A política

Antes de ser jornalista eu era uma cidadã muito mais tranquila. Corrijo. Antes de escrever sobre politica eu era uma cidadã muito mais mais pura, mais normal. Como vocês sabem a minha condição de saltimbanco nunca me permitiu exercer o meu direito de voto, e agora isso de alguma forma me alivia.
Passo os dias a analisar os políticos, a criticar as suas palavras, a descobrir e a difundir as suas jogadas. Depois conheço-os e a coisa piora. Vejo o assessor de imagem, a mudança de discurso quando a luz vermelha diz que estamos em “on”. E então perguntamos-lhes sobre tudo aquilo que temos estado a falar. O dinheiro ilegítimo, as sabotagens e as trafulhices e eles não respondem. Nunca respondem. Depois há as jogadas e as alianças indevidas. As historias de bastidores, as amantes, os colegas e os inimigos. E então o outro diria. “São todos iguais”. Não, não são todos iguais, mas todos têm aquele defeitozinho imperdoável, aquela decisão inadmissível, aquela resposta que nunca deveria ter sido assim. E há medida que vão passando os dias, e vou me vou afundando neste mar sem volta atrás, lembro-me dos tempos em que era uma cidadã pura e acreditava verdadeiramente na politica. Agora, agradeço ao destino a minha situação de cidadã do mundo. Porque se tivesse que votar, que escolher um, dormiria muito mal durante a noite.

Já é Natal!

O Natal chegou ao nº13 da Av. Gran Canaria.

El flequillo

Sou amiga de uma das cabeleireiras da tevê. Andávamos há uns dias a comentar o lamentável estado do meu cabelo. Sem corte, sem graça, etc e tal. Então uma tarde (depois de muitos desencontros) ela perguntou se eu queria que me cortasse a franja. Neste ponto é preciso sublinhar que "franja" para mim é um pedaço de cabelo mais curto, penteado para o lado esquerdo e que tem como função tapar as minhas orelhas (dumbas?). Então ela diz-me de tesoura na mão:
- Marina, alguma vez já tiveste franja? Franja de verdade?
Eu respondo que não e no momento que lhe ia explicar o "probleminha" e a necessidade de tapar as minhas Dumbas...
ZAZ!
- Agora já tens! - Diz ela, orgulhosa do seu trabalho.
E essa é a historia de como eu ganhei um "flequillo" e como, depois de anos de auto-enganação, as pessoas agora comentam: "Ah, nunca tinha reparado que tinhas as orelhas grandes". Inspira, expira, inspira, expira.

Cotorreando #4 Dumbas

Em Coruño (a lingua/calão usado pelos jovens corunheses)orelhas diz-se "Dumbas".
Morri.

Cotorreando #3 "El Balado baladí"

Tinha de partilhar isto convosco. O rapaz que trabalha comigo chama-se Balado. Ontém, já num atrofio mental de tanto trabalho, chamei-o "baladí" (ver Cotorreando#2) e, acto seguido, tive um ataque de riso descontrolado. Só dizia "El Balado baladí!" e gargalhava mais e mais. A minhas piadas nerds estão a ficar preocupante. Por favor, ajudem-me.

Cotorreando #2 "La impudicia del debate baladí"

Tenho um problema, e é que eu trabalho num programa de debate de actualidade, que é como quem diz, um programa de, basicamente, política e economia. O problema não é o programa em si, nem os temas que trata (que eu amo os dois de paixão), o problema, repito, é que vivo rodeada de intelectuais de primeira linha, de argumentações rebuscadas e, claro, uma linguagem não propriamente quotidiana.
E então ontem um convidado queria dizer que o político xis tinha falta de vergonha da cara. Mas não! Que linguagem mais comum, onde já se viu dizer”desavergonhado” numa tertúlia politica. E é então que aprendo uma palavra nova para o meu dicionário eloquente: impudicia. Minutos mais tarde, vem o outro e responde que esse e um assunto insignificante, mas, claro, não podia ficar atrás do anterior, então vai lá e diz que o tema do nosso debate é “baladí”. “La impudicia del debate baladí”

A internet

Tenho uma amiga que não tem internet em casa. Só tenho uma amiga, de todos os meus amigos que espalhados pelo mundo, que não tem internet em casa. E isso faz dela um bichinho raro, um ratinho de laboratório que eu observo com especial atenção. Sabia que ela entreva ao meio-dia no trabalho. (Eu entro as três, que fique bem claro). Então outro dia conversando com ela, falava-me da rotina que tem pelas manhãs. Rotina tipo acordar, tomar banho, comer o pequeno-almoço e ir trabalhar, pensei. Mas não. Parece que ela acorda todos os dias às oito da manha. Toma o pequeno-almoço, vai ao ginásio, vai ao supermercado e combina com o namorado de ir tomar um café. Volta para casa, toma banho, faz uma sandes para o lanche, vai para o trabalho (que está a 20 minutos da casa dela) e ali chega, pontualmente, ao meio-dia. Só para terem um termo de comparação, aqui vai a minha rotina matinal de forma telegráfica: acordo às onze. Ligo o computador. Saio da cama as 12.30. Pequeno-almoço e banho, já é uma e meia. Vejo as notícias e para o trabalho. Agora penso que se calhar o meu problema não é a preguiça, é a internet. Esse bichinho maldoso.

Cotorreando #1

Inauguro hoje uma nova seccão no MargemDeErro. Chama-se Cotorreando e aqui partilharei com vocês todas as palavras novas que va aprendendo neste ¿apaixonante? idioma. A primeira, cómo no, tinha de ser Cotorrear, ou seja, Tagarelar. Porque é falando que se aprende a falar.

Ciclogenese explosiva

Na Galiza chove. Chove muito. Na Galiza há borrascas, ciclogeneses explosivas, granizo e, recentemente, tornados. É por isso que eu nunca tive um guarda-chuva na Galiza. Não adianta, não resiste. O seu tempo de vida é de mais ou menos 0,5 segundos. É também por isso que eu ontem comprei umas galochas (bem, na verdade são umas botas de equitação de plástico… Mas digamos que para mim são galochas), tirei os casacos compridos e gorros do armário. Agora já não vou andar por ai com pés molhados, cabelo empapado e roupa encharcada. Agora já estou preparada. Que venha o inverno!

"Isto"

Já ouvi muitas vezes e tenho a certeza que continuarei a escutar com certa frequência a pergunta: “Porquê a Corunha? Porquê a Galiza?” Vi muitas caras de desilusão quando troquei Madrid e um trabalho com 4 milhões de espectadores, pela Galiza e as audiências de 300 mil. Desaprovaram, disseram-me que não fosse, torceram-me o nariz.
Mas eu vim. Mesmo aqui perguntam-me chocados como fui capaz de trocar Lisboa por “isto”. Então passo a contar o que é “isto” e porque é que “isto” me faz tão feliz.
Vivo a 10 minutos da praia, 5 minutos do ginásio, 0,5 minutos do supermercado, 0,7 minutos do banco. Vivo a 1 minuto do centro comercial, do cinema e da esplanada para tomar uma cerveja numa tarde solarenga. Tomo o pequeno-almoço no bar da esquina, onde leio gratuitamente os jornais locais e nacionais. Todos os meus amigos vivem no máximo a 15 minutos da minha casa (não há distancias maiores que esta na minha cidade). Trabalho com política e economia e todos os dias tenho um desafio intelectual maior que o anterior. Quando chega o fim de semana entramos no nosso modo de ferias. Passeamos pelo paredão e pelo centro da cidade. Comemos churros, gelados e coisas gordas. Queremos lá saber se isso engorda. Fazemos almoços caseiros, vamos a restaurantes de moda e saímos à noite. Saímos “até à morte” como costumamos dizer. E quando o sol nasce voltamos para casa, a pé, fechamos as persianas e dormimos até quando nos apetecer. Porque “isto” é a minha vida. Sem satisfações que dar, problemas maiores que resolver, grandes dramas, obrigações ou stresses constantes. Se calhar um dia farto-me, deixo tudo isto e vou viver para Tokio, mas até lá, parem de me perguntar o que estou a fazer neste fim do mundo. Porque eu contunuarei a dar sempre a mesma resposta: "Isto" é o meu pequeno paraíso.

24, parte 2

O assunto de que “a Marina só tem 24” foi o tema da noite. E então eu, para tentar desviar as atenções do cliché “és muito madura para a tua idade”, comecei a perguntar a toda a gente o que tinham feito de grandioso quando tinham 24. Contaram-me histórias do primeiro trabalho, do final do namoro e da faculdade. Histórias de viagens aos estados unidos e trabalhos em hotéis à beira da estrada. Aventuras em cidades desconhecidas e loucuras de noites descontroladas.
Quando tinha 23 vivi em Madrid. Conheci actores, viajei muito e desapeguei-me do meu passado. Quando tinha 23 fui ao Canadá, estive dois meses sem comer gomas e descobri a minha paixão pela televisão. Com 23 aprendi que não preciso de ninguém para ser feliz. Que na hora do vamos ver estamos sozinhos e que se não buscarmos a nossa felicidade, ninguém vai buscá-la por nós. Os 23 foram um dos anos da minha em que mais cresci e mais madurei. O ano em que fiz paz comigo mesma.
E agora estou na expectativa. O que o futuro tem guardado para os meus 24?

24, parte 1

Tenho 24 e todos os meus amigos rondam os 30. Tenho 24 e sempre fui um pouco precoce. Tenho 24 e ninguém acredita.
Chegámos ao meu jantar de aniversario e estávamos a tomar uns aperitivos quando um amigo pergunta: “Quantos anos fazes?”. “24”, digo. E ele responde com uma cara de choque: “Quantos?, 24?”. Nesse momento se incorpora outra amiga ao barulho e diz. “Claro que não é 24, ela queria dizer 34!” E todos respiram aliviados. “Ah, claro, 34!”. Quando tinha 16 adorava que achassem que eu tinha 18. Quando tinha 18 sorria quando me diziam que tinha 25. Mas agora já não sei se estou a achar tanta piada a isto de “parecer mais velha”.

Mais um sábado

Cinquenta e dois. Sim, durante este ano houve/haverá cinquenta-e-dois sábados. Um deles era o dia do meu aniversário. Um sábado qualquer perdido aí no meio de tantos dias. E então um dia o Papa acorda e diz: Rá! Acho que destes 52 sábados vou escolher o dia 6 de Novembro para visitar a Galiza. Não, não podia ser outro dia. Não, não podia ter ido a outro lugar. Não, tinha de vir à Galiza no dia dos meus anos. Dizem que foi bom porque vou ter um ano abençoado. Porque quem entra o ano a trabalhar, trabalho não lhe faltará. Que a adrenalina é a droga de qualquer jornalista. Pois é. Este ano o meu aniversario era num dia não laboral, mas, caprichos da vida (e caprichos do Papa), este sábado foi o primeiro e único sábado do ano em que eu tive de trabalhar. Então adeus planos de viagens, passeios e telefonemas. Foi um dia duro, de dores de cabeça, suores frios e alguns insultos. Dia de gritos, risca-escreve e olho stressado. Mas foi também o dia de ouvir os parabéns cantados em portuñol, de receber três bolos de aniversário e muitos beijinhos e abraços sinceros. Não atendi quase nenhum telefonema. Não respondi a nenhuma mensagem. Não tive um dia da princesa. Mas quando o trabalho acabou, gritámos “Sobrevivemos ao Papa” e o resto é a história de trinta pessoas desaparecidas na noite coruñesa. Assim se cria uma nova lenda.



