Às armas

Às vezes as batalhas são íntimas, pessoais. A victoria não é um 2x0, um 3x1 num jogo disputado. É a guerra em si mesma.
Reivindicarse. 
Abaixo os pacifistas. Ninguém ganha sem motín. A revolução está feita de gritos, de palavras feias, de caras serias. "Às armas", diriam na minha terra. Mesmo que as armas sejam flores. 
Tontos os que pensam que os tontos dominarão o mundo. Não. Os tontos serão tomados por tontos e comidos pelos abutres. 

Recomeça

Não é raiva, nem orgulho ferido, nem sentido de dever cumprido, não.
Não é crime, a morte da pluralidade ou uma batalha perdida. 
É o fim do ciclo. Agora da a volta e recomeça.  

Não são as sextas feiras que deixam de ser sábado.
Eu nunca gostei desse privilegio. 
São as formas, dizem. Então reforma e recomeça.

Não é o sobe e desce das escadas. O semicirculo das cadeiras. As caras de desilusão.
Não. Eu nunca gostei disso.
É pura nostalgia. Livra-te dela e recomeça.

Não foi uma questão pessoal, nem económica, nem nada do que te dizem, não.
Não podes acreditar em ninguém.
Desfaz-te de todos e recomeça.

Não culpes os teus amigos, compañeiros e muito menos aqueles que te desejam mal.
Tu es o herói porque eles, quem sabe, ainda não perceberam
que é tudo uma questão de começar. Outra vez. Do principio. 

30.


Se me dissessem que aos 30 anos já teria vivido em 4 países diferentes, falaria varias línguas, faria esporte (quase) todos os dias, preferia a montanha à praia e a natureza à cidade, não teria acreditado.
Se me dissessem que aos 30 não teria um bom salário nem estaria casada com filhos, ficaria chocada.
Aquela menina de aparelho nos dentes e cabelo encaracolado não aceitaria uma mulher de 30 anos com tenis no pé, mochila nas costas e demasiado dinheiro investido em viagens.
Com trinta já visitei 44 países (sim, eu contei), trabalhei em 6 empresas diferentes, passei um mês vivendo numa bicicleta com uma tenda de campismo, outros dois sozinha com a minha mochila conhecendo a Ásia. Estive uma semana em silencio meditando nas montanhas tailandesas. Fiz um documentário e o cinema encheu no dia da estreia. Dei entrevistas e fiz muitas outras mais. Porque se me dissessem que aos 30 anos me pagariam para (que eu tentasse) mudar o mundo, teria dado gargalhadas de incredulidade.
Aos 30 anos faço o meu propio pão, o meu creme hidratante e o meu sabonete. Gosto de cozinhar. Continuo sendo viciada em balas, gomas e gominalas. Uso a internet dos vizinhos, tenho uma empregada duas vezes por mês e nunca passo a roupa a ferro. Agora, aos 30, tenho menos amigos que quando tinha 20. Menos roupa também. Com 30 ainda uso o mesmo cobertor que me compraram quando tinha 5 anos. E tem nome: é a Minnie.
Sou mais flexível, mais tolerante, menos religiosa e (bastante) mais calma. Não tenho cão nem gato. Por não ter, não tenho nem carro. Gosto de andar de bicicleta, de nadar e de correr. Ainda tenho aquelas mesmas dores no joelho, mas já aprendi a conviver com elas. As minhas orelhas ainda são (bastante) grandes mas acho que elas combinam bem com o meu cabelo meio-liso-meio-encaracolado. Ainda guardo cada ano na carteira a nota de 5 reais que a Nonna me dá no Ano Novo. Ainda tenho a Nonna e a Vovó. Ainda bem.
Com trinta tenho um companheiro de vida. Dizem que somos parecidos. Eu acho que ele é muito melhor que eu e que eu sou uma sortuda.
Talvez há anos atrás pensasse que com 30 faria uma festa de arromba. Com amigos, música e gin tonic até de madrugada. Mas não. Preparei a nova década nas montanhas do Perú e para o meu almoço de aniversario fiz lasanha e salpicão. Éramos 20 e a festa foi na casa da Nonna.
Família. Não podia ter começado em melhor companhia os meus 30.



