A lotaria
25.6.08Desde pequena que vejo o meu pai jogar na lotaria.
- Pai, posso jogar também? Deixas-me escolher um número?
- Podes jogar filha, mas tem de ser uma cartela tua.
E a minha mãe acrescentava:
- O teu pai joga sempre os mesmo números!
Ver o meu pai jogar na lotaria não tinha muita piada. Ele passava os talões antigos ao senhor da casa lotérica que somava o dinheiro que tinha ganho no mês anterio. Depois disso o empregado perguntava-lhe:
- São os mesmos números?
Com um abanar da cabeça e um desembolsar de alguns euros a operação estava feita. Sem risquinhos nem macumbas, sem pedir opiniões ou franzir qualquer músculo. Era uma operação cirúrgica.
Um dia resolvi perguntar-lhe porque é que ele insistia no jogo se não lhe dava nenhum prazer. Descobri que o meu pai joga na lotaria “desde que a minha mãe o conhece” pelo simples facto de que, se parar de jogar nunca poderá ter a hipótese de ganhar.
- Ambicioso – pensei.
Mas descobri que a lotaria era muito mais do que uma ambição. Naqueles dias em que tudo corre mal e apetece dar um tiro no patrão, o meu pai pensava “quando ganhar a lotaria despeço-o”. Quando o elevador encrava e a mesa da cozinha partia, ele pensava “quando ganhar o lotaria vou comprar uma casa nova”. Não era uma atitude pacífica em relação aos problemas. Era um escape. O chamado “sonho que move a vida”.
Há uns meses o meu pai deixou de jogar na lotaria. E eu, por dentro, entristeci.
E é por isso que eu continuo a mandar currículos para vagas de “BBC Reporter” e “Head of communications da Google”. Porque naqueles dias em que não há saída visível, posso pensar: “Quando me ligarem a dizer que fiquei com a vaga, mando-os todos à merda”.
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