Este ano

Este ano não vai haver papá, nem mamã. Não vai haver puxões de orelhas, bolo de aniversário o manhã de presentes. Este ano não há jantar no bairro alto, sangria e amigos que são quase irmãos. Este ano vai ser diferente.
Ofereci-me uma viagem e um jantar num restaurante de moda. Comprei todas as gomas que consegui encontrar. Paguei tudo e não olhei a conta. Organizei uma festa e fui aos restaurantes implorar para darem de comer a 30 pessoas. Continuamos em negociações.
Faço anos daqui a poucos dias e amanhã, pela primeira vez na vida, vou comprar-me um presente de aniversário.
Porque este ano decidi dar-me os parabéns a mim mesma.

Num instante

A minha profissão é assim. Vivo esta semana a pensar na seguinte e a seguinte a pensar na outra. Tenho uma agenda de papel reutilizado que vou riscando, perdendo e recortando. Então anoto e volto a anotar. Planifico, pesquiso e decido. Até que vem a realidade e muda tudo. E então toca a reoganizar, reconvocar e recolocar. Tudo para a semana que vem. É terça e já estamos a pensar no sábado. E sábado será dia de pensar na próxima quinta. E assim, com a agenda em avançado parece que o tempo corre mais depressa. De repente, já passaram seis meses, sete meses. Mas como aqui o tempo é progressista, já estou a pensar em daqui a um ano. Assim, não há como não achar que a vida passa demasiado depressa.

El cambio de Zetapê

Lembro-me de quando o Zapatero ainda não era çapatero (com a linguinha no meio dos dentes), quando não sabia o nome do Pepe e ainda tinha de pensar se Fernández levava acento.
Foi há tanto tempo.
Agora já fazem parte da minha vida. Do meu quotidiano. Sei o seu passado, as suas amantes e as fofocas mais sórdidas. Comento a roupa, o tom e as olheiras. “Acho que ele está depressivo”, e discutimos isso horas a fio. Insulto-os a todos. Menos a Salgado.
Havia a De la Vega que batia todos os records das redacções. Uma mulher não se pode fazer chamar por Maria Teresa Ferndández de la Vega e o seu cargo ser Vicepresidenta primera del gobierno. Demasiados caracteres! O que fazemos com os printers? E depois havia a Aido e a Corredor, tão sonsas, tão sem sal. A Leire Pajin, a sua adolescência política e o queixo duplo. Como se pode ser tão feio? A Espinosa, o Corbacho e o Moratinos.
Ate um dia, sem aviso prévio, acordo e descubro que tenho que lhes dizer adeus. Que tenho que abrir o meu quotidiano a um senhor que se chama Jáuregui e nem sei pronunciar bem o seu nome. Acho que é amigo do Valeriano, !que dupla!. E então passo o dia com tremeliques, a ler, estudar e aprender tudo sobre estas caras novas. A discutir o futuro do país e as consequências deste “cambio”. Porque esta seana acordei e tinha mudado o governo. Senti que estava a viver a história. Mas eu sou uma exagerada.

Ouvir

Podia contar-vos das 50 horas de trabalho intenso. Das pressões, dos tremeliques, do cérebro cansado de pensar. Podia contar-vos dos fins de semana de festas, do cinema e das cervejas nocturnas. Podia falar-vos dos novos amigos e fofocas dos velhos. Dos meus pais que se foram. Da viagem que tinham planeada para o meu aniversario. De como um Papa pode estragar os planos de uma menina prestes a cumprir 24. Podia contar-vos que estou prestes a fazer 24 anos. Podia falar do amor e do não-amor. Das negações nas que gostamos de viver. Podia falar-vos de tantas coisas que têm acontecido nestes últimos dias. Mas ultimamente tenho gostado mais de ouvir. Paciência.

A despedida

Achei que fosse ser mais difícil, que a realidade fosse doer um pouco mais. Mas cheguei e comigo veio aquela agradável rotina de dias de correria e noites de trabalho intenso. Cheguei e receberam-me com um abraço e com a determinação de fazer daquele fim-de-semana um momento feliz. E das lágrimas vieram gargalhadas e noites de histórias e fofocas alheias. !Quantas coisas acontecem em três semanas! Cheguei e senti-me em casa. Depois veio a alegria de voltar às notícias, às análises informativas, às reuniões e mais reuniões. E quase sem notar, chegava outro fim-de-semana. Noitadas com direito a pequeno-almoço e confidencias debaixo da manta do sofá. E agora penso que a despedida foi já há muitos dias. Que já desfiz as caixas, arrumei a mudança, enviei as fotos e conversei sobre o tema. Já passou a pior parte e ainda não tive tempo de ficar triste.

De volta

De volta ao trabalho, àquela vida de segunda a sexta. Às overdoses de gomas, às fofocas molhadas em café. De volta à minha casa partilhada, à vida sem satisfações. Aos dormir-tarde-e-tarde-acordar. Às idas matinais ao ginásio e noites de series americanas. De volta àquela cidade que há dois anos me acolheu e que agora chamo de minha. De volta à televisão em directo, aos telefonemas, emails e cervejas pos-laborais. De volta aos almoços de domingo, às peregrinações de bar em bar, às manhãs de contabilizar danos. É que acabaram as ferias e voltei à minha vida. Mas continuo a dizer que não percebo o que é isso da “síndrome postvacacional”. Eu gosto de ir, a serio, amo ir, mas voltar também tem o seu encanto.

19 anos depois...

A nossa vida empacotada em 240 caixas:



Um golpe baixo

Estava eu recem aterrizada no pais da Maple Tree, ainda habituando-me a trocar o chip do espanhol para o ingles, quando chega a minha vez na fila da imigracao. A senhora era uma loiraca, olhos azuis e dentes brancos. Pergunta-me, seca como so ela:
- O que a traz ao Canada?
Eu esboco um sorriso amigavel e respondo-lhe que vim de ferias.
- Sozinha?
Sorrio e aceno com a cabeca, mostrando-lhe o meu ar previamente ensaiado de "mulher-confiante-e-independete-que-nao-precisa-de-mais-ninguem-para-se-divertir". O look evidentemente nao conveceu e ela levantou uma sobrancelha:
- O que faz uma rapariga sozinha de ferias no Canda?
Claramente ofendida, respondo com um ar pouco convincente:
- Turismo?
Ao que esta rebota imediatamente, qual episodio de West Wing:
- E reservas de hoteis, onde estao?
- Oh I'm a backpacker.... - justifico com ar de pobre coitada.
Ela, desconcertada, resolve apelar para o lado emocional:
- Mas ouca la, porque e que voce esta sozinha? Nao tem amigos... namorado...?
Autch, golpe baixo. Quando ate a senhora-mal-amada da imigracao insinua que estamos ecalhadas e que a coisa esta mesmo a ficar preta.
Proximo passo: comprar sininhos para a coleira do gato.
Aguardem-me.

A maquina viajante

Quando aquilo aconteceu senti que todos os sinais vitais do meu corpo se congelavam. Fui causa e presenca da perda da unica prova material daquilo que as nossas palavras ja cansaram de contar. Morria, naquele momento, uma parte da minha historia.
- Como e pessima a tua maquina fotografica!
- Eu sei, mas eu amo-a. Comprei-a no interrail...
Entao ai comecava a lenga-lenga de uma batalha passada. As descripcoes daquela tarde de cerveja, dos piratas, dos brindes, dos amigos chilenos e da desaparicao. Da busca tosca e falida, do comboio, da senhora que me limpou as lagrimas. Da depressao pos-perda e da decisao:
- Ola, bom dia, queria comprar uma maquina fotografica.
- Certo, e qual seria?
- A mais barata.
Esse era o dia 2 daquela que viria a ser a viagem da minha vida. Uma maquina fotografica roubada nao estragaria este momento. Foi assim que 600 toscos fotogramas de qualidade media-baixa registaram esta aventura. A partir desse mochilao, o nosso grupo passou de quatro a dois. Mas nos resistemos. Eu e ela. Sobrivivemos entre flashes, fotos queimadas, cliques e destinos surpresa. Ate ao dia. O dia em que uma queda fatidica deu fim a visao da minha companheira de viagem. Ela agora ve tudo assim, escuro, embaciado, difuso, espelho daquilo que o nosso grupo indestrutivel passou agora a ser.
Dois anos depois, a minha maquina viajante morreu numa manha de sabado solarenga durante um mochilao pelo Canada.
Uma morte digna. Que deixara saudade.

Urso

Ontem subimos a montanha para fazer uma "escalada assassina". O meu irmao queria fazer um percurso que na sua descripcao dizia 'you may die'. Eu queria fazer aquele que fazem os avozinhos. Fizemos um meio termo e reclamamos os dois. Eu, porque me doia o joelho. Ele, porque nao havia nem ursos nem alces.
No caminho de volta vimos um urso. Grande, preto, assustador. Rosnou-nos com todos os seus dentes e o Le defendeu-me e salvou-me a vida aplicando-lhe um golpe de Muay thai. Ra!! Ou pelo menos essa sera a versao que contaremos ate ao fim da nossa existencia. O dia em que lutamos contra um urso de verdade e que o Muay thai salvou a nossa vida.
Comeca assim mais uma lenda da familia Big Fish.

No Canada:

- Nao ha acentos.
- A Coca Cola e mais barata que a agua.
- Chove. Chove muito.
- Os bares fecham as 2 da manha.
- A comida tipica vende-se nas lojas de fast-food.
- Ha velhos tatuados de cabelo comprido, miudos de cabelo verde a andar de skate. Punks, goticos e tios a andar pela mesma rua.
- Em Vancouver quase metade da populacao e asiatica.
- Sinto-me nos Estados Unidos.
- Disseram-me pela primeira vez "abut" (about)
- Os bares servem cerveja caseira. (forte)
- Ha totens por todas as partes. E o meu irmao tira fotos com todos.
- Quase fui atacada por um cisne.
- Pedi uma Coca Cola numa Casa de cha. Olharam-me com cara de: sai daqui sua capitalista urbana.
- Ainda nao vi alses, nem ursos, nem neve.
- Continuo viva.
- Por enquanto.

Ponto de interrogação

Da última vez que o meu irmão viajou, descobriu a meio da viagem que o cartão de credito não funcionava e ficou vários dias retido no meio da selva da América central esperando que a minha mãe, desde Portugal, arranjasse uma maneira milagrosa de mandar-lhe dinheiro. Da vez anterior, roubaram-lhe o bilhete de interrail e teve de voltar para casa mais cedo, tantas eram as histórias e o cansaço. Antes dessa, a viagem foi comigo e ele perdeu o avião porque enganou-se na data, resolveu voltar de autocarro, mas o cartão de crédito não funcionava (sim, outra vez.) e, pela primeira vez na vida, entrei de pijamas na estação de autocarro para salvar esta alma atormentada que quando me viu com ar de louca saída da cama, meio descalça, meio despenteada, disse: “Ah, esqueci-me de te dizer que o cartão já está ok”.
Agora chegou o dia. Mochila pronta, quase 24 horas de viagem pela frente e um grande ponto de interrogação sobre como serão estas próximas três semanas. É que com ele, nunca se sabe.

Countdown

Vêm aí as ferias e com elas o drama de todo o mochileiro inexperiente. O exercício torturante e auto-ditador de estabelecer um número limite de peças de roupa. Sapatos, só três. Nada de brincos, maquilhagem e secadores de cabelo. Exercer o desapego, é a minha palavra de ordem. Tudo pelo bem das minhas costas. Das minhas costas com escoliose aguda.
Então toca a pensar em quais são os sapatos mais confortáveis, as calças que não apertam e os tops super versáteis que dão tanto para um passeio pelo parque como para uma noitada na discoteca de moda. Abro o armário e vejo as minhas roupas a estender a mãozinha e a gritar “eu, eu!”. Percebo-as. Quem não quereria embarcar grátis numa viagem transatlântica? Eu gostaria levar tudo. A sério. Coração de mãe é assim. E agora estou aqui, a viver e a sofrer esse dilema existencial de escolher entre a camisola azul ou a preta de botões. Como a vida é dura. Vou separando, meticulosamente, cada item e pondo tudo em montinhos, montinhos que já vão sendo montões. Saco de cama, toalha, clinex, tampões de ouvido, livros, o guia impresso online. Os documentos mais importantes na dropbox, verificar o roaming do telemóvel, ver a taxa de câmbio, a previsão do tempo.
Meus amigos, estou quase de vacaciones!