Negro.

É preferível pensar que tudo vai correr mal e assim se acabar bem, ficamos felizes. Se não, nada muda. A previsível tristeza permanece e o mundo continua, invariavelmente, a ser um lugar inóspito. É claro que vai sair mal. Por que é que o universo se alinharia para ajudar-me? Eu, uma formiga insignificante no meio de tantos átomos em expansão. O big bang separou-nos e desde então procuramos o por quê. Nunca vamos encontrar. Tonterias. Se nem sequer conseguimos aterrizar em marte. Foi por milésimos de segundo, dizem.
Mas o que é que não é por questão de segundos? Foi también um espaço de micro-tempo que me fez dar aquela resposta errada. Dizer sim durante a reunião. Não atender aquele telefonema, enviar o email. Send. Já está.
É claro que tudo vai correr mal. As coisas não vão lá com pensamento positivo e blablabla. Mentiras.
Sejamos todos pessimistas. Já estou farta do mundo bonito da internet. Não quero luz, nem flores, nem  "feeling blessed". Atiro tudo pela janela. Hoje quero pensar que o futuro será negro. Ou quem sabe... não.

Em modo bunker

Durante um tempo acreditava que vida era o que acontecia entre acto e entreacto. E nesse espaço que ora junta ora separa, construíamos o que queríamos ser.
Era o que eu pensava.
Agora não.
Do alto da sabedoria dos meus (quase) 30 anos sinto-me circular. E ás vezes acho que o mundo conspira, que o corpo fala, que os ventos dizem. Sou de ciclos e vejo-os chegar com antecedência. Outrora teriam dito que sou bruxa.
Tudo começa com uma borbulha na testa, uma barriga hinchada, uma noite mal dormida. "Foi o jantar de ontem", justifico. Tento enganar(me). E então vem aquele mal corpo. "Vamos tomar uma caña?", perguntam, e eu desculpo-me. Vejo uma gargalhada vizinha com admiração, "sou só eu que estou a sentir?". Não faço planos. Reservo hotéis com tarifas flexíveis e deixo o cartão de crédito na carteira. Fico em modo bunker. Em contingencia. Porque quando o ciclo acaba temos de nos desfazer de tudo. Despir-nos. Comprar novos óculos. Novas roupas. Um novo sorriso.
Nada será como antes e nunca saberemos como teria sido. Mas é das incertezas que nasce o progreso.

Perspectiva

Ás vezes é mesmo disso que precisamos. De tempo. Pôr a vida em automático e deixar os dias correrem à sua própria velocidade. Não insistir. Não forçar. Esperar.
A épica não vem de contar e recontar histórias. A palavras são, tantas vezes, pobres portadoras de sentimentos. Porque com o verbo vem a hipérbole, o eufemismo, a metáfora. O falar bonito. 
Isso não que rima com coração. Ler, escrever, ver. Gosto demasiado do verbo viver. Censura à segunda conjugação. Assim nunca vai acontecer. 
Tentas contar as histórias e sempre ficas pela metade. Porque as palavras são curtas e o tempo também. Toca o telefone. Vem o café. A criança cai. Quer outro gelado? O puto chora. Pode me dar uma moedinha? Já é tarde, tenho de ir.
As batalhas a meias contam como perdidas. As mal contadas, como derrotas. E as eternas, como aborrecimentos impagáveis. Lose-lose situation. 
E é então que vejo aquela foto. Uma familia que não sei quem é, num país que realmente nunca conheci. Não conta nada daquele hotel com baratas, do banho de agua fria, da amiga que não gostava, da noite passada a ouvir conversas de outros. Da solidão, do silencio. Do "where do you come from" de cada noite. É só uma gente desconhecida numa paisagem exótica e, no entanto, faz sentir tão profundo. Deve ser da perspectiva. 

