Os outros


Ainda nem começou mas já deu para perceber como vai ser. No mundo da maternidade todos têm algo a dizer. “Que barriga tão pequena”, “tens de comer mais”, “não comas tanto”, “não comas açúcar”, “come o que te apetecer” “não faças desporto”, “não devias ter deixado o exercício” “compra isto” ou “nunca jamais compres aquilo”, têm sido um clássico durante estes meses.
Também temos a versão da enfermeira que conta histórias de morte súbita de recém nascidos para explicar que as massagem não ajudam sempre. Os amigos que relatam as suas peripécias: partos prematuros, noites no hospital, infecções, bebés chorões e santos. Há de tudo.
Sempre aparece aquela conhecida mais radical: “não pode comer até aos seis meses”, “sem bolachas até aos dois anos”, “nunca dês chucha antes do primeiro mês”, “pede alta voluntária depois do parto”. E a versão mais desenrascada: “molha a chucha no sumo de laranja”, “dá-lhe remédios para as cólicas”, “no seu quarto a partir do primeiro mês”.
E nós pelo meio. Tentando driblar os comentários, relativizar, pensar que “não é por mal”. Tentando que nada nos afecte, que não nos dê insónia, que não nos maçe nas horas mortas. Tentando seguir o nosso instinto e ao mesmo tempo pensando: “Será que isso existe realmente?”
Tantas dúvidas, tanto tempo para refletir. Tantas opiniões, tantas perguntas. “Como estas?”, “Como vai isso?”.
E tão difícil resumir este turbilhão em palavras.

Não faz mal ser diferente


Pode ser que sejas orelhudo, que tenhas o nariz grande, o cabelo esquisito. Dizem que és pequeno, pequenino, minúsculo. Pode ser a tua roupa de 50 centímetros fique larga, a boiar, ou, quem sabe, até pequena.
Mas não faz mal.
Das pontapés. Muitos. Tantos. Pedimos-te que fiques calmo, calminho, que não sejas ansioso. Mas, quem sabe? Podes ser tranquilo e introvertido como o teu pai. Figas. Ou inquieto e ativo como a tua mãe. Tu escolhes.
Vamos querer que sejas um pouco de tudo. O melhor de nós. Mas se quiseres ser algo completamente diferente, não faz mal.
Pedimos que nos deixes dormir à noite, que já nasças a saber mamar, que não chores muito, que sejas sorridente e empático. Mas se não fores nada disso, também não há problema.
O teu pai vai ensinar-te a gostar de planetas, astronautas e ETs. Vai querer jogar Super Mario. E oferecer-te um milhão de Legos e bandas desenhadas. Mas se não achares graça, não te preocupes. Eu também não gosto.
A tua mãe vai insistir para que fales português, que faças yoga e andes com ela de bicicleta. A tua avó galega vai apresentar-te o maravilhoso mundo dos livros. No Brasil vais ter um avô e um tio que vão falar contigo de futebol. Guarani ou portuguesa? Podes escolher. Mas se quiseres outro clube, ou nenhum, também pode ser. A tua avó brasileira vai ensinar-te a amar as plantas, a difícil arte de não ser preguiçoso e como ganhar os concursos de Miss Simpatia. Mas se não herdares esse seu lado, não faz mal.
Podes ser diferente.
Podes gostar de azul, verde, amarelo ou cor de rosa. De qualquer tom de pele.  Meninas ou meninos. Podes amar matemáticas, música ou ciência. Preferir os gatos, os cavalos ou nenhum animal em particular.
Não vamos mentir e dizer-te que não temos expectativas. É claro que temos. Prometemos ensinar-te tudo o que sabemos. Apresentar-te o mundo, cultivar a tua curiosidade e inteligência.
E assim podes ser tu a escolher. Sem pressão, sem tabus, sem percentis. Porque, filho, queremos que saibas que não faz mal ser diferente.

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8 meses. 8 meses que lá atrás, em dezembro, parecia que seriam uma eternidade.
8 meses em que fizemos tantas coisas juntos. Viajamos, conseguimos novos clientes, fomos a concertos e até trabalhamos para um festival de música. Fizemos yoga e natação para as dores nas costas. Crescemos. E gravamos um documentário .
8 meses escutando “que barriga tão pequena”. E repetindo sempre o mesmo: “Estamos ótimos”.
8 meses falando em plural.
Como será formar uma família sem esta espera? A espera que parecia tão longa e que agora parece imprescindível. Lembro-me de pensar que ainda só me sentia 60% mãe. Agora estou em 90, uns 93%, talvez.
Aprendi tanto. Aprendemos tanto. Vibrei com os primeiros “choques” na barriga, que eram os teus pontapés. Descobrimos que gostavas de laranja. E de fruta em geral. Tens uma música preferida e respondes com carinho à voz do teu pai. És um sortudo.
E nós, como família-em-construção, fomos aprendendo a escutar. A escutar-te.
Quanto tens fome. Quando estás a crescer e barriga dói. Não faz mal. Ouvimos-te e sabemos quando precisas parar, quando o destino é o sofá.
As caminhadas passaram de 17km a menos de um, mas as dores nas costas desapareceram. As idas à balança também. E a preocupação pelo corpo flácido, a roupa que não serve, o look que realça a barriga.
Aprendemos a fazer menos planos, a não ter medo a dizer não, "afinal não podemos", a passar uma noite de sábado em casa. Perdemos a fobia a descansar. Descansar e escutar.

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