R.I.P

Como são duras as separações! Agora que já não estás, lembro-me com melancolia de todo o tempo que passámos juntas. Uma vida!
Recordo aquelas longas caminhadas cheias de bolhas e feridas. Os dias de praia com areia a deslizar pelos dedos. As viagens, quantas viagens. Lembro-me daquela vez que estiveste doente e eu passei dias a cuidar de ti. Não te enganes, eu não me queixo. Foram momentos de estreitar laços, de valorização da tua existência, momentos só meus e teus. Nossos.
Nunca me vou esquecer da nossa guerra pelos sapatos. Havia aqueles que não gostavas (mas que eram tão bonitos!) e discutíamos sempre que eu os punha. Dizias que o conforto vinha sempre em primeiro lugar e eu, teimosa, insistia no bonito barato.
Agora foste-te. Melhor assim, já não suportava ver-te ai, oca, sonsa, aguentando uma existência sem sentido. Tudo culpa de um acidente fatal, dizem para me confortar. Mas nada me conforta.
Nada te substituirá. Nada substituirá a unha do pé que hoje perdi.
Rest in peace, unha do dedo grande, requiescat in pacem.
Dizem que dentro de um ano nascerá uma nova unha neste dedo de carne que actualmente ostento. No entanto, tenho a certeza que nenhuma será tão especial como tu.
Eram dez, agora são nove. Sentiremos a tua falta.
Falo por mim e pelos sapatos e meias deste mundo. Como é obvio.

Comprar um gato

Caros amigos, é oficial, cheguei ao fundo do poço. Outro dia conversava com uma amiga sobre a vida, os amores e desamores desta existência cruel. Ela, cujo namorado agora está fora, desabafa:
- Preciso de um namorado
- Cala-te! – respondo, dando-lhe uma chapadinha amigável no ombro – Tu já tens namorado. Quem precisa de um namorado sou eu!
Então ela olha para mim com um ar de dúvida. Franze a testa e pergunta, visivelmente perturbada:
- Querias ter um namorado, Marina?
Eu, sem perceber o alcance da pergunta digo-lhe que querer, queria, mas que está complicado encontrar alguém de quem goste, blablabla. Mas porquê?
- É que eu… sei lá… Es tão gira e estás há tanto tempo sem namorado…
Agora é a minha vez de franzir a testa, explicar que sou exigente e começar a buscar uma segunda intenção para esse comentário. E então ela solta:
- É que claro… Eu achava que talvez… fosses….
Silencio. Caras. Intuição.
- Lésbica?????
-Sim…
Fundo-do-poço. Próximo passo, comprar um gato.

A resistência

As minhas amigas aqui na Coruña são betinhas, muito betinhas. Às vezes saímos para jantar. Somos umas oito, nove. Quando chego ao restaurante ali estão elas. É fácil encontra-las. Basta seguir o cheiro dos perfumes e as olhadas dos homens descarados. Maquilhagem Chanel, cabelos penteados, vestidos justos, mini-saias, tops transprentes, malas de 200 euros, sapatos com saltos de 10 centimetros.
Quando andamos pela rua, toc toc toc, são incontáveis os números de piropos, de rapazes que vêm meter conversa, de namoradas furiosas pelo olhar furtivo do seu homem. Agora imaginem esse cenário e juntem-lhe uma rapariga mais: eu, o patinho feio. Calaças de ganga, all-star e t-shirt larga.
Elas perguntam-me porque nunca me maquilho e eu respondo com sorrisinho maquiavélico: “Porque ao contrário de ti, eu não preciso." E elas riem-se e gostam de ter-me por perto, sou como o membro exótico do grupo. Em Portugal diziam-me que eu era uma tia do Estoril, aqui, dizem-me que sou A Resistência. Gosto disso.

A cozinheira

Eu sou daquelas pessoas que não cozinha. Daquelas que queres evitar fazer uma visita a horas de refeição. Nunca vou ao supermercado e nunca tenho comida em casa.
Almoço no trabalho e, de preguiçosa, não janto. Nunca janto.
Nem sempre fui assim. Já fui daquelas que quase não almoçava e defendia a importância do jantar. Antes, com papá e mamã. Mas agora, mãe e pai de mim mesma, cozinheira da minha própria pessoa, descobri os minutos perdidos a preparar as refeições, os vernizes estragados da louça lavada à mão. Os cheiros, a gordura e os restos.
Resolvi mudar de vida, ceder ingredientes a amigos cozinheiros ou simplesmente desfrutar de deixar euros em comércios que fazem comida para me alimentar. Não sou esquisita, ingiro qualquer tipo de substância que dê energia ao meu corpo. Elogio sempre os petiscos alheios e retribuo-lhes com beijinhos, abraços e “o que seria da minha vida sem ti”. Esses mesmos amigos simpáticos acham que eu não sei cozinhar. Não conhecem o meu passado de massas, saladas e inventos culinários. De jantares à luz de velas e receitas impressas no trabalho. E eu não refuto. Oculto toda e qualquer tipo história gastronómica. Porque, enquanto durar, continuarei a viver da fama de coitadinha-não-sabe-fritar-um-ovo. E direi, com orgulho, a todos os que quiserem ouvir: eu sou daquelas pessoas que não cozinha.

Welcome_to_my_life #4

Amanhã é o meu último dia neste turno-tortura. Foram três semanas intensas, stressantes e de um profundo auto-conhecimento:
- Descobri que posso ser totalmente asocial. Senão vejam: durante este período a pessoa com que tive mais contacto extra-laboral foi o Planctus: é verde, faz a fotossíntese e vive na minha sala. Conversamos muito e somos felizes juntos.
- Apercebi-me que sei mais asneiras em espanhol do que achava que sabia.
- Digo “bom dia” à senhora da TV que todos os dias dá as novidades da Bolsa. Chama-se Gloria, mas na redacção conhecemo-la carinhosamente como “Olga”. Somos felizes juntas.
- Digo coisas como: “Oh pá, já podia morrer alguém não?” ou “Va lá! Que apareça algum incêndio! Pirómanos deste pais, manifestem-se!”. Na redacção esses comentários são aplaudidos e vistos com muita naturalidade.
- Estou platonicamente apaixonada por uma voz.
- Odeio qualquer ser humano que não tenha olheiras.
- Aprendi que um segundo pode mudar a nossa vida (ou pelo menos a vida de um telejornal).
- O stress dá-me enxaquecas e as enxaquecas deixam-me de mau humor (dai que o Planctus seja actualmente o meu único – e melhor - amigo).

Welcome_to_my_life #3

Hoje acordei e o espelho assustou-se com as minhas olheiras. A minha media diária de de sono ronda entre as 4 e 5 horas por noite. Desisti de dormir a sesta e de fomentar o mau humor. Agora estou apenas cansada.
Acordo cansada e cansada chego do trabalho depois do almoço. Cansada arrumo o quarto, limpo a casa e vou ao ginásio. Dali volto com ainda menos energias. Já com um grau de estafamento demasiado elevado tento socializar e engolir a resmunguice, mas a uma certa altura da minha boca deixam de sair palavras, só grunhidos.
No fim-de-semana o relógio biológico fala mais alto e os meus amigos gritam com toda a força: “velha!” sempre que anuncio a minha retirada depois do primeiro bar. Durante a semana colecciono recusas de convites para ócio nocturno.
Mas agora já nem sequer me queixo. Também disso me cansei.

Welcome_to_my_life #2

Pronto. É oficial: sou motivo de chacota no trabalho. Em cada pausa para o café, em cada hora do almoço, o assunto é sempre o mesmo. Querem saber se dormi, como dormi, quanto dormi e, melhor, quantas pessoas maltratei durante a tarde. E eu, qual paciente sentada no divã, conto. Digo-lhes que outro dia, seguindo vários conselhos, decidi tirar o relógio do pulso e viver a tarde sem stresses. O resultado foi um dia de olhares desconfiados para a altura do sol e uma noite de ataques de pânico: “não sei que horas são, mas tenho de dormir”. Segundo fontes próximas, parece que me deitei à uma e meia da manhã. Quatro horas depois tocava o despertador. Seguiu-se-lhe o mau humor e cansaço correspondentes.
Conto-lhes também que no seguinte a essa desastrosa tentativa resolvi dormir uma sesta. O resultado foi uma tarde de quatro horas de sono babando a almofada e um acordar tão desesperado que me levou directamente ao ginásio. Uma hora depois estava de volta a casa, de banho tomado e outra vez na cama. Eles riem-se. Eu conto-lhes que sou assim, sempre fui, que preciso dormir dez horas por noite. Eles espantam-se, quase durmo mais tempo do que estou acordada, comentam. Mas dormir é fixe, tento explicar. Quando dormimos não precisamos comer, nem falar, nem conviver com outras pessoas. Podemos sonhar! Eles dão gargalhadas e acham-me estranha.
Acho que a minha popularidade laboral está a cair a pique.

#Welcome_to_my_life

5.15 – Toca o despertador.
5.30 – M. acaba de assimilar que o despertador tocou, que é de noite, mas que tem de se levantar. Que é de dia, mesmo que não haja sol (nem qualquer vestígios dele).
6.00 – M. sai de casa e começa um fernético zapping de rádio tentando anotar mentalmente quais as noticias mais importantes do dia. Desiste. Saca o bloquinho de notas e anota enquanto conduz: alerta acidente.
6.15 – M. chega ao trabalho. Acende as luzes da redacção e cumprimenta as empregadas da limpeza.
7h – A equipa da manhã já chegou (e quando digo “equipa” são as três pessoas com quem trabalha). O primeiro telejornal é às 8h.
11h – Já passaram 5 horas desde que chegou, já se emitiram quatro telejornais (um por hora) e M. ainda não se levantou da cadeira. “Ah, já é dia lá fora” (é a primeira vez que tem tempo para olhar pela janela).
14h – Já só falta uma hora de trabalho e o cansaço da equipe é notável. O resto da redacção vai chegando com cara de sono. “Cheiras a leitinho”, pensamos.
16h – Trabalho acabado e almoço comido. No caminho de volta para casa, os olhos fecham e o corpo dói. Objectivo: dormir uma siesta.
16.30 – “Mas eu não deveria dormir, senão não tenho sono à noite”. “Bem, se dormir só 20 minutos, depois aproveito melhor o dia”. Planos do dia: praia + ginásio + jantar com amigos.
19h – alkashdaskdhjsak! “Não acredito que dormi até agora!!!! Que idiota!!” Começa o mau humor de M.
19.01 – Insultos vários a si mesma.
20h – Liga-lhe um amigo: “Vamos jantar fora?”. Coitado, não sabe o que o espera.
20.30 – No restaurante. Silencio. M. revira os olhos e olha para o relógio. Responde mal, olha para o lado e amua. Neste momento odeia a humanidade.
20.31 – “Vamos para casa?”. “Mas acabamos de chegar”. M, furiosa: “Olha desculpa lá se tu tens um horário normal, caso não saibas eu tenho de acordar daqui a poucas horas, preciso dormir. Leva-me a casa ou apanho um taxi”.
22.00–M. já está em casa e o seu amigo odeia-a. M. põe-se na cama e… Cadê o sono?
23.30 – M. está furiosa porque não consegue dormir. A sua fúria não ajuda a que o sono chegue.
24.00– Começa a chegar o sono. O mau humor alcança picos históricos. Daqui a cinco horas o despertador tocará de novo.

