A Massa

Desde há dois anos para cá, cozinha para mim tem cara de massa (não que antes tivesse cara de alguma coisa). Bolognesa, putanesca e carbonara. Com pimentos, beringela, bacon ou nozes (mistura estrondosa!). Há aquela que vai no forno e deixa o queijo gratinar, a que tem recheio e a que se serve fria como salada. Podemos usa-la como acompanhamento ou prato principal (com direito a três repetições).
Mas para mim, cozinha também tem cara de seis frustrantes quilinhos a mais e um guarda-roupa novo (dois tamanhos acima) comprado com o dinheiro que deveria ser para viagens. Então desta vez tomei uma decisão: não haverá massa no armário da minha cozinha espanhola. Aparecem assim as saladas, os bifes grelhados e as tostinhas integrais. Mas ontem lembrei-me que tortilla não era massa e, portanto, “se estas em Espanha junta-te a eles”.
E foi então que….
- Se ontem comi tortilla qual é o mal de hoje comer massa?
Tentação, carne fraca! A verdade é que a sensação de voltar a território conhecido foi inspiradora! (prometo manter o pacote de massa, comprei dos pequeninos, juro!, no fundo do armário da cozinha. Só para ser usado em dias mais especiais!)
Mas já agora fica aqui a minha indignação:
Porque é que as comidas, “não-massa” são tão caras? Bem… talvez por uma questão monetária (e só mesmo monetária) devesse recorrer à massa um dia ou outro…

Acho que me consigo habituar a isto

Ontem um espanhol explicou-me o fenómeno da “siesta”.
- Mas vocês dormem mesmo essas duas horas?
- Não… mas descansas. Imagina: tens duas horas de pausa para almoço. Vais para casa, cozinhas, comes, lavas os pratos e ainda vês um pouquinho para ver televisão. E depois voltas para o trabalho muito mais relaxada..
- Mmmm
- Mas depois há aquelas cidades horrendas como Madrid e Barcelona em que eles só têm tipo 15 minutos para almoçar. Horrível! Não admira que sejam todos infelizes.
- Sabes que não é só em Madrid e Barcelona que isso acontece…
- O que? Em Portugal também não têm a “comida” (forma moderna de dizer siesta)?
- Não…
- A sério? Não sei como conseguiste viver lá tantos anos.
Eu também não! E viva as cidades pequenas! Realmente a vida com a “comida” é muito mais feliz e “relaxada”. Venga!

Os falsos amigos

A melhor parte de viver “no estrangeiro” é “absorver uma nova língua e uma nova cultura”. Toda a gente saber isso de cor. Mas isso posto em acção… bem, pode não ser tão divertido. Em todas as línguas existem os três grandes fantasmas: preposições, verbos irregulares e falsos amigos. Pois bem, em algumas horas lá apareceram todos os fantasmas existentes juntos para alegrar a minha primeira visita a Coruña. Isto de falar espanhol até é fácil, as coisas só começam a complicar quando queres dizer “oficina” porque isso é escritório. Mas atenção que “escritório” é escrivaninha e oficina, afinal, diz-se “taller”. Por aqui as coisas “exquisitas” são deliciosas, as “espantosas” são horríveis e os “mininos” são gatos. E, claro, não poderia deixar de aparecer a típica confusão luso-espanhola já que só os principiantes é que não sabem que para os nuestros hermanos “vaso” é copo, “florero” é vaso e “copo” são cereais. E os “billetes”? Esses são notas, sendo que as “notas” são bilhetes, obvio. Havia alguma dúvida? Afinal espanhol é só português com sotaque! Isto vai ao sítio num instante.