Ode aos desinformados

Quero um mundo sem política. Sem governo. Sem taxa de desemprego. Quero acreditar que posso. Que o futuro será brilhante.
Quero ser anti sistema. Viver sem certidão de nascimento. O Estado nos espia e nos controla. Não aceito subsídios nem participo de concursos. Mas voto. Não sempre aos mesmos. Sou da bolsa dos indecisos. Aqueles que ouvem os debates e decidem sem convicção. Não há pão para tanto chouriço nem esperança para tantos desocupados.
Não há vida sem indignação mas as manifestações são só um pouco de cor para o telejornal. Malditos jornalistas.
O mundo são as coisas que giram enquanto o Congresso discute. Enquanto o PSOE se desmorona. Enquanto uns jovens desencantados tentam resumir a realidade em meia hora de pirâmide invertida. São aqueles amigos que chegam para jantar e ainda não tinham visto as noticias. Nem lido o jornal. Nem ligado a radio. Nem recebido 10 alertas no telemóvel. Nem tentado dizer algo inteligente naquele grupo de whatsapp.
Que sorte. Felizes os desinformados.

Não voltei

Não voltei porque nunca fui e mesmo assim sinto saudades.
Que vida.
Entre nostalgia e nostalgia passamos o dia a suspirar por tempos melhores. Dias antigos em que sonhávamos com memórias mais velhas ainda. Complexidades humanas.
Coisas da idade.
Nao voltei mas noto que as minhas frases são cada vez mais curtas. Consequências do directo.
Escrevo e reparo que sou do tempo em que directo ainda se escrevia com cê. É verdade que o cê já morreu? Que tempos aqueles.
Um tempo em que escrevia todos os dias, qual terapia 2.0. Sim, eu sou da época do 2.0.
O papel nunca foi o meu forte. Sempre fui mais do som das teclas. Letra, letra, delete, delete. Disquetes e disquetes de texto inventado. Queria ser escritora e agora as minhas linhas são sobre política. Que chatice.
Ainda bem que não voltei. Porque já não sou a de antes.

Perdida

Decido esperar. Esperar porque "só o tempo dirá", "o futuro traerá coisas boas", "não podemos controlar o mundo" ou "a felicidade bate à porta". Não bate, asseguro-vos que não bate.
Esperar que o trabalho melhore, que ganhemos mais dinheiro, que tenhamos mais responsabilidade. Esperar aquela vida de filme. Ou até a daquele amigo que se saiu bem. Tu não. E por isso esperas.
Aguardas que venha um bom vento, que tropeces com o futuro, que tudo mude de repente.
Não muda.
Então sentes-me perdida e, sem rumo, não podes tomar decisões vitais. E não as tomas, esperas.
Tic-tac. O tempo passa e o futuro não chega. Nem aquela boa casa, bom trabalho, os amigos que são familia. Não chegam. Desiludem-te. Um depois do outro. E enquanto isso tu esperas.
Buscas mapas e placas convertidas em formato de blog. Não serve. Enganas-te. Preenches o tempo como melhor sabes. Vegetas, ocupas, projetas dia a dia.
Até que hà um momento que alguém diz: "Esquece, não adianta esperar". E tu perdida te confessas e aceitas. Paras de deixar passar.

(quase)