Esta historia tem a variante de não dormir a siesta que, acreditem, é muito pior. O mau humor começa as 16, porque “tenho sono” e se prolonga até as 19h, quando muda para “tenho de estar na cama daqui a duas horas”. Como podem ver, ultimamente sou a melhor companhia do mundo.

Hard News

É domingo e tenho as unhas pintadas. São oito e meia da noite e já estou a pensar em dormir. Tenho o despertador para as 5 da manhã e planos para a tarde de segunda. Passei de bicho nocturno a bicho diurno.
É verão e a rádio toca Carlos Gardel. E ele canta: “Y aunque no quise el regreso siempre se vuelve al primer amor”.
Que venham estas seis semanas.

Férias-de-semana

Trabalhar é viver os fins-de-semana como férias. É chegar à sexta-feira, tirar o relógio do pulso, deitar na toalha da praia e suspirar. Porque trabalhar para mim é isso: ter fins-de-semana.
E então vamos de viagem, comemos em restaurantes, preguiçamos na cama até horas indecentes. Vadiamos pela cidade, dançamos até cansar. Bebemos e dizemos tonterias. Fazemo-nos passar por adolescentes inconsequentes. Porque as ferias são assim, irresponsáveis. Depois comemos porcarias, e comemos mais porcarias, vestimos roupas decotadas e despenteamos o cabelo. Damos erros idiomáticos e isso não nos preocupa. Sim! Pela primeira vez isso não nos preocupa minimamente. É que nas ferias, meus amigos, quem se interessa pela gramática?
E soma e segue. Porque férias não são férias se não se aproveita todos os segundos de cada dia. E então toca a comer mais, dormir menos, falar, falar, falar. Lemos o jornal, anotamos mentalmente os temas mais interessantes, pomos um post-it fosforescente de “não esquecer”; e de volta às férias. Comentamos a roupa do fulano e a atitude do sicrano. O verniz que estalou ou o sapato que rompeu. Porque nas ferias, e isso é a parte boa, não há reforma laboral, lei das caixas, fusão e Opas. Isso fica para mais tarde.
E o mais tarde vai chegando, e nós empurrando o tempo com a barriga. Ainda falta uma noite de cerveja gelada na esplanada e confissões sussurradas naquele sofá tão conhecido. Uma manhã de suspiros e um passeio de carro que já vai tendo cara de trabalho. E então entramos na redacção, mudamos de cara, pomos a nossa mascara responsável e começamos um novo countdown.

Vira-casacas

Estávamos ali no meio daquela praça tingida de vermelho. Ali, esmagadas e banhadas de copos de cerveja voadores. Ali, em biquinhos dos pés, esquivando-nos dos cabeçudos. Não vimos muito, é certo. Não vimos quase nada. Mas estávamos ali. E de repente, saltos, gritos, abraços, música, tambores, mais e mais saltos. Faltavam quatro minutos e tínhamos sido recompensadas por aquela tortura de cabeças e dores nas costas. Porque estávamos ali naquele momento histórico e isso não tinha preço. Começaram os cânticos e nós com eles. “Viva Espanha”, “Campeones!” e até o famoso “Yo soy español”. Até que alguém se apercebe e grita para as infiltradas: “Olha lá! Que é que fazem aqui a celebrar? Não estavam pelo Brasil?”. E nós respondemos, embrulhadas na bandeira vermelho-amarela: “Viemos ensinar-vos como se celebra uma vitória, é que sabes, já temos muita experiencia”.
No dia seguinte, olhos cansados, e cara amassada, alguém grita no trabalho: “A principal lição que eu levo deste mundial é que a Marina é uma vira-casacas!”. E outro acrescenta: “Ela tinha quatro equipas porque, no fundo, o que queria era só uma razão para celebrar”.
Missão cumprida. Muito bem cumprida.

A maldição dos piropos

No domingo estava a passear na rua e diz-me um homem: “Menina, caiu-lhe um papel”. Eu parei, olhei para o chão, fiz um scaner geral aos meus arredores e nada. Quando voltei a olhar para o dito homem, a ver se ele me mostrava onde estava o objecto perdido, ele põe cara de “sou doente mental” e responde-me: “O papel que te embrulha, bombom!”.
Para quem não sabe, eu tenho um imã para piropos nojentos. Recorde-se um dia em que, num centro comercial, um homem veio por trás de mim e disse-me, quase sussurrando-me ao ouvido: “A ti até te deixava mijares-me na boca”. Ou aquela famosa vez em que, passeando placidamente pela rua, um senhor grita-me: “Anda cá que o pai unta-te”.
A história do bombom podia ter sido só mais uma anedota para contar numa reunião de amigos, mas a primeira coisa que eu pensei quando ouvi a boca foi: “Será que voltou a maldição dos piropos?”.

Sobre o Portugal Espanha...

Primeiro fui expulsa da redacção porque “dava má sorte”. Depois recebi insultos, muitos “contigo não da para ver o jogo” e outras tantas ameaças de despedimento e deportação.
Uns minutos depois começaram os comentários: “Vão mais é vender toalhas!”, “Bebam vinho verde e deixem-nos em paz”, “Agora que vamos ter o Ikea, já não precisamos de vocês”. E eu ria-me e não insultava de volta. Menina comportada.
No intervalo, passeei, propositadamente, pela redacção. Poucas pessoas dirigiram-me a palavra.
Quando voltei para a “minha televisão” apercebi-me que me tinham deixado sozinha. Fui em busca dos meus amigos que estavam refugiados noutro canto do jornal:
“Hei! Vocês abandonaram-me!”, “Claro! Gritas demais, dás má sorte!”.
Voltei para o meu cantinho e o telefone tocou. Do outro lado disseram-me. “Não sei se percebeste que sempre que Portugal faz uma jogada, só se houve um pequeno gritinho histérico perdido no meio da tensão. Estás sozinha Marina, cala-te!” Haha.
Depois foi golo e, surpreendemente, começaram os sinais de afecto. O telemóvel não parava de tocar, as mensagens entrando a cada minuto e as comemorações foram todas, !que casualidade!, à frente da minha porta. “Gostamos de ti, mesmo que a tua selecção seja uma porcaria”, diziam-me.
Quando o jogo acabou, recebi muitos abraços e beijinhos, muitos pêsames e muitos pedidos de desculpa. “Queria certificar-me que a nossa relação continua intacta”, disse-me um amigo depois do jogo. Queria ver se tivesse sido ao contrário. Mas isto de ser cidadã do mundo tem essas vantagens: Vamos, Brasil, força! Dá-me esse gostinho.

Guapa

Começo pela lição da história: Nunca, mas nunca mesmo, aceitar ir a um debate radiofónico cujo tema inclua testosteronas ambulantes correndo atrás de uma bola.
Eu tinha avisado que não percebia nada de futebol, que nem sequer tinha visto os jogos. Mas eles insistiram, estavam desesperados e eu aceitei. Ensaiei duas ou três opiniões fundamentadas e lá fui eu.
Ao chegar ao estúdio apresentaram-me ao que seria meu companheiro de entrevista. Chama-se Andrade, não-sei-quê Andrade, e dizem que já foi a dois mundiais e a um europeu. Como suplente, claro.
E quando o dito cujo me vê entrar pela porta, diz:
- Uau, qué guapa. – Corei um pouquinho, fiz aquele riso de circunstância e continuei a ler o jornal. No big deal.
O que eu não sabia era que a partir daí iria ser vítima de uma tortura em directo na rádio. Podia descrever-vos com muitos pormenores a minha humilhação radiofónica, mas prefiro resumi-la em três momentos chave.
Apresentação:
Jornalista: E esta é a Marina
Marina: Olá, Bom dia
Andrade: Qué guapa es
(começam a discutir o tema e a Marina não volta a falar)
Primeira tentativa:
Jornalista: Marina, ainda não falaste, conta-nos de ti. Sei que és jornalista…
Marina: Sim, trabalho na VTelevisión….
Andrade interrompe: Por supuesto, con lo guapa que es!
(A conversa volta a centrar-se no jogador. Até agora a marina disse 7 palavras)
Segunda tentativa:
Jornalista: Marina, quem achas que vai ganhar?
Marina: Portugal! (nesse momento acho que disse uma ou duas frases mais)
Andrade: Se a Marina diz é porque é verdade!
Jornalista: Andrade pára de engatar a Marina em directo!
Andrade: Ela não quer nada comigo… Acha que eu sou feio…
(Marina, obviamente, não foi chamada a essa discussão)

E essa foi a história de como a Marina-que-é-guapa-e-por-isso-não-tem-direito-a-falar-batasta-lhe-com-ser-guapa foi humilhada publicamente e, de passo, foi ofendida pelas suas amigas feministas por não ter aproveitado para também insultar o raio do jogador machista.
Como podem ver, uma experiencia duplamente gratificante.

Um

Ultimamente tenho pensado muito na minha inaptidão para a matemática. E quanto mais penso, mais claro fica tudo na minha cabeça. Eu nunca tive queda para os números porque, no fundo, as contas são mais uma delirante invenção do homem.
Crescemos aprendendo a pensar que o dia-a-dia é composto por um círculo flexível e complexo de pessoas (que é como quem diz unidades) e relações. Que cada uma tem o seu peso relativo nessa equação interminável a que chamamos vida. Que com o passar dos anos vamos adicionando e subtraindo unidades, vamos mudando a ordem dos factores (que, dizem, não altera o produto) e buscando cifras finais. Dividimos, multiplicamos e fraccionamos. Fazemos contas à vida em cada festa de aniversário. Até que chega o grande momento de emancipação em que finalmente podemos dedicar o tempo que achemos necessário para memorizar a tabuada do dois. A rainha das tabuadas. Tudo recomendação da professora, essa sábia, que jura de pés juntos que o dois é a conta mais importante, a definitiva, a que teremos que saber na ponta da língua para o resto dos tempos se queremos que a nossa equação funcione. Então fazemos exercícios paralelos, conjugamos verbos no plural, pedimos uma tarifa plana de telemóvel, compramos pares de livros, de pequenos-almoços e de passagens de avião.
E então um dia, um iluminado e, talvez, triste dia, percebemos que “para quê tantas contas?” se no fim, sempre, no fim, o resultado da equação será única e inevitavelmente o mesmo: 1.

A arte de viver sozinha

Viver sozinha é comprar a baguete pequena e o mini pote de maionese que custa o dobro do pote normal. Viver sozinha é deixar a comida apodrecer no frigorífico. É ter um acesso online às contas do banco. Sentir uma facadinha no coração sempre que fazemos a transferência da renda. Viver sozinha é ter ajudas do estado por viver sozinha.
Dizem que é bom ser independente, mas quem o diz leva todos os dias para o trabalho as sandes que a mamã preparou no dia anterior. “Ser independente” é preparar as próprias merendas. É fazer contas à vida. É deixar a louça suja na pia e quando voltamos do trabalho ter de se esforçar o dobro para limpar a comida ressequida dos pratos. Viver sozinha é estragar as unhas a lavar a louça.
Mas mais do que valorações de bom, mau, regular, viver sozinha é uma arte. A arte de comer todos os dias a mesma comida e queixar-se que “cozinhar para um sai caro”. A arte de limpar no fim-de-semana e arrumar quando se desarruma. A arte de dormir e acordar com a cama vazia. A arte de, apesar de todas as criticas, continuar a achar que viver sozinha é uma arte.

