O sexo dos anjos

19.6.08

Conheço uma pessoa que tem um amigo imaginário. Chama-se Afonso e morreu de cirrose.
Eu também tenho uma amiga imaginária. Chama-se Inês e morreu num acidente de carro.
Eu nunca tinha conversado muito com ela. Mas invejava os seus cabelos louros, lambidos e cheios de madeixas. Ela tinha um namorado. Era o Francisco.
Também invejava isso nela. Eu andava sempre a correr atrás dos rapazes. Batia-lhes quando eles me levantavam a saia e, uma vez, quando um menino me mandou uma cartinha de amor, fiquei tão nervosa que parti o aparelho dos dentes.
Ela não. Andava para lá e para cá de mãos dadas com o Francisco. No dia dos namorados casaram-se. E o bouquet era um chupa-chupa de coração.
Um dia a Inês e a família foram viajar. Chegou a uma altura da viagem que o pai, que conduzia, ficou cansado. Resolveu parar o carro para dormir um pouco. Ninguém deu por nada. De repente, bum.
A mãe, gravemente ferida, quando soube que a filha não tinha resistido ao embate, deixou-se ir também. O pai prometeu cuidar do filho mais velho que, por sorte, estava do outro lado do carro.
Quando voltámos das férias só se falava nisso. Disseram-me que ela tinha morrido porque estava a dormir quando o acidente aconteceu. E foi por isso que, durante muitos anos, não consegui dormir em viagens de carro.
Agora durmo. E sonho muitas vezes com ela a rir-se e de mãos dadas comigo.
Portanto não me venham dizer que os anjos da guarda não têm sexo.

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