Diz o Paul Mason que no futuro viveremos (quase) sem dinheiro e eu (quase) acredito.
Porque talvez não sejamos a geração perdida. Talvez não tenhamos uma vida pior que a dos nossos pais. Talvez tudo seja uma questão de perspectiva.
Jantar fora está "out" porque o que está "in" é cozinhar. Já não compramos sabão nem creme hidratante. Fazemos em casa. Na aldeia cultivamos kiwis e pimento picante. Vem dai um tomate da horta e cebolas caseiras. Os pais do meu amigo têm galinhas, os meus têm ameixas. Trocamos.
Vendemos aquela televisão que havia lá em casa e que só ocupaba espaço. Ganhamos quase cem euros e respiramos de alívio. Vens visitar a minha cidade? Alugo-te um quarto e faço-te o pequeno almoço.
As aulas de inglês, faço na escola pública e os livros e os filmes estão todos online. Nada de comprar pipocas de microondas, as de milho de verdade é que são boas.
Também é melhor o pão caseiro e o doce para o café da manhã. Almoçar numa esplanada em frente ao mar? É mais divertido un piquenique debaixo da árvore.
Se o meu vizinho tem internet, un "alargador de sinal" faz-nos a todos mais feliz. ¿Comprar fora dos saldos?, isso é gastar por gastar.
Talvez o que o Paul Mason queria dizer é que somos a geração dos forretas. Dos que compram as ferias com un ano de antecedência e vão por ai gabando-se do bom negocio. Se calhar o "gratis" é mesmo a nova forma de vida.
Ou (quase) a única vida possível.

O que mudou?

Não sei se fui eu ou foste tu. Se foi o mundo. Se foi um país sem presidente, o outro em processo de impeachment e o terceiro a governar em minoría. Quiçá nada mudou.
Mudou o ritmo das tardes de domingo. Os hobbies. As noites demasiado cansadas a dormitar no sofá. Porque o sofá, definitivamente, não mudou.
Quiçá deveria. Deveríamos ter mudado o sofá e a factura do banco. Ter expulsado a preguiça e melhorado a nossa organização. Deveríamos comer melhor. Mas isso não mudou.
Não mudámos com a distância nem a convivencia. Com os whatsapps descompasados. Con o jetlag e as ligações frustradas. A saudade não nos mudou. Deveria?
Mudou, talvez, o sorriso. A postura. O olhar. Mudou, quem sabe, o futuro. Mas isso só o futuro sabe.
Mudou a tranquilidade, o silêncio, o chá de menta fresca. Isso, definitivamente, mudou.
Aquela gargalhada entre paredes cinzentas e o respirar fundo. Mudou a profundidade da minha respiração. Isso sim.
Tudo mudou para não sair do lugar. Ou esse lugar nunca foi seu. Ninguém saberá o que teria sido se nada tivesse mudado.
Essa é a verdade.

Isto é uma declaração de amor.

Sete meses. Um pouco mais. Exatamente sete meses e sete dias. Curioso.
10 países e três capítulos. Sempre com um verbo em conjugação automática: recomeçar.
Foram 220 dias de solidão acompanhada, de uma "viagem interior" diriam os mais "cursis".
- Mas foste sozinha? - É uma das perguntas mais frequentes. Deveria responder que sim. Sem amigos ou namorado. Sem agenda nem compromissos.
Mas não.
Ela foi a minha companheira incansável. Quem soube encher com um clic o silêncio dos días mais duros. Fez terapia a través da sua lente. Com ela passei dias inteiros debaixo de um calor de 40 graus, vi o mundo em verde (demasiado tempo) e fiz o que melhor sei fazer: perguntar.
Insultei-a (inevitável em qualquer situação). Protegi-a da chuva e do vento. Não se livrou de algumas cicatrizes de guerra.
Até fizemos amigos depois de um "qual é a marca da tua?".
A minha é uma LX100. "Camarita", para os mais próximos. Foi a minha acompanhante durante estes 7 meses e 7 dias. E, sim, isto é uma declaração de amor.

Capitulo III, a familia

Nesta historia com 3 atos, o sandwich foi familiar. Sempre me impressiona o seu poder. O poder da familia reunida onde tudo é como antes. A música de domingo. O peixe no forno. A farofa com arroz. Todos à mesa. Agora somos mais, pesa-nos a idade. A casa mudou, a mesa também. Fazemos comida light e pomos o ar condicionado no máximo. Bebemos (muito, diriam alguns) e falamos alto (quizás demasiado).
A minha familia é intensa, barulhenta, independente. São acolhedores como ninguém. Sempre pensei que a minha era melhor que a de todos os outros. Continuo a pensar.  "Estás tão longe", comenta-se. Já há muitos anos que não me queixo.