A vida de ponta cabeça

Às vezes tenho a sensação de que a minha vida anda ao contrário das tendências do universo. Quando as meninas brincavam de casamentos e noivas, eu batia nos rapazes. Quando os rapazes começaram a ver algum encanto naquela rapariguinha de aparelho-orelhas-grandes-e-fato-de-treino eu dizia-lhes que só gostava do Kikito. Depois começaram as festas de garagem com os seus slows intermináveis, mas eu gritava a sete ventos que não gostava de dançar (na verdade, já me tinha apercebido da minha total inaptidão para a coisa e preferia não fazer figuras tristes). Em pouco tempo, mudei de escola e um dia disseram-me: “Ah! Não acredito! Essa tua camisa é da feira”. E a frase mudou a minha vida. Enquanto todas as raparigas choramingavam aos pais para que as deixassem ir às matinés com o seu novo “modelito”, eu amargava a vida à minha mãe porque queria comprar roupa na secção de homem, afinal, “têm de gostar de mim pelo que eu sou por dentro”. Matinés? Isso era para os populares.
Depois começou a fase das curtes, das paixões de verão, dos amores impossíveis. Eu vivi intensamente as histórias das minhas amigas, porque eu, claro, sempre tive namorado. Quando chegou a faculdade, esse tempo de rambóia e borga total, eu arranjei um grupo de amigas que gostavam de discutir politica, literatura e filosofia. Trocámos as noites de borga, por tertúlias num café à beira-mar.
Depois veio o Erasmus e com ele, a minha mudança de vida. Resolvi pegar em mim e ir por ai, pelo mundo, para onde a sorte me levasse. Conheci pessoas, ganhei experiencias, aprendi demasiadas coisas para esta minha cabeça de peixe. Mas agora, volto a casa com as minhas histórias de festas, irresponsabilidades e noites sem dormir. Com este tal espírito livre que tanto me custou ganhar e tenho a sensação de que estão todos a assentar. Falam de casamentos, de casas e do carro novo. Falam do enxoval, do sofá da sala e do aumento de ordenado. Quando eles voaram, eu pousei, quando eu voo, eles querem pousar. Acho que nasci de ponta cabeça.

Exercendo o desapego

Vocês podem não acreditar. Vocês provavelmente não acreditem. Mas eu estou a sofrer a ira de todos os deuses e astros do universo. E para evitar ouvir os típicos comentários do “és uma brasileira supersticiosa”, vamos directamente aos factos:
Um dia ia contente e feliz com o meu carrinho pelas ruas da Corunha quando, de repente, pum. Foi tudo muito rápido: um barulho ensurdecedor e o carro que meio que andou para o lado. Sai, meia zonza, meio em estado de choque, para ver o que tinha acontecido. Uma cedência de passagem não cedida. Um carro (o meu) com a lateral toda arrebentada e outro carro (o dela) com uns arranhõezinhos na parte da frente. Bom.
Depois de superado o estado de choque e o tremelique das mãos, cheguei a casa e resolvi ligar o computador para avisar os meus pais que estava tudo bem, que não tinha morrido, essas coisas básicas. E ora é então que… nada. Nem sinal de vida da dita maquina. Extasiada, liguei ao técnico, que me respondeu: “Olhe que esse arranjo vai sair-lhe caro”. A coisa ia bem encaminhada.
E quando começava a adaptar-me à vida sem internet e com um carro amachucado, eis que um dia, num jantar de amigos, o meu relógio faz plof, olha para mim com um ar depressivo e diz-me: adeus. Então dei-lhe um beijinho e pu-lo na bolsa. Quem vive sem computador, também vive sem relógio.
E nesta altura acreditei que todos os meus bens materiais já me tinham abandonado e que já havia superado a prova de desapego material. Até que um dia de manhã, entre uma e outra arrumação, pumba, bati com o pé na cama, dessas batidas normais, normalíssimas, de todos os dias. Mas claro, não se pode duvidar da força dos astros. E horas mais tarde, toca a inchar o dedo, a latejar, a gritar por ajuda. E eu, com muito trabalho para fazer, a tentar ignorar a dor. “Foi só uma batidinha”, pensava. Mas então deixei de poder andar. Arrastava-me de um lado ao outro da redacção com a cadeira de rodinhas e um gelo em volta do pé cheio de pomada. Resisti, mas acabei por tomar algumas drogas que, claro, não funcionaram. Então arrisquei a segunda dose. Digamos que nesse momento a dita dor parou, mas claro, fiquei grog, groguissima, com um raciocino a um por hora. Ideal para os programas em directo. Três dias depois tenho o dedo roxo, inchado e com movimentos limitados. Dizem que me vai cair a unha.
Tudo isto, meus amigos, em uma semana. Agora deixo ao vosso critério. Façam lá da vossa justiça.

Zen

Primeiro bati o carro. Depois estragou-se o computador. Por fim conclui que isto era apenas o universo a ensinar-me a fazer um exercicio de desapego às coisas materiais.
Então aqui vai: até que o meu computador volte do médico, não entrarei na net (horário de trabalho excluido).
Decreto então, oficialmente, e a partir deste exacto momento, o inicio da minha fase Zen.
Comentários só no fim da experiência.

Hube

Antes, era uma letra. Bem, na verdade nunca foi só um miserável e insignificante caractere. Sempre teve a sua graça, aquele charme da sexta feira à noite, das roupas hippies, dos sapatos vermelhos. Tinha um je ne sais quois, um algo.
Tão giro, tão original, tão valente. Porque não é fácil andar pela vida, assim, de nome esquisito e forma de piadas faceis, de símbolo do bom e do mau, de vítima dos mais disléxicos.
Sofreu bulling na escola. Isso é certo, certinho. Teve borbulhas na adolescência e deu o primeiro beijo depois dos vinte e muitos. Mas com a sabedoria dos anos, veio a confiança de ser diferente. Transformou os defeitos em vantagens, chutou o balde e deu o primeiro passo.
Agora é grande. Desde ontem, muito grande. Tem nome de televisão. Vtelevisão, ou, em espanhol, Hubetelevisión. É a minha nova casa e tem nome de letra. Vê, que é como quem diz, Hube. Já estamos no ar.

A interminável saga da toalha

Alerta: este post não é recomendável para cardíacos.
Devidos ao forte conteúdo desta mensagem e ao carácter altamente chocante e potencialmente suicida destas imagens, resumirei a minha longa linha de pensamentos em algumas frases em jeito telegráfico:

Ontem celebrou-se o Dia Internacional da Toalha. STOP. Dia que coincide com o Dia do Orgulho Lusista e Reintegracionista. STOP. Manifestações pelas ruas da Galiza. STOP. Pessoas com toalhas gritando Lusofonia, lá-lá, lá-lá, lá-lá. STOP. Pessoas semi-desconhecidas felicitando-me pelo dia do meu país. STOP. Descobri o site oficial deste movimento. STOP. Chorei durante uns minutos. STOP. A musa do dia da toalha é a Floribela. STOP. Vou-ali-suicidar-me-e-já-volto. FIM.



E, sim, estas coisas também saem no telejornal. "A Toalha é o simbolo de Portugal. A nossa primeira viagem Portugal foi a Valença para comprar toalhas a quilo".

Ahm?

Há uma “rapariga” do meu trabalho que não entende o que eu digo. Ela, e o atendedor automático que transforma o que dizemos em SMS. E cada vez que falo com ela, cada fez que falo com qualquer um dos dois, tenho vontade de chorar. Levanto-me e vou dar uma volta. Dou murros mentais nessa minha cabeça oca, estúpida. Mordo a minha língua de trapo, incapaz de reproduzir detalhes. Porque o cê não se lê igual ao zê, já sei disso. Que o á é sempre aberto e que os ditongos, os justos. A serio, por mais incrível que pareça, isto não é uma novidade para mim. Mas eu funciono como na escola, naquele típico teste de físico-quimica em que trocamos todas as fórmulas. Elas até estavam nas cábulas, mas nós, cobardes, não tivemos coragem de ver. Eu sei que poderia arriscar menos, usar sempre “não crente” ao invés de “céptico” (a serio, amigos, tentem dizer “escepticismo” em espanhol e, se conseguirem, ganham um rebuçado). Mas eu não faço isso.
E então quando falo com essa tal mulher do meu trabalho, ela começa a franzir a testa, põe uma cara de concentração, acerca os seus olhos à minha boca, e no fim, invariavelmente, diz: “Ahm?”.
Até que outro dia, fartei-me e disse-lhe: “Ouve lá, estas surda, deverias ir ao médico ver isso”. Ela ficou ofendida, mas eu resolvi parte do meu problema. Agora só preciso arranjar uma nova técnica para que o atendedor automático deixe de escrever “Hola, soy Martina”, ao invés de Marina e “Un queso”, ao invés de un beso.
Quando isso aconteça, serei uma pessoa feliz.

Uma viagem relâmpago

Era uma tarde normal, corrente, dessas de todos os dias. Até que alguém grita, lá do fundo, do sítio de onde vêm as grandes noticias. Era um grito bom. Demasiado bom.
E antes que eu percebesse, já tinha dado pulinhos de alegria, ligado aos amigos para desmarcar os planos, ligado a outros para fazer um pouco de inveja. Já tinha marcado o hotel, requisitado o carro e estudado o caminho. Impresso uma quantidade impressionante de informação religiosa.
E sem dar-me conta, eu estava no Porto. E o Papa também.
O problema agora era chegar até ele. Porque insistiam em perguntar-me: “Onde está a sua credencial?”. E eu pensava, “se você soubesse que esta viagem foi decidida há oito horas atrás não me perguntaria isso”. Mas tudo bem, faz um sorrisinho aqui, uma história triste ali, um “viemos de propósito desde Espanha”, omitindo o facto de que a fronteira está a 100 quilómetros.
E lá fomos nós convencendo e passando as barreiras. Pouco a pouco sentindo-nos tão importante quanto os mais importantes. Ouvindo histórias de noite ao relento e saltando com os famosos “E vivó Papa, olé, olé”. Registando tudo.
No fim colámo-nos aos correspondentes especiais do Vaticano, fingimos um sotaquesinho meio “mamma mia” e, sem precisar de grandes objectivas, gravamos o velhinho cansado a ler, educadamente, em português.
Foi uma viagem relâmpago, dessas que deixam gostinho a quero mais. Porque aquelas intensas sete horas tinham que resumir-se a um minuto e meio. Um minuto e quarenta e seis, com um pouco de choradinho. E monta no carro, e pára a meio do caminho, e grava o off, e envia. Tudo para, às onze da noite, receber uma mensagem daquele sítio de onde vêm as grandes noticias. Uma mensagem que dizia: “Parabéns, fizeste um bom trabalho”.

Fim-de-semana

Tive um fim-de-semana de desconexão e, quando voltei ao mundo, apercebi-me que a nuvem de cinzas tinha voltado ao ataque, que os voos tinham sido cancelados e milhares de pessoas dormiam nos aeroportos. Descobri que o Rei estava hospitalizado e que a pílula anticonceptiva tinha feito aniversário. Depois li que o Clegg está a fazer-se de interessante, que a crise da Grécia está cada dia pior e que Portugal terá um feriado nacional por causa da visita do Papa. Também ouvi alguma coisa sobre o Benfica e o Frederico Gil no Open de tenis. Nesses dois dias falou-se também sobre a bolsa espanhola que teve a sua pior semana desde o Lemon Brothers e sobre a fusão das caixas galegas que está por um triz. Falou-se muito. E demasiado.
Quando voltei a conectar os cabos e a emergir-me nesta apaixonante actualidade noticiosa, pensei: “Quero que seja fim-de-semana outra vez”.

Dr. House

Às vezes gostava de ser mais queridinha, mais mimimi, mais cuidadosa com as palavras. Não sou. Durante anos tentei lutar contra essa minha faceta bruta, tentei ser mais elegante, mais vaidosa, mais carinhosa. Não funcionou.
Agora sinto-me como se vivesse a história daquela amiga que vai mal arranjada para os primeiros encontros para que os homens gostem dela “pela sua beleza interior”. Agora, mudei a atitude. Fartei-me de querer ser aquilo que não sou.
Assumi o meu lado Dr. House, incorporei ao meu speech a frase “não vês que isso é parte do meu charme?”, e vira a pagina.
Como diz a minha tia. Se não gostas, meu amigo, sai da frente que a fila anda.