orgulhosos 31%

Hoje tive o telefonema mais interessante da minha vida jornalística.
Todos nós temos alguns assuntos que nos são mais queridos, uma temáticas às quais somos mais sensíveis. Eu tenho algumas. Poucos foram os meus amigos que nunca me viram discutir (acaloradamente) sobre a homossexualidade, o racismo ou a liberdade de expressão. Mas existem mais temáticas que põem logo a sirene a tocar.
Esses outros temas “mais esquecidos” desde há algum tempo me preocupam. Afinal porque é que “deixo passar” essas discussões e faço um sorrisinho cínico só para não me irritar?
Resposta simples: aparecerem vezes demais na rotina do dia-a-dia.
Mas hoje não houve como escapar.
Estou a fazer um trabalho sobre as politica de responsabilidade social das empresas. (Sim, é um trabalho manhoso e, sim, as empresas são todas muito responsáveis blablabla)
Estava eu a passar os olhos pelo relatório de responsabilidade social da Auchan e fui atraída por um número.
Vinha assim, em tópico, como se nada fosse.
«31% dos nossos cargos directivos são mulheres».
Pára tudo. Volta atrás.
Contexto: O número surgiu em resposta ao tópico: «Exemplos de acções desenvolvidas na área da responsabilidade social». E entre doações de alimentos a obras de caridade e construção de escolas para crianças necessitadas, lá estava outra acção de responsabilidade social que o Grupo Auchan tanto se orgulhava: dar cargos de topo a mulheres.
Os briefings lá tiveram de me ouvir berrar, espernear, revoltar-me ficar vermelha, sair da redacção e, por fim, ligar para o grupo Auchan:
- Acho que está um engano aqui nas vossas respostas.
- A serio?
- Não sei.. mas a mim não me parece que mulheres em cargos directivos seja uma acção de responsabilidade social.
- Ah não. Veja bem, não era isso que queríamos dizer...
A minha chefe não aprovou a ideia de colocar isso no texto. Felizmente estou de saída. Não quero mais jornalismo a brincar.

O Senhor Herman

Ontem cheguei a uma conclusão que me assustou. O Herman José transformou-se num Fernando Mendes.
Enquanto o via com a sua camisa de penduricalhos brilhantes e calças com detalhes em croché apercebi-me do que é que o Herman queria dizer com «quero que as pessoas me vejam de outra maneira».
De facto, o «senhor Herman», como diria a nossa querida Lucy, deixou-se das piadas ordinárias e de pessoas nuas a passear-se pelo estúdio. Isto seria louvável, claro, se ele não o tivesse trocado por um programa de piadas fáceis, cheias de caretas e conversa lugar-comum.
Pensando bem, o Fernando Mendes, por mais populista que seja (e por mais que a sua imagem já esteja gasta e ele não demonstre prazer algum em fazer o seu trabalho) tem o mérito de assumir o papel que desempenha. Já o Herman, continua a falar alemão e a cantar a Amália enquanto exibe o look cabelo oxigenado, calças justas, sapato pontudo e cinto com brilhantes.
Pensando bem, a última vez que me lembro do Herman ter dito alguma coisa que me interessou foi quando veio a público esclarecer: «Não, não, eu só violei miúdos de 16 anos, isso não é pedofilia».

12 ou 22?

- Fazes bem! Tas mesmo na idade de fazer essas coisas!

E, de repente, deixei de ouvir os elogios à minha coragem e distrai-me com um flashback de imagens de passado. Quando tinha doze anos lembro-me de olhar para os “mais velhos da escola” e querer que o tempo passasse a correr. Queria logo poder usar maquilhagem, saltos altos e malas de senhora. Fechava os olhos e tentava imaginar as minhas feições com aquela idade. Imaginava-me sempre bonita, crescida, até mesmo chique.
Quando penso nisso esboço sempre um sorriso. Sou tudo menos chique, crescida, bonita ou senhora. Não gosto de saltos altos e a maquilhagem faz-me comichão. Malas de senhora é para as “betinhas”. Eu sou “desportiva”, dizem os mais simpáticos.
Mas aos doze anos, essa possibilidade não existia. Queria ter filhos aos 23, para poder brincar com eles sem um grande gap geracional (ok, aos doze deveria dizer, “sem ser uma velha chata”). Agora quero ter filhos aos 30.
Mas dizem que os 50 são os novos 40. Seguindo essa lógica de raciocínio, os 40 são os novos 30 e os 30 os novos 20. Faz sentido. O meu desejo mantém-se datado.
Mas espera. Um momento.
Assim sendo, eu agora, ao invés de 22, tenho 12?
Pois. Fez-se luz.
Mas mantenho os meus desejos.
Quando “já não tiver idade para essas coisas” quero ser crescida, bonita, usar saltos altos e roupa de senhora. Mas para já nao. Só tenho doze anos!

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