Hard News

É domingo e tenho as unhas pintadas. São oito e meia da noite e já estou a pensar em dormir. Tenho o despertador para as 5 da manhã e planos para a tarde de segunda. Passei de bicho nocturno a bicho diurno.
É verão e a rádio toca Carlos Gardel. E ele canta: “Y aunque no quise el regreso siempre se vuelve al primer amor”.
Que venham estas seis semanas.

Férias-de-semana

Trabalhar é viver os fins-de-semana como férias. É chegar à sexta-feira, tirar o relógio do pulso, deitar na toalha da praia e suspirar. Porque trabalhar para mim é isso: ter fins-de-semana.
E então vamos de viagem, comemos em restaurantes, preguiçamos na cama até horas indecentes. Vadiamos pela cidade, dançamos até cansar. Bebemos e dizemos tonterias. Fazemo-nos passar por adolescentes inconsequentes. Porque as ferias são assim, irresponsáveis. Depois comemos porcarias, e comemos mais porcarias, vestimos roupas decotadas e despenteamos o cabelo. Damos erros idiomáticos e isso não nos preocupa. Sim! Pela primeira vez isso não nos preocupa minimamente. É que nas ferias, meus amigos, quem se interessa pela gramática?
E soma e segue. Porque férias não são férias se não se aproveita todos os segundos de cada dia. E então toca a comer mais, dormir menos, falar, falar, falar. Lemos o jornal, anotamos mentalmente os temas mais interessantes, pomos um post-it fosforescente de “não esquecer”; e de volta às férias. Comentamos a roupa do fulano e a atitude do sicrano. O verniz que estalou ou o sapato que rompeu. Porque nas ferias, e isso é a parte boa, não há reforma laboral, lei das caixas, fusão e Opas. Isso fica para mais tarde.
E o mais tarde vai chegando, e nós empurrando o tempo com a barriga. Ainda falta uma noite de cerveja gelada na esplanada e confissões sussurradas naquele sofá tão conhecido. Uma manhã de suspiros e um passeio de carro que já vai tendo cara de trabalho. E então entramos na redacção, mudamos de cara, pomos a nossa mascara responsável e começamos um novo countdown.

Vira-casacas

Estávamos ali no meio daquela praça tingida de vermelho. Ali, esmagadas e banhadas de copos de cerveja voadores. Ali, em biquinhos dos pés, esquivando-nos dos cabeçudos. Não vimos muito, é certo. Não vimos quase nada. Mas estávamos ali. E de repente, saltos, gritos, abraços, música, tambores, mais e mais saltos. Faltavam quatro minutos e tínhamos sido recompensadas por aquela tortura de cabeças e dores nas costas. Porque estávamos ali naquele momento histórico e isso não tinha preço. Começaram os cânticos e nós com eles. “Viva Espanha”, “Campeones!” e até o famoso “Yo soy español”. Até que alguém se apercebe e grita para as infiltradas: “Olha lá! Que é que fazem aqui a celebrar? Não estavam pelo Brasil?”. E nós respondemos, embrulhadas na bandeira vermelho-amarela: “Viemos ensinar-vos como se celebra uma vitória, é que sabes, já temos muita experiencia”.
No dia seguinte, olhos cansados, e cara amassada, alguém grita no trabalho: “A principal lição que eu levo deste mundial é que a Marina é uma vira-casacas!”. E outro acrescenta: “Ela tinha quatro equipas porque, no fundo, o que queria era só uma razão para celebrar”.
Missão cumprida. Muito bem cumprida.

A maldição dos piropos

No domingo estava a passear na rua e diz-me um homem: “Menina, caiu-lhe um papel”. Eu parei, olhei para o chão, fiz um scaner geral aos meus arredores e nada. Quando voltei a olhar para o dito homem, a ver se ele me mostrava onde estava o objecto perdido, ele põe cara de “sou doente mental” e responde-me: “O papel que te embrulha, bombom!”.
Para quem não sabe, eu tenho um imã para piropos nojentos. Recorde-se um dia em que, num centro comercial, um homem veio por trás de mim e disse-me, quase sussurrando-me ao ouvido: “A ti até te deixava mijares-me na boca”. Ou aquela famosa vez em que, passeando placidamente pela rua, um senhor grita-me: “Anda cá que o pai unta-te”.
A história do bombom podia ter sido só mais uma anedota para contar numa reunião de amigos, mas a primeira coisa que eu pensei quando ouvi a boca foi: “Será que voltou a maldição dos piropos?”.

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