1 dia.

1 día dia foi quanto durou. Talvez um pouco menos: umas 8 ou 10 horas. Foi no domingo depois do almoço o dia em que pensei: por quê eu? e agora? como vai ser daqui para a frente? Recordei uma e outra vez "a conversa" da sexta feira anterior. As reacções de cada pessoa. A minha propia reacção. Como julgar?
Nesse dia tive a convicção que o meu novo estado acabaría com as minhas amizades, com a minha relação. Que passaria a ser uma pessoa desinteressante, depressiva, pobre. Que nada teria sentido.
- Se acabas comigo eu vou-me embora da Coruña - disse-lhe.
 - Nem pesar! Para onde é vais viver? - perguntou em tom de brincadeira.
- Para uma praia na Tailandia.
Esse sempre foi o meu plano B. Eu, que nem sequer gostei das praias da Tailandia. Eu, que nem sequer sou fã de praia.
Não respondi nenhum whatsapp e olhei para o teto durante horas seguidas. Recordei aquella discussão que tive com "a nova chefe", as ferias que tinha marcado, as pessoas de quem não me tinha despedido.
Não chorei. Nem nesse dia, nem no dia D, nem em nenhum outro.
A minha tristeza durou meio dia. Lembro-me muitas vezes dessas horas. O meio dia em que o meu futuro foi negro, vazio e solitario.
- E agora qual é o teu plano? O que vais fazer?
- Não sei, mas começo na segunda.

Ciclos

A vida é feita delas: montanhas cíclicas tantas vezes difíceis de subir. Ou impossíveis de fechar. Etapas. Momentos.
Às vezes queremos que a vida mude. Desesperadamente.
Mas nada acontece. Ou temos medo de fazer acontecer.
No fundo desejamos um ciclo novo, escalar uma parede de rochas virgens. Mas não temos coragem.
E um dia, chega alguém e te empurra.
Você não queria mudar?
Então agora vai lá e faz acontecer. 

Sexta-feira, 26 de maio, 16.30

O despertador tocou às 7 da manhã. Saí rápido da cama. Nesse dia (estranhamente) não tinha sono. Tomei o meu chá preto e torradas com marmelada de morango. Tudo homemade. Exatamente como eu gosto. Antes de gritar um apressado "tchau, até já" chegou uma alerta no celular: novo episódio de Radiolab. Me despedi feliz e com fones de ouvido. O capítulo era uma homenagem a eles mesmos pelos seus 15 anos de programa. Fui dando gargalhadas no meio da rua. No ônibus o condutor era aquele que sempre põe a rádio alta demais. Na RadioVoz o Pablo Portabales entrevistava o alcalde da cidade. A voz de Xulio Ferreiro se misturava com o genial Radiolab e decidi abandonar o meu querido programa. Não ouvi a entrevista e usei o meu tempo livre para procurar na internet: "qué hace que una canción sea pegadiza". Esse era a minha missão do dia. Cheguei a Sabón Ã s 10h e apressada. Peguei um carro do trabalho, pus a Cadena Ser "a todo volúmen" e ouvi durante uma hora a Gemma Nierga falar sobre Cervantes. Não foi muito interessante. Estamos em pleno mês de maio e na quinta-feira eu tinha ido à praia, mas nesse dia, nessa sexta-feira que nunca mais quero esquecer, chovia muito. Diluviava. E eu precisava chegar rápido a Santiago. Parei no posto para encher o tanque e estacionei debaixo de uma goteira. Saí do carro, encharquei o tênis e tentei por dísel ao invés de gasolina. Quase fiz um estrago. Me atrasei. Eu nunca me atraso. Ao chegar estacionei dentro de uma poça e sujei de barro o meu tênis já molhado. Quando entrei o Marco já tinha começado a entrevista. Fiz as minhas perguntas e as respostas me fizeram feliz. Senti que o meu dia estava melhorando. Só que não. O caminho de volta foi outra vez debaixo de chuva. E nesse momento fiquei menstruada e irritada. Pedi um tampax emprestado. O almoço foi tortilla e pechuga de pollo con pimiento. Comi uma melancia de sobremesa. Rimos muito no comedor. O assunto foi a possível futura namorada do Lois. Ele não gostou do tema. O Abel sentou do meu lado e fez piada o tempo todo. Falei que tinha que voltar rápido para a redação porque tinha que acabar a matéria e sair às 19h para ir pegar a minha amiga turca ao aeroporto. - Mas não precisa ter pressa, você ainda tem 4 horas para fazer a matéria - me disseram. Eu respondi que estava adorando fazer essa reportagem e queria que ficasse boa. A Cris apareceu e pedi uma opinião e ela respondeu: "o que você achar melhor está bom para mim". Estranhei um pouco. Foi às 16.30 que o Abel subiu e perguntou se eu podia sair um minuto. Sai sem carteira nem celular. Sexta-feira, 26 de maio, às 16.30 de um dia de muita chuva no meio de uma semana de sol e praia.Sexta-feira, 26 de maio, às 16.30 no dia em que estava fazendo uma reportagem que "queria que ficasse boa" (outros acabaram essa reportagem por mim e não ficou boa. Ficou péssima). Sexta-feira, 26 de maio, às 16.30 no dia em que uma amiga que não via há 5 anos vinha me visitar Sexta-feira, 26 de maio, às 16.30 no dia em que ia sair do trabalho às 19h e acabei saindo as 17h. Para não voltar.