Capitulo II, Os Amigos

Eles vêm buscar-te ao aeroporto, abrem-te a porta de casa em pijama e, cara ensonada, sorriem quando te veem. Com eles rio, conto, falo. Falo, falo, falo. 6 horas seguidas, sem aborrecer, 24 horas, noites a fio. Gargalhadas abafadas até às duas da manhã.
Com eles, os amigos, tudo está bem. Comemos do mesmo prato, usamos a mesma prateleira do frigorífico e dormimos na mesma cama. "Contigo não há ca cerimonias", dizem. E aquecem-me a alma.
Tanto faz se te dói a garganta e preferes ficar em casa. Se jantamos comida de ontem. Se recusas o jantar e ficas-te pelo chá. "O importante é estar juntos". Olhadas cúmplices na rua, abraços e beijos que a vida adulta nos tirou.
Os amigos são casas espalhadas pelo mundo. "Que sorte, és tão internacional", comentam. Sorte e saudade. Ter amigos como os meus é conjugar esse verbo a través do whatsapp. É passar semanas, meses, sem um "ola, bom dia" e acabar metida na sua casa, encaixada na sua rotina.
E quando pensava que esta viagem acabaría num eu mais independente vejo-me aquí, saudosista, a gabar os meus amigos.

Saudades, Lisboa


Estes dias de inverno com sol, esse jeito bruto de ser. 
Um afeto pouco palpável. Um humor de mal humor. Goza, humilha, critica e reclama. E vem dai uma chapada. Carinhosa, claro. Hahaha. Que cómico.
Saudades. Ao ver os bancos de namorados ao sol. Foram tantos jardins, tantos bancos de jardim. Tantas horas no sol de inverno a alimentar um qualquer amor adolescente. Não, não foi para sempre. Mas valeu a pena.
Sorrio ao ver o semafro da avenida de Berna. A faculdade em forma de livro. A pastelaria dos queques gigantes. Não me lembrava que a estação tinha cheiro. Mas tem. 
Saudades da tosta mista, do carioca de limão, da torrada e do silencio da cidade. Paradoxo.
Estas ruas que na verdade nunca foram minhas. Que pena. Sempre quis ter uma cidade como esta.
Uso mapas como se fosse turista e sinto falta daquilo que não tive. Um filme no São Luis, um copo no Cais do Sodré, um amigo que liga "pra saber se ta tudo bem". Digo palavras que não existem. 
Só eu percebo a importancia de comer castanhas em fevereiro. Só eu me emociono com um "queres erva?" dito no meio do Rossio. Só eu suspiro com o som reconfortante do comboio depois de um dia cansativo. É terapia barata: 2,05.
Volto a Lisboa e sou adoledcente. Não tenho 30 anos nem uma vida independente. Sou eu, de cabelo vermelho, roxo, loiro (tanto faz), a falar alto, a gritar, a jogar ao lobo, a passear com cachecois que se arrastam no chão, a almoçar de domingo em frente ao mar. 
Sou eu. Ou se calhar não.

Ganhaste a loteria?

Para todos aqueles que não conseguem resistir ao comentario, aqui vai (de uma vez por todas) a minha resposta.
Sim, vou viajar de novo. E não, não ganhei a loteria. Vou viajar com o dinheiro que poupei não comprando roupas de marca nem carros topo de gama. Vou viajar por todas aquelas vezes que não fui às rebajas, por todos os presentes que fiz e não comprei, por todos aqueles jantares caseiros, pelas botas que duram vários anos e os bikinis também. Pelas vezes que repeti vestido em casamentos e batizados (hereje!). Viajo com o dinheiro de anos trabalhando das 12h às 12h. Andando de bicicleta e não de carro. Com o dinheiro do carro de vendi viajo para longe, bem longe, e gasto o mesmo que tu naquelas ferias em Ibiza. Quando viajo divido quarto, experiencia, banco do autocarro e até almoço. Visito amigos e poupo em alojamento, comida e sorrisos falsos.
Sim, vou viajar outra vez e os voos foram bem baratos (obrigada pela preocupação). Não, nunca traigo "presentinhos" quando viajo. Desculpa. Mas sim traigo (muitas) fotos e acho que é suficiente.
Não sou rica, mas se fosse, ¿o que é que tens a ver com isso?. Não sou rica, e se fosse, talvez não viajasse tanto. Ou não conhecesse tantas pessoas. Ou não tivesse tantas historias.
Sobre a loteria, não, não jogo. Poupo esse dinheiro para a minha próxima viagem.