As vizinhas brasileiras

Os meus vizinhos têm três vizinhas brasileiras. E isso enche-os de orgulho. É tema de café, de escada e de elevador. Tema de amigos, de conversas e de cervejas. Então outro dia numa festa (vizinhos excluídos), fizemos um novo amigo, conversa para cá, conversa para lá e ele diz:
- Vocês por acaso não vivem na rua “xis”?
Nós, com um ar surpreendido, dizemos que sim, que como é que ele tem tal informação.
- Vocês são as vizinhas brasileiras de um amigo meu!
Não somos as vizinhas simpáticas que não reclamamos do barulho durante os jogos de futebol. Não. Não somos as vizinhas que puxam conversa no elevador. Não. Não somos as vizinhas que os convidam para festas. Somos as vizinhas brasileiras.
E então no dia seguinte comentei, com bastante indignação, esta história no trabalho. Queria falar de preconceito, de discriminação, dos lugares-comum que tanto odeio, mas antes que tivesse tempo de começar a minha discussão profunda, um amigo interrompeu-me.
- Calma ai, Marina, Tu vives com duas brasileiras?
- Sim…
- E COMO é que nunca nos apresentaste?
_ …
- Pessoal? Sabiam que a Marina vive com duas brasileiras?
(Som em coro: “uhhhhhhhhhhhhh”)
- Quando é que as convidas para sair connosco?
E assim vou aprendendo, pouco a pouco e com cada vez mais perícia, a conjugar o verbo “desistir”.

Gastar palavras

Quando eu era pequena, acreditava que o nosso corpo tinha algumas limitações. Uma delas era o numero de palavras que podíamos pronunciar durante a nossa vida. Não me perguntem onde fui buscar essa teoria, mas a verdade é que eu acreditava profundamente nela e, como uma boa menina-que-bate-nos-rapazes-da-escola rapidamente fiz com que as minhas amigas também começassem a acreditar nisso.
Não sei dizer quantos dias passámos com os dentes a morder os lábios para poupar palavras, quantas horas gastámos a conversar por gestos, quantos bilhetinhos escrevemos na hora do intervalo... tudo porque achávamos que um dia, quando fossemos maiores, iríamos precisar mais das palavras do que naquele momento.
Agora olho para trás e penso que gostaria de voltar a acreditar que as palavras são finitas. Queria que por um tempo os vocábulos desaparecessem da terra e que as coisas fossem feitas... E não apenas ditas (ou insinuadas).

Ele ressuscitou

É novinho em folha mas naquela noite, ai aquela desastrosa noite, achou que era boa ideia ir dar umas braçadinhas dentro da retrete. E então saltou dos bolsos das calças e plof.
O pior não foi ter enfiar a mão no meio do meu xixi para resgata-lo. O problema mesmo foi não poder dar-lhe um banhinho de desintoxicação. Mas pronto, uma secadinha aqui, outra ali e então começaram as rezas bravas para que a coisa não pifasse. "Va lá amiguinho, não me abandones, pelo menos não nesta noite". Mas claro, Puff, criaram-se bolhas no ecrã, o dito cujo começou a fazer sons estranhos e tremeliques duvidosos. Até que depois de uma noite de luto, pela manhã chegou a iluminação.
ARROZ.
Peguei num potinho, tirei-lhe a bateria, enchi-o de arroz e deixei aquela pequena criatura ali, mergulhada naquele mar de grãos brancos por um dia.
Então hoje acordei, fiz umas três ou quatro mezinhas, rezei para alguns santos fortes e dei-lhe ao botão vermelho e, plim!, ali estava ele, todo luminoso.
Então gritei bem alto, para toda a Coruña ouvir: "Ele ressuscitou!, Aleluia, aleluia!".
Agora estou a pensar em inscrever o arroz como candidato à beatificação:
"Senhor Papa, exijo que o arroz tenha nome de santo. Ele ressuscitou o meu telemóvel. Há algo mais bonito e digno que isso?"

O idioma inútil

Ultimamente tenho sustentado repetidas vezes uma teoria que gostava de partilhar com vocês. Ora, aqui vai: “Porque é que o espanhol é uma língua tão inútil?”
Vejam bem. Esta semana que passou estive a preparar uma reportagem sobre o vento. Sim, um tema extremamente apaixonante. Estava a comentar o meu “pré guião” com uma amiga, quando lhe disse:
- Y después le voy a preguntar por qué vienta tanto en Galicia...
Ela olha para mim, olha em volta, torce os olhos e diz:
- El verbo “ventar” existe?
Adoro quando me perguntam essas coisas. A mim, a super especialista no idioma hispano. Então concluiu-se que não, que em Espanha não “venta”, “faz vento”. E ai vem a minha teoria. Quero perceber, a serio, se souberem alguma explicação por favor ajudem-me, porque é que em Espanha, este país costeiro e de elevadas altitudes não existe um verbo próprio para o “movimento de ar”, mas em compensação existe cerca de 20 palavras para dizer “casaco”.
- Hei, passa-me ai o meu “abrigo” – disse um dia.
- Que “abrigo”?
- Esse que está ai ao teu lado…
- Não vejo nenhum – respondem-me visivelmente confusos…
- O preto!!!
- Ah! Isto não é um “abrigo” é uma “cazadora”…
Abrigo, cazadora, chupa, chaqueta, anorak, chubasquero, plumífero, impermiable, americana, blaser, chaquetón. E estas são apenas algumas das palavras que eu sei para dizer “casaco”… Imagem quantas mais existem perdidas por este país a fora. Agora chegam vocês e dizem:
- Ah, e tal, os esquimós tem 100 palavras para dizer neve.
Certo, isso já sei, mas amigos, a serio. Em Espanha há muito mais vento que frio, ou pelo menos em proporção relativamente iguais. Agora não haver um verbo para “ventar”? Parece-me um insulto à língua.
Mas não é preciso ir tão longe. Em espanhol também não existe o verbo “namorar”, o conceito de “festinhas” (dizem “cociguinhas”!?!) ou o verbo “soluçar” (!!!), mas pronto, não faz mal, porque têm 20 palavras para dizer “casaco”! Va, digam lá da vossa justiça: Este é ou não o idioma mais inútil que já conheceram?

Poco a poco

Desde que comecei a trabalhar nesta televisão, vivo sob um novo dilema que está, sem dúvida, a transformar-me.
“Poco a poco”, disse quando me deram pela primeira vez uma câmara para as mãos.
“Poco a poco”, disse quando abri o programa de montagem e descobri que não sabia fazer um corte.
“Poco a poco”, quando li o meu primeiro Off como quem lê o sermão da missa.
“Poco a poco”, quando tive de fazer a minha primeira aparição e gravámos cerca de 20 tomas falsas.
“Poco a poco”, quando se emitiu um erro de espanhol numa noticia feita por mim.
“Poco a poco”, quando ouvi (e odiei) o meu querido sotaque em plena televisão.
E assim, pouco a pouco, a minha vida foi organizando-se. Até que hoje, de repente, olhei para mim e conclui: “Mudei”.

É Hoje, ou uma forma lamechas de dizer "amor"

Lembro-me da primeira vez que soube do que se tratava. Lembro-me de duvidar. De chegar a casa e dizer “não sei”. Mas havia algo naquela pessoa, naquela maneira de falar, naquele projecto… “Não sei, mas sim”, respondi. E houve guinchos e assobios, “vendidaaaaa”, gritaram-me, insultaram-me, tentaram demover-me. E eu ri-me, pus a casa às costas e embarquei de olhos vendados naquela aventura com nome de vinho.
Por ali havia pessoas estranhas, calões desconhecidos e um ritmo nunca antes visto. Viajávamos, gritávamos e fazíamos silencio, ai o silencio. “Gravando!”, diziam e ninguém ligava. Os meus olhos eram os únicos que brilhavam sempre que ouvia aquela palavrinha tão desgastada: “Gravando!”, diziam, e eu pensava, “Isto é real”. Pouco a pouco fui apaixonando-me por tudo aquilo, por cada movimento, cada mudança de guião, cada histeria de cada actor. Eu sei que isto tudo parece um grande cliché, na verdade, acho que esta história de amor foi realmente uma gigantesca lamechice, mas de todas as formas, ou quem sabe, por isso mesmo, vale a pena ser contada.
Porque o que aconteceu depois foi um drama daqueles bem grandes. Do nosso amor gerou-se um filho e eu (desta vez sim, traidora!, traidora!), abandonei o meu bebé dias antes do seu nascimento. Peguei em mim e na minha casa móvel e partimos sem olhar para trás em busca de novas aventuras. Perdi todos os desejos, os enjoos de última hora, as queixas de como a barriga pesava, os nervos do dia do parto. Perdi o primeiro pontapé. Pedi-os mas vivi tudo à distância, como aquele avó expatriado. Enviaram-me fotos, vídeos, mensagens. E eu vibrei, gritei e chorei de alegria a cada nova meta atingida. “Mas já não é o teu bebé” diziam-me os que não entendem nada da vida. E eu olhava com desprezo e só porque esta é uma história de amor lamechas, dava-me ao luxo de responder: “Mesmo que não veja o seu parto, será para sempre o meu filho”.
Tudo isto, todas estas letras melancólicas, para dizer-vos que hoje é o dia. O DIA. Eu sei que já não sou sua mãe, mas hoje, às 22.15 sofrerei como se saísse do meu útero, e durante esta noite, até ao anuncio da sentencia final, não conseguirei dormir.
É hoje, meu amigos, sete meses depois chegou o dia: é hoje:

Martes 13

Hoje sinto-me ultrajada, traída, absolutamente revoltada. Imaginem que um dia vocês acordam e descobrem que andaram a mentir-vos a vida toda. Que, sei lá, são adoptados (Mãe, Pai, esta é a vossa deixa), que afinal o gato que dá azar é o branco e não o preto, que os 7 anos de mau sexo vêm de brindar e beber e não de brindar sem beber. Ou... quem sabe... que o dia maldito, o mundialmente famoso dia maldito, é "Martes 13" e não "sexta-feira 13". Acordas a achar que é um dia normal e, pimbas, na rádio, no jornal, nas conversas de café. "Hoje é o dia do azar".
Tentas revoltar-te, explicar que estão errados, que isso é quando os dias treze são à sexta-feira. Contas-lhes do filme, dos livros, das festas da escola. Eles riem-se de ti e das tuas frustradas tentativas de internacionalizar este país.
Mas tu controlas-te e dizes que não, que não vais sucumbir a esta ignorância social. E então lá vais tu, toda pimpona, gravar a tua reportagem... Era às onze, mas começou as 12.30. Era sobre um taxi de cães. Mas, infelizmente, não havia cães.
"Não faz mal, marina, tudo vai correr bem". E então chegamos ao carro e... Tcham, tcham. Janela do carro partida, vidros por todos os lados, seguro, oficina, não dá tempo para almoçar.
No fim do dia, de volta à redacção, lá estas tu, toda graciosa, a contar a tua aventura. Os teus ouvintes riem-se. Riem-se demasiado para uma historia tão banal. Não percebes, perguntas. E a resposta, claro que não podia ter sido outra:
"Parece que os que estavam enganados eram vocês. Afinal o dia do azar é mesmo a terça-feira 13".
Têm ai algum espanhol à mão para eu estrangular?

Um normal, se faz favor!