Tikilitikili

E entao puseram-nos num camelo. Cada um com a sua garrafa de agua. O ritmo era lento. As costas sofriam, a areia entrava nos olhos mas quando os graus desceram, aquele deserto com plantas, excrementos e bichos que davam puns em andamento, foi ganhando cor. O sol pintou a areia de amarelo, e a paisagem árida, plana e desinteressante transformou-se em perfeitas dunas. Dunas virgens. Os nossos camelos chamavam-se pineapple e king kong. Tentamos fugir da turistada. Deixamos os homens a cozinhar. Faziam chai, curry, arroz, chapatti. Muito ou pouco spicy? Nos só queríamos escapar!
Subimos e descemos montes de areia, saltámos, disparámos fotos a turnos.
Com a noite chegaram as estrelas e os escaravelhos. "Não são perigosos" - defenderam os homens do deserto- "so fazem tikilitikili.
Já não nos lembrávamos dos bichos encorvados com nomes americanos. Eramos só nós e as estrelas com constelações inventadas e um ou outro grito histérico sempre que um escaravelho queria subir pela nossa perna. Não era medo. Era só a natureza a fazer tikilitikili.

Chilique

Le enseñé la palabra "chilique", "dar chilique", le dije. Porque en los viajes los chiliques son inevitables. A mi me puede el hambre, los hoteles sucios, la falta de ventanas. Él se deja derrotar por el cansancio, el dolor de cabeza, el exceso de calor.
Yo quiero salir, él se quiere quedar. El eterno dilema.
- Viajamos parecido - comentamos con orgullo.
Nos gusta callejear, visitar lo mínimo, turistadas las justas. Nos gusta comer bien, movernos mucho, mochila ligera y camara de fotos a mano. Yo pido sunset, él pide cerveza.
Pero no hay perfecto.
- Oye... Estás dando chilique? - pregunta él cuando me enfurruño por un baño sucio o por su mania de "no desayunar ni comer". Le digo que sí, seria. Acabamos riéndonos. Concluyo que el chilique nos vino a salvar de los chiliques. Ponerle nome extranjero ayuda a quitarle dramatismo al mal humor viajero.