Capitulo I - Os desconhecidos

Eu, na verdade, nunca gostei muito deles. "Odeio pessoas", costumava dizer. Não gosto dos dramas, das fofocas, do disse que disse o primo do fulano. Em geral, nem sequer gosto do fulano.
Quando comprei aquele bilhete de avião buscava mais a introspecção que as gargalhadas. Ganhei os dois e nem sabia.
Fui porque sim, fui porque fui. Sem mais. Não sei bem o que buscava, porque buscava um pouco de tudo. Desintoxicar. Poder escolher. Se não gosto de ti, oh desconhecido, digo-te adeus, bye bye, I'll see you around. Se gosto, conquisto-te com uma cerveja de 20 cêntimos.
Acho que buscava a simplicidade. O branco e negro dos amigos que não duram mais de uma semana.
Tu sim, tu não. Nós sim, nós não. Gosto disso.
Esta é uma ode aos desconhecidos e às conversas de autocarro. "Eu conheço aquele desconhecido", disse um dia. "Sim, esse que vai com as calças rotas e sem camiseta". Dei-lhe um abraço. Desses que só dão os amigos.

Das rotinas

Quando vivia com os meus pais não tomava café da manhã, almoçava pouco e jantava muito. Víamos televisão na cozinha. Quando era adolescente ligava todas as noites para o meu namorado de turno. Os namorados mudavam, o hábito não. "Mas vocês acabaram de se ver, o que têm ainda para conversar?", me perguntavam. Eu ignorava o comentario e digitava cada noite os mesmos números.
Na Italia, por exemplo, não faltava a nenhuma aula. Saia da discoteca, tomava banho e ia para a faculdade. Dormia nos intervalos, mas não perdi nenhum dia.
Quando morava com a Nonna saia de casa às 7.15, pegava dois ônibus e um metrô. Voltava tarde e cansada mas o meu prato sempre estava no microondas.
Um dia, quando já morava na Espanha, tive saudades do Nonno. Foi então que me lembrei de como ele molhava as bolachas María no café. Eu não gosto de café e adaptei a técnica ao copo de leite. Não é que funcionou? Não tem nada mais reconfortante.
A minha avó, a vovó Leda, me deu um dia um colar. Adorei e coloquei na hora. Não tirei mais. Passaram anos e um dia o colar quebrou. Tive uma crise de ansiedade e liguei para ela: "Vó, está tudo bem? É que o colar quebrou... achei que podía ser um sinal..."
Em Madrid jantava 7 dias por semana quatro torradas com tomate e orégano. Uma baguete de pão durava 2 dois dias e a caixinha de tomate do Mercadona aguentava a semana inteira. Às vezes trazia restos do almoço para casa e jantava duas vezes.
No meu primeiro ano da Coruña só ouvia Bob Dylan. Em Turin chorava ao som de Ana Carolina.
Quando há eleições passo o dia escutando canções revolucionarias.
Durante um tempo corri. Depois nadei. Fui na academia. Fiz spinning. Andei de bicicleta. Fiz exercício em casa. Nunca atingi os meus objetivos. Nunca persisti muito tempo.
Agora acordo todos os dias uma hora antes do resto do mundo só para tomar um chá preto. A partir desse momento, não tenho horarios. Liberdade. "Quero aproveitar o meu tempo livre, quero aproveitar o meu tempo livre", é o mantra que toca en repeat na minha cabeça. E com tanto mantra e tanto tempo, me perdi.
Sem rotina o tempo foge.

