Morriña

7.10.08

Há um sentimento comum aos chamados “cidadãos do mundo”. É o amigo que ficou longe, o companheiro que anda a vaguear por outros continentes, o namorado que se perdeu por outro país.
Em Portugal chamamos-lhe Saudade.
Desde pequenos que nos ensinam na escola que Saudade é uma palavra que só existe na nossa língua, e isso, claro, dá-lhe um certo encanto.
A primeira vez que vi este mito ser derrubado, foi numa aula de alemão. O professor ensinava-nos vocabulário e, no meio de outras palavras, diz “Sehnsucht”. Tradução: Saudade.
Mas como? Não! Não é possível. Saudade é uma palavra que só existe em português, contestamos.
- Isso é um mito parvo.
Passei semanas, meses, contando “a minha nova descoberta” a toda a gente e corrigindo, de sorriso matreiro, sempre que alguém se saía com a tal frase-lugar-comum.
Mas à medida que os anos foram passando, e os meus conhecimentos de alemão deteriorando-se a olhos vistos, fingi esquecer-me desse pormenor. O mito tinha o seu encanto, e, como nos ensina o Big Fish, há coisas que valem a pena manter.
Mas outro dia, o inevitável aconteceu. Estava a conversar com uma amiga quando ela me diz que “echa un montón de menos” o seu “novio”. Não é que o seu namorado está a viver na Guatemala?
E ela prossegue, enfatizando: “claro que tengo morriña”. E eu, como é norma nas conversas fora do vocabulário-escola-de-espanol, coloco a minha cara de dúvida e digo: “Morriña?”
Ela, que estuda português há vários anos, esclarece “Saudade”.
É então que respondo, numa tentativa derradeira de preservar o Big Fish da grande história: “sempre me ensinaram que saudade é uma palavra só portuguesa” e ela diz com o seu ar de menina despachada: “que tonteria, en aleman es Sehnsucht”. (moral da história, não tentar enganar conhecedores de idiomas).
O mito foi oficialmente deitado por terra, mas no fim acabei por concluir: nem todas as histórias são dignas do Big Fish, há algumas que têm mais encanto quando contadas como na realidade. Afinal, é muito bom poder dizer em outras línguas, este sentimento que desde sempre foi tão meu. Agora posso por uma cara feliz e explicar a este povo galego que, não importa onde esteja, hei sempre de ter “morriña” de alguém. Afinal morriña também pode ser uma coisa boa!

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