Delhi

Um mendigo dorme no chão. Un senhor cozinha numa panela que nunca viu agua. Uma mulher da um empurrão à criança pedinte. Um cão desmaia com o sol do meio dia. Uma turista mostra o hombro e os homens se escandalizam.
Faz calor. A comida das calçadas apodrece, as moscas aproveitam, os homens mancham as camisas de suor, as mulheres mostram a barriga por baixo do sari. Isso não choca ninguém.
Eles gritam e bailam com a cabeça. Bebem agua filtrada. Ou não. Limpam o prato com um pano antes de comer. Pena que o pano esteja sujo.
Não vestem branco nem preto. Vestem colorido. Sem medo. Não usam óculos de sol ou rabo de cavalo. O verão se combate com um pano na cabeça.
São 3 da tarde e é hora de ponta. Não cabe mais ninguém no metro. Mas eles empurram e se misturam entre gotas de suor. Um token a cambio de um vagão com ar acondicionado. 

Termo de responsabilidade

Quase não entramos na India. Quase.
- Há uma irregularidade com o seu visto - dizem com cara de circunstancia.
Soltam as palavras mas para eles a vida segue. Mudam de turno, atendem chamadas, riem. E, enquanto isso, nós ali, sentados no chão daquele aeroporto, à espera.
- E se não nos deixam embarcar?
Pensamos no dinheiro perdido. Na viagem de sonho. Numa alternativa para as ferias.
No cancelamento dos hotéis. No fracasso.
Quase não entramos na India mas decidimos arriscar. Assumimos as consequências: a suposta multa de 3.000 euros, o preço de ser deportados. Assumimos as consequencias e "pensamos positivo", como se diz na minha familia. Assinamos o maldito papel. O "termo de responsabilidade" que lhes da, obviamente, a eles tudo e a nós nada.  Abraçamos a injustiça e vamos.
Tudo corre bem.
Tudo corre bem a pesar dos nervos, da noite mal dormida, do nervoso miudinho na emigraçao.
Tudo corre bem e estamos na India e não parece real. Sabíamos que seria colorido, sujo, caloroso, picante e difícil. Está a ser muito mais do esperado.
Passaram dois dias e eu so penso: ainda bem que arriscamos. 

Eu, hater, me confesso

Porque me irritam as pseudo vidas perfeitas, as fotos românticas, o "feeling blessed", as juras de amor eterno. Sabes lá tu... Sou odiadora profissional de frases feitas, de lugares comuns e de pensamentos pouco profundos. Desculpem lá a chatice. Irritam-me as pessoas que gostam "de tudo", são "muito flexíveis", estão bem "em qualquer lado", não têm preferência.
Eu sim.
- Toda a gente diz que é bom
Mas eu, felizmente, não concordo.
Para isso li tantos quilos de páginas impressas, escutei e tentei aprender dos mais iluminados. Para isso viajei, paguei cursos, estudei línguas, juntei-me só com aqueles que valiam a pena.
O meu sentido crítico foi difícil de construir. E, perdoem-me a ofensa, tenho orgulho nele.
E como critico sou amargada, só vejo o lado mau, nunca estou satisfeita.
Não insulto, não grito, não me descabelo. Nem sempre entro na discussão, nem sempre me irrito. Muitas vezes deixo o meu lado zen falar mais alto. Relevo. Ignoro. Sou condescendente. Os haters têm mania da superioridade, são narcisistas, irritantes, insuportáveis. Os "lovers" não têm critério.
Se o mundo actual se divide então entre os haters e os lovers. Eu, hater, me confesso.
Desculpem lá qualquer coisinha.


Só que não

Tantas vezes quis uma vida mais simples e acabei complicando. 
Complexo é investir na bolsa e desprezar os mercados. É usar cosmética natural e comer batatas fritas. É fazer yoga e voltar para casa a correr.
Quero ter uma vida saudável mas os "healthy healhty"me irritam. Quero meditar e vivo com pressa. Quero viver no campo e ter uma horta. Só que não.
Sou uma jornalista desencantada, uma desportista preguiçosa, uma artista sem jeito, uma aluna pouco constante, uma fotógrafa superficial, uma cozinheira sem tempo, uma madrinha apressada, uma amiga desleixada, uma cinéfila critica, uma leitora sem paciência, uma viajante profissional.
Contradições. Tantas vezes quis desfazê-las, ser mais perfeita, mais arrumadinha. Mas sempre acabei virada do avesso



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