Não gosto de homens que me “cedem o passo”, abrem a porta e pagam a conta. Também não gosto de homens que nunca o fazem. Gosto de nerds, de frikis com marcas de acne e, quem sabe, um ou outro episodio de bullying escolar. Que adorável! Gosto de míopes. E de óculos com armação. Ténis, calças largas e t-shirt. Camisa, melhor não.
Gosto do Obama. E dos médicos em geral. Gosto de homens com poder e detesto mandões. Abaixo os surfistas, cabelinho loiro e olhos azuis. Gosto de homem com cara de homem.
Gosto de altos e, se puder ser, desengonçado. Acho tosco adorável. Gosto de homens que gostam de mim. Ah, e das minhas orelhas. Sou chegadinha nuns caracóis despenteados e tenho queda para calos de guitarra. Mas nada que anos de pratica e uma boa cabeleireira não resolvam.
Homem que é homem gosta de batatas fritas com Ketchup e hambúrgueres do McDonalds, não me venham cá com saladinhas. Mas melhor que não goste de gomas, ou teremos problemas. Gosto de gordinhos, pronto admito, e de magrinhos também. O meio-termo aborrece-me. Detesto gente morna, ai como detesto.
Gosto de cicatriz, nariz torto e pés de Hobbit. Adoro pés de Hobbit! Não me tentem impingir os dentes tortos que isso enerva-me. Ah, quase me esquecia, se for possível, queria também uma borbulhinha ou outra, pode ser? Dessas boas de espremer o pus.
Tudo isto porque as minhas amigas dizem que tenho mau gosto. Não percebo.
Eu só gosto de homens normais. Mais nada.

Três países, muito stress

Agora por causa da polémica das bandeiras de España em Valença a imprensa galega achou que era o momento ideal para comparar a economia portuguesa/galega/espanhola e concluir, como não poderia deixar de ser, que Portugal é horrivel enquanto que a Espanha (ah, a Espanha e o seu 20% de desemprego) é um grande país.
Como já devem ter percebido este é um tema que me é muito caro e para o qual tenho especial sensibilidade. Irrita-me, enerva-me profundamente, quando os espanhóis começam com aquele discurso de "coitadinhos dos portugueses, são tão pobrezinhos". É nesse momento que lanço as minhas garras e salto em protecção do meu país. Mas depois, claro, lá vêm os portugueses com o típico "estás a viver em Espanha? Odeio espanhóis". E então eu volto a irritar-me com este complexo de inferioridade do filho mais novo. "Pois fica sabendo que é um povo muito mais alegre, optimista, trabalhador e empreendedor que os portugueses e a sua ridícula mente fechada". E, pronto, lá estou eu irritada outra vez.
Mas depois dizem-me: "Ah, nasceste no Brasil? Uhhhh, carnaval, caipirinha e mulheres nuas". Dentes a ranger e vasta dissertação sobre como "o Brasil será a próxima potencia mundial e devias estar mais atento ao que se passa à tua volta ao invés de ficar ai fechado nesse teu complexo de superioridade do velho continente". E assim vou ganhando inimigos.
Até que chegam os brasileiros (ai, os brasileiros) que me dizem que os portugueses são burros: "Burro é quem acha que generalizando será alguém na vida". E depois começam a queixar-se dos espanhóis. Que são muito formais, muito presos, muito parados, muito não sei quê: "E já pensaste que se calhar o problema está em vocês, que se calhar vocês é que são demasiado liberais, conheci-te-hoje-já-somos-melhores-amigos e não-há-mal-nenhum-em-ir-para-a-cama-com-cinco-na-mesma-noite?"
Basicamente, este é o problema de "ter" três países: passas a vida stressada a tentar defende-los a todos.
Até que um dia dizem-te:
- Que lata, ficas furiosa quando alguém diz mal dos teus países, mas tu passas a vida a critica-los.
- É simples, caro amigo. É que eu tenho autoridade para fazê-lo, tu não.

Spanglish

Sou uma pessoa feliz.
Estou neste momento a preparar uma reportagem chamada "Como falamos ingles", que é como quem diz, quão mal falam ingles os espanhois. Delicioso, delicioso! Deve ter sido o dia mais divertido de trabalho que já tive na minha vida. E... só porque gosto muito dos meus leitores, aqui fica uma das perolazinhas que incluirei na minha reportagem:

Franco falando inglês:


Viva Espiña!

O sotaque

Desde que me mudei para Espanha que incorporei uma nova reacção inata à minha fisiologia. Sempre que começo a falar com um desconhecido e ele põe uma cara esquisita eu automaticamente digo:
- …. De Portugal…
Normalmente a pessoa fica meio confusa e diz algo como: “Desculpe?”, ao que eu respondo:
- Essa sua cara… Não queria saber de onde era o meu sotaque? Sou de Portugal.
Isso facilita muito as coisas, e, acreditem, já quebrou o gelo em diversas situações constrangedoras.
Mas o melhor de voltar à Galiza é que a seguir a esta cara vem, inevitavelmente, a frase:
- Ah! Me encanta Portugal!
E eu derreto. Já passaram dois anos e eu continuo a derreter. Respondo sempre:
- Por supuesto que te encanta! Es el mejor pais del mundo!
Cof.
Cof.
É tão bom ser estrangeiro.

Touca, chinelos e meias

Um amigo deu-me de presente "um dia num spa" e hoje, depois de passar oito horas falando/escrevendo/montando noticias sobre os despedimentos da Citroen, pareceu-me o dia ideal para desfruta-lo.
Então muni-me de fato de banho, touca e chinelos e lá fui eu para o famoso centro de relaxamento. Quando cheguei, o rapaz da recepção disse-me que o balneário estava na primeira porta à direita e lá fui eu, toda obediente.
Pousei as minhas coisas e toca a tirar os sapatos (deixando as meias para não apanhar frieiras), calçar os chinelos, pôr a touca. E então tira a parte de cima, a de baixo e.,.. no momento em que me preparava para vestir o fato de banho... Ali estava ele: um homem estupefacto a olhar para mim. Eu, estupida, não tive reacção. Fiquei petrificada a olhar para ele enquanto ele contemplava essa bela imagem da Marina nua de chinelos, meias e touca. Não gritei, não me tapei, não fiz nada. Fiquei ali quase um minuto, dois, três (?), a rezar para que ele passasse. O senhor, envergonhado, seguiu o seu caminho e dentro de segundos voltou na companhia do rapaz da recepção: "Menina - diz, o recepcionista- estes vestiários são mistos, você não pode andar nua pelos corredores". Eu, que continuava com as meias vestidas por dentro dos chinelos, já não sabia onde me esconder. Virei-me então para o senhorzinho que ainda se estava a recuperar do choque e apenas consegui dizer-lhe: "Desculpe, é a minha primeira vez, eu não sabia".
O senhor não respondeu. Virou-me as coisas e foi-se embora com cara de ultraje. Agora estou à espera que chegue a minha casa o pedido de indemnização por danos morais. Já estou a guardar dinheiro.

CGA

Jantámos batatas fritas e pizza com Ketchup. Depois disso achei que era hora de voltar a atacar o meu querido saquinho de gomas. Cinco, dez, quinze... e então o estômago gritou e deu nó. Agora queria dormir mas a barriga não deixa. Ela grita por baixo do cobertor: "Gulooooooosa..." enquanto faz barulhos esquisitos. Concluo que isto é mesmo uma doença e que preciso de ajuda médica. Existirá algo como os "Comedores de Gomas Anónimos" (CGA)?

Detox # O fim

Por uma questão de tradição e respeito, o primeiro doce que o meu faminto estômago teve o privilegio de comer foi um pedacinho do ovo de chocolate que me ofereceu a minha mãe. Foi bom, não nego, foi bom. Mas não foi (nunca é) tão orgásmico como se esperaria, nem tão intoxicante como o desejado.
No fim do dia, sentei-me no quarto e pensei, "Marina, tu mereces". Fui ao meu armário e saquei cá para fora o meu super saco gigante onde guardei todas as gomas que acumulei na minha estadia em Madrid. Escolhi as melancias (sem duvida as minhas preferidas), deitei-me na cama e saboreei. Uma, duas, cinco, dez. Na décima primeira deu-me dor de barriga e tive de parar. É por estas e por outras que eu gosto tanto de desintoxicar-me de vez em quando.

Ai fica a prova do crime:
Uma boa Páscoa para todos!

Detox #16

É amanhã.

O Kikito

Não sei se todos se lembram disso, mas quando éramos pequenas (uns doze anos?) havia uma moda bastante irritante na escola. Cada menina desenhava na sua mão uma coisa que se chamava “kapa igual a”. O objectivo era dizeres o número de letras que tinha o nome do menino de quem gostavas.
É ai que entra a melhor parte da história. A Marina, essa maria-rapaz, de sotaque esquisito, orelhas grandes, aparelho nos dentes e que batia nos rapazes, todas as manhãs chegava à escola e desenhava um grande e elaborado “K = 6”. Então toda a gente começava a dizer “Miguel?”, “Duarte?”, “Afonso?”. Não, não, não. Eu acabava sempre por dar a volta ao assunto e voltar para casa orgulhosa do meu segredo.
Chegou então o grande dia da revelação. Preparem-se.
Tcham tcham tcham tcham.
K=6. Kikito.
Kikito, para quem não sabe, é a alcunha do meu querido, adorado, amado e devoto Ricky Martin. Sim, eu era fâ do Ricky Martin. Mas eu não era só uma fã normal e corrente, estilo, “é giro e canta bem”. Eu achava, e bem no fundo do meu coração acreditava, que eu e o Kikito formaríamos uma vida juntos. Durante muitos anos acordei no dia 24 de Dezembro e o meu primeiro pensamento foi “Parabéns Kikito”. (O quê? Vocês não sabiam a data de aniversario do Ricky?). Durante muitos anos suspirei sempre que entrava no quarto e olhava para a minha parede (literalmente forrada com posters do Kikito). Houve até um dia que um poster dele caiu em cima da minha cabeça enquanto eu dormia e eu fui para a escola dizer que “era um sinal”.
Depois fui crescendo e as pessoas ficavam indignadas: “Como assim eras fã do Ricky Martin? É tão gay e canta tão mal.” Mas o que ninguém percebia é que o que eu senti por ele era muito mais profundo e ia muito mais além de um simples rebolar de cintura. Até que chegou o dia do anúncio da “gravidez”. Confesso que pensei, “Ricky? Porquê contratar uma barriga de aluguer? Se tinhas aqui o meu útero, todinho à tua disposição?”. Mas não me zanguei com ele, a serio que não, “outros filhos virão”, disse-lhe por telepatia.
Foi então com assombro e surpresa que esta semana entrei nos mails e tinha quatro mensagens com o assunto “Ricky Martin é gay”. Havia pêsames, mensagens de força e outras de troça. A todos respondo sempre o mesmo:
Caros amigos, não se preocupem, ele está apenas confuso. Chegará o dia em que nos conheçamos e ele diga a frase pela qual esperei toda a minha vida: “Onde andaste todos estes anos Marina?" Teremos filhos e viveremos felizes para sempre.

Detox #15

Ontem fui jantar com uns amigos e eles pediram de sobremesa uma "tabua de degustação de doces". Olhei para aquilo com indiferença. (E havia Cheesecake!). Considero concluído o meu processo de desintoxicação.
P.S - Hoje sonhei a noite toda que comia chocolates... Mas isso não conta, pois não?

O sr. inglês

Estava eu na redacção a montar a minha querida reportagem, quando me telefona um jornalista “da casa”.
- Marina, é verdade que entrevistaste o cozinheiro inglês que está na Galiza?
- Sim.
- Podes passar-me o contacto dele para lhe fazer três perguntas?
- O sr. Chama-se Rick Stein – digo. (Sim! Eu entrevistei o Rick Stein!!)
- Como?
- Rrrrik Essstaaaiiinnnneeee – clarifico.
- Ah, mas esse quem é? O cozinheiro ou o tradutor? – pergunta, confiante.
- Não, ele não tem tradutor.
- Como não? – revolta-se – E então como o entrevistaste?
- Em inglês…
Silêncio.
- Bem… Se calhar é mais fácil se me contares directamente o que ele te disse, porque assim escusamos de chatear duas vezes o pobre senhor.
....
Por hoje é tudo.