A nonna

Ela diz "danguetis" e "service service". "Dais" em vez de "dez" e outro dia pedí um pastel de queijo e ela me trouxe um escrito "cheggio". Essa é a Nonna.
- Agora vou ver o meu programa - ela diz enquanto se deita no seu cadeirão e escuta qualquer entretenimento em italiano. Na verdade, "o meu programa" pode ser um que passe na RAI, mas também serve se ele for apresentado pelo Silvio Santos. 
Novelas, só do SBT. Vinho, com água e, se puder ser, com fruta. Tomate, sem semente. Praia, "só se for para tomar uma agua de coco". Ela não gosta do sol nem do mar. Um trauma depois de um mês num navio. "Uns 20 dias" foi quanto durou o trajeto Italia-Brasil. Uma viagem só de ida em busca de um futuro - e um marido. Ela tinha rejeitado o pretendente americano "porque tinha voz fina" e gostou do Nonno: voz grossa, alto, bonito, mas com um problema: era mais novo que ela. "Não faz mal, eu nunca pareci a idade que tenho", justifica. Nem naquela época, nem agora. 
Tiveram 4 filhos e trabalharam duro. Ele, fazendo sapatos, ela, costurando. Agora "a loja" mudou de geração, mas é ali onde a Nonna passa os seus dias. "Me distrai", explica. Ela gosta de rotinas. Café da manhã às 7.30, no meio da manhã, um chá e o almoço é sempre às 13.30. Segunda feira tem feijão, quinta é dia de macarrão e no sábado não tem comida porque todos pedem pastel. 
- Compra no meu amigo - ela diz, quando sou eu que vou na feira. 
- Mas no teu amigo o pastel não é tão gostoso - respondo. 
- Ah, mas quando eu vou ele me chama "D. Angela, D. Angela" e então eu compro sempre lá. 

Ela é popular. No bairro e na familia. 

Algo que te faça feliz

"Haz lo que sea pero que te haga feliz", me dizem. E eu paro.
Porque há poucos dias, por exemplo, descobri que o surf me faz feliz.
O surf? Quem diria!
Juntei-o então à escrita, às viagens, à cozinha, aos meus cremes naturais e à leitura.
Faz-me feliz tomar chá quando o frio é solarengo, fazer risotto de abóbora com a minha mãe, adormecer no sofá no domingo à tarde. Sou feliz quando vou ao cinema, quando como gomas e quando rego as minhas plantas. Sou feliz comendo pastel da feira com a Nonna, quando ouço a rádio de manhã, quando leio uma reportagem bem escrita quando jogo "buraco" com a Vovó Leda ou quando durmo de conchinha.
Mas há coisas felizes que dão dinheiro?, pergunto.
Porque o meu professor de surf queixa-se do hombro e dos alumos que não se esforçam - tento ignorar a referência. As cafeterias agora vendem tapas de fritura. As lojas de gomas dão caries nos dentes. Os jornalistas já não têm tempo para escrever bem e os feirantes queixam-se da sua vida de  saltimbancos. A minha mãe vive longe da Nonna. A casa da Nonna está a mais de uma hora da Vovó Leda e as três estão a muitos, muitos, muitos kilómetros da minha casa. A minha casa faz-me feliz porque não é trabalho (ou não será assim?) e eu meu trabalho não me faz feliz porque se chama trabalho (ou será que não?).
Sempre que alguém diz que é feliz no seu trabalho, eu penso: "mentes". Não és feliz quando o teu chefe te grita, nem quando não recebes o suficiente. Não és feliz quando tens de trabalhar no sábado e no domingo à tarde, quando o despertador toca às 7 da manhã. Mentes. Ou mentes ou eu estou amargada. Ou mentes ou eu preciso encontrar o que me faz feliz.
Desesperadamente.


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