” (ou lá como é...). Acho que não me expliquei bem. Cada um deve ter um vocabulário adaptado ao seu tempo. Não tenho nada contra revivalismos. Nós, por exemplo, daqui a “28 anos” ainda vamos poder dizer “ya” e “fixe”, porque remonta à nossa época. Mas não me venham dizer que “bué da fixe” é da época dos nossos avós. Nem da minha é, quanto mais.
A questão é. As pessoas têm de adaptar o seu vocabulário. Se querem parece mais jovem façam um lifting, mas não me venham com “expressões jovais” que isso dá-me voltas ao estômago. Quer dizer, com a devida margem de erro.

Bue da Fixe!

Isto já começa a parecer um blog de resmunguices mas aqui vai:
Não percebo porque é que as pessoas “velhas” (ou deveria dizer cotas?) têm necessidade de dizer expressões usadas pela “malta jovem”. No topo da lista das que mais me irritam está “bué da fixe”, que até faz o meu ouvido dilatar. “Então como foi ontem o concerto da orquestra sinfónica de Lisboa?”, “Foi bué da fixe, mesmo porreiro”. Não, a sério.
Em primeiro lugar, há que dar uma explicação. Gramaticalmente, depois de “bué” não pode vir a palavra da ou de. Seria como dizer “muito da fixe”. Não. E, portanto, se é para dizer “bué”, porque isso faz as pessoas sentirem-se mais “fixes” (ou deveria dizer cool?), pelo menos usem bem a expressão.
Em segundo lugar, e vamos lá explicar isto com calma, as pessoas ao dizerem expressões “joviais” ( com as devidas aspas já que, na verdade, não são os jovens que dizem “bué da fixe”, mas sim as crianças) não se tornam mais novas, nem menos antiquadas. Muito pelo contrário. É o passo antes da compra do carro desportivo. Infelizmente, há muitos que não têm dinheiro para o Ferrari e então reforçam nas expressões “fixes” para compensar.
A propósito da minha googlagem sobre a expressão, encontrei isto. Achei “bué da fixe”.

Nao me digas!

Ontem ficámos em segundo lugar no jogo do quiz. Dois euros de prémio para cada um. Pareceu-me uma má distribuição, já que o Chico não respondeu a nenhuma questão. Ficou ali calado e amorfo o tempo todo a ouvir-nos discutir sobre os deuses do Induismo. Mas passemos à frente. Aquilo a que eu chamo de “o quiz” é um bar que costumamos ir onde, enquanto a empregada nos obriga a consumir bebidas (óptimas) de seis euros, joga-se a um jogo de perguntas e respostas.
É divertido, a sério. Um pouco stressante, talvez. É um fenómeno estranho este. O que leva as pessoas a querem ser testadas na sua cultura geral? É algum movimento de alimentação do ego? É claro que não tenho autoridade nenhuma para dizer isto, já que foi da minha boca que saiu outro dia a frase “Ser posto à prova é sempre divertido”. Faltou a coragem para dizer. “Isto é, se ganharmos”.
Ganhar é, definitivamente, um factor importante para a diversão de uma noite como estas.
E com perguntas como “Qual a característica das abelhas americanas” e “Qual o símbolo do Budismo”, lembramo-nos como o Google se tornou o nosso melhor amigo. Isso e as pessoas com telemóveis e mensagens grátis.
A melhor prova disso é que podemos não "aprender nada na escola", mas ainda conseguimos ficar à frente do grupinho do "esino à antiga".

Toda esta dissertação fez-me querer partilhar um outro episódio.
Nao resisto.
Outro dia no Quem Quer Ser Milionário, havia um concorrente que não sabia quem defendia que “todas as cartas de amor são ridículas”.
Resolveu, então, pedir ajuda ao público, que estava dividido entre Fernando Pessoa e Cesário Verde. O jovem decidiu, por fim, telefonar à professora de português, que não só deu a resposta certa, como ainda acrescentou: “e não seriam cartas de amor se não fossem ridículas”.
O Jorge Gabriel, querendo dar, como sempre, o ar de sua graça, resolveu rematar fazendo mais uma luz sobre a nossa ignorância: “Foi do pseudónimo Álvaro de Campos, este poema”.

Deviamos ligar para lá a avisar que as abelhas americanas não têm ferraõ. E o Jorge Gabriel ainda poderia acrescentar: "E há gente que acha que elas são todas amarelas, veja só".

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