Congratulations!

Hoje, conversando com o assessor de imprensa para preparar uma entrevista:
- Pode ser às 10h? – pergunto.
- Ah, não, é que às dez não vou poder estar por lá – diz, meio atarantado.
- Mas não há problema… Eu apresento-me directamente ao senhor.
(silêncio, murmúrio, confusão)
- É que não está a perceber… - acrescenta o assessor, com tom de superioridade - Este senhor só fala inglês e eu não estarei lá para traduzir
- Ah! Não se preocupe, eu também sei falar inglês.
- Mas tem a certeza que consegue fazer uma entrevista inteira em inglês? – pergunta, incrédulo.
- Consigo fazer isso e muito mais! – comento em tom de troça.
E então ele pára, pensa e conclui:
- UAU! Parabéns!

Com muita vergonha minha, caros amigos, este é o país em que eu vivo.

Detox #14

Faltam exactamente seis dias para terminar este meu (duro, intenso e torturante) período de desintoxicação. Ultimamente tenho dedicado as minhas horas livres a pensar qual vai ser o primeiro doce que vou comer depois desta eternidade em abstinência. Toda a gente sabe que a primeira vez é muito especial e, portanto, tem ser muito bem planeada. Então, ajudem-me lá, leitores e amigos: alguma sugestão?

Festa ou trabalho?

Hoje um amigo (habituado à minha rotina madrileña) ligou-me às nove da noite. Por alguma razão eu não escutava o que ele dizia do outro lado da linha. Mantive durante um minuto uma conversa unilateral de "tou?", "Toooooou", "não te ouço..." e depois desliguei.
Ao cabo de uns minutos recebo uma mensagem: "Desculpa, não sabia que estavas a dar uma festa em tua casa. Depois falamos". Não era uma festa. Era o som ambiente do meu actual trabalho. Deadlines de uma em uma hora, gritos, insultos, gargalhadas e aplausos. Será que estou a adorar?

Eu pequena e ela grande

Sempre tivemos uma relação complicada, eu e ela. Desde que éramos pequenas, que dizer, eu pequena e ela grande, ela sempre grande, sempre muito grande. Então eu olhava para ela com um ar de desprezo, com aquela cara de nojinho que fazemos sempre que vemos uma lesma gosmenta pelo chão. Nojo, repulsão, horror. Era isso que eu sentia por ela. Desculpem. É a verdade. Claro que a nossa história não vem de agora, nem de quando éramos pequenas (eu pequena e ela grande), vem do tempo que em nós ainda só éramos um subconsciente. Daquele tempo do qual só recordo uma pequena e concisa frase: “Hei, qualquer dia podes voar”, diziam-lhe. E eu ali, chorando e remoendo-me de inveja. Sempre sonhei em ser um pássaro.
Mas nasci mulher e, como todo o ser humano, lá tive de aprender a lidar com o absurdo da existência. E como, por mais que eu evitasse, disfarçasse, mascarasse, ela acabava sempre por aparecer, eu resolvia o problema na faca. Rasguei fotos, meti-me em lutas, bati, insultei e amuei. Eu não gostava dela. E ela, ai dela, nem sequer tinha direito a opinião.
E então agora, depois de uma vida controlando os danos, reparando os resíduos, mascarando o inevitável, ela está aqui, livre, leve e grande, cada vez maior, à vista de todos.
Hoje fiz o meu primeiro directo para a televisão, mas quem apareceu no ecrã não fui eu e o meu sotaque luso-brasileiro-italiano. Eu, e o meu cachecol roxo, presente do meu amigo das terras baixas. Eu, e a minha informação precisa, o meu sorriso-de-dez-anos-de-aparelho. Eu e, sei lá, os meus olhos verdes. Não. Quem encheu o ecrã a todo o vapor, assinou a sua carta de emancipação e gritou de pulmão cheio “estou aqui!”, foi ela. Mais uma vez, ela.
Hoje a minha orelha de Dumbo foi a protagonista de um directo para a tv. O seu primeiro directo. Por favor, uma salva de palmas em sua homenagem.

Detox #13

É como aquele rapaz giro que sabemos que nunca nos vai telefonar. Como a viagem dos nossos sonhos que nunca poderemos fazer. Como as enxaquecas, o teletransporte e o príncipe encantado: impossíveis de resolver.
Já me passou a vontade de comer doces. Eu agora olho para eles, assim, com a resignação passiva daquele sonho longínquo que nunca realizarei.
E considero assim oficialmente aberta a última fase do meu período de desintoxicação.
(Só faltam 10 dias)

Uma tarde livre

Hoje fui ao shopping para aproveitar a tarde livre. O resultado foi surpreendente:
- Tres pares de tenis;
- Cinco camisolas;
- Duas malas;
- Um cinto.
Valor total da compra: 40 euros.
Primark, TE QUIERO!

Detox #12

Hoje no trabalho começaram a oferecer chocolates. Quando o saquinho das tentações passou por mim, eu disse com o meu sorriso amarelo de sempre:
- Ah, não, obrigada, agora não quero.
E foi então que uma colega comentou:
- Já repararam que a Marina diz sempre que não aos doces?
Ao que alguém responde:
- Sim! É por isso que ela é tão magrinha.
Ai... queridos amigos... se vocês soubessem da missa metade...
P.S.- Achei que não era uma boa táctica de "integração social" chegar ao novo trabalho contando que sou viciada em gomas e que actualmente me encontro no meio do meu processo de desintoxicação. Preferi fingir que sou uma pessoa normal. Até hoje a táctica está a funcionar medianamente bem.

A Dasi e a Joso

Há uma das raparigas do meu trabalho que tem a mania de arranjar alcunhas para toda agente. A experiência ensina-me que nessas situações não há nada a fazer, porque quanto mais lutamos contra uma alcunha, mais ela pega e, portanto, o melhor é sempre "calar e consentir".
Hoje esta amiga apresentou-nos uma amiga sua. "Esta é a Dasi", disse. E a fulana corrigiu, "Sou a Lucia, um prazer". Claro que uma conversa puxa a outra e lá tivemos de perguntar porque é que a alcunha dela era Dasi. Então a minha amiga presenteou-nos com a sua lógica magistral.
- É simples - disse - De Lucia passou a Luli e Luli rapidamente evoluiu a Lula. Como o único Lula que eu conheço é o Lula da Silva, comecei a chamar-la Da Silva. Desse modo, claro, rapidamente a alcunha se transformou em DaSi.
Depois do momento de risota geral, eu comentei algo como: "És maluca!", ao que ela respondeu:
- Nao te queixes muito Mari-Mari que qualquer dia ganhas uma alcunha mais original.
E então alguém gritou lá do fundo:
- Joso, podía ser Joso!!
Eu fiz uma cara de "não-entendo-nada-do-que -se-está-a-passar-aqui" e veio a temida explicação:
- José Sócrates, Jo-So.
...
Não, por favor não. É que só me faltava essa.

Detox #11

Hoje já é terça feira e é a primeira vez nesta semana que penso em doces. Ok, a semana só começou ontem, mas concluo que, no fundo, a gula é só um indicio de falta do que fazer.
(ai, como me vou arrepender de ter dito isto...)

Tudo menos as unhas

No trabalho chamam-me "Marina sorriso".
Porque quando nos disseram que sairíamos à rua com uma câmara no ombro, eu soltei uma gargalhada. Quando a minha companheira abandonou-me a meio da minha primeira montagem, eu respirei fundo, sorri e trabalhei até de madrugada. Quando me contaram da produção, do carro, do computador e dos turnos, eu não me importei, a serio que não!
Mas hoje o meu chefe disse-me:
- Ah, e esse verniz vermelho tem de sair.
Eu ri-me, claro, e comentei algo como: "Ha-ha-ha que boa piada, os homens não percebem nada de moda"
E então ele respondeu, meio serio, meio a brincar:
- Não quero nada que distraia a atenção do espectador.
(silêncio) A coisa era mais seria do que eu esperava.
Então senti que era momento de apelar.
Tentei explicar que o espectador adoraria ver unhas bonitas na televisão, não funcionou. Que eram uma marca da minha personalidade, ele não caiu nessa. Que queria conversar com a nossa estilista, ele disse que era o chefe dela. Que iria queixar-me ao sindicato, ele lembrou-me que eu não estava inscrita.
Transtornada, e vendo que não havia como demove-lo, fui para casa, glup, peguei na acetona, glup, e no verniz transparente, glup glup, e pus mãos à obra. Quando acabei o serviço mandei uma mensagem ao meu chefe: "A antiga Marina morreu, favor enviar o seu corpo de unhas pintadas para a sua residência portuguesa".
Ele riu-se. Mas eu não.
Estou de luto. E nem sequer posso ter as unhas pintadas de preto.

Capturaste? Renderizaste?

VTR, colas, P2 e Edius. Captura, planos e paneo. Balanço de brancos, filtros ND, ganacia e shutter.
Apresento-vos os meus novos amigos. Os responsáveis pelos meus mais recentes pesadelos e tremeliques nas mãos. Chegaram meio áridos, meio com cara de leite azedo. Eles e os quilos que se depositaram nos nossos ombros, !ai, as minhas dores de costas!, eles e o seu manual. Mas são meninos de personalidade forte. Rapidamente criaram um espacinho nas nossas conversas, nas nossas preocupações e prioridades. E, sem que nos déssemos conta, estabeleceram-se no top no nosso vocabulário. Capturaste? Renderizaste? Usaste filtros ou ganâncias? Não!, não faças paneo!
E, sem que ninguém se desse conta, ou assinasse uma carta de autorização, a nossa vida mudou. Dou por mim a sonhar acordada com os dias de gritaria na redacção, com os stresses do “não vai dar tempo”, com as vitorias e derrotas, o “estamos no ar” definitivo. Olho para trás e penso: “Como consegui viver tanto tempo sem isto?”.

Detox #10

Coloquei todas as minhas gomas acumuladas (são muitas) num saco e pus o dito cujo na ultima prateleira do meu armário da cozinha.
Ás vezes, quando não tenho nada para fazer, abro o armário e fico ali, minutos sem fio, olhando. Só olhando.
O que o os olhos não vêm, o coração não sente.
Gomas, I miss you...

Detox #9

Hoje, como seria de se esperar, desmaiei no meio da minha primeiríssima reportagem para a televisão. Quando voltei ao mundo dos vivos, uma amiga disse-me:
- Marina, estás bem? Que te passou?
- Acho que tive uma quebra de tensão - respondi, já por inércia.
É nesse momento que ela põe uma cara de pânico e começa a gritar:
- Açúcar, açúcar, tragam açúcar que a minha amiga desmaiou!!
Então eu, de repente, no meio da minha zonzice, apercebo-me do problema em que me iria meter e digo, com o que me restava de forças:
- Não, por favor, açúcar, não. (pausa para respirar fundo e pensar numa solução rápida). Melhor uma coca-cola.
...
Isto já se está a tornar preocupante.

"Ah não, isso é impossível!"

Talvez seja eu e essa minha obsessão de que “aprender é crescer”. Talvez seja eu e essa minha sede insaciável de desafios e aventura. Talvez eu seja apenas muito nova e não consiga medir as consequências. Talvez, quem sabe.
Mas a verdade é que não consigo entender quem leva a vida de outra forma.
Então chegas lá, tu, toda confiante e cheia de vontade. Chegas lá e dão-te a volta aos planos. Parece que além de A, teremos também de fazer B. “Como assim B?” dizemos num primeiro momento. “Nunca aprendemos a fazer isso, não, nunca seremos capazes”. E dizem-nos que sim, que há que fazer, que não há alternativa.
E então, sei lá, pode ser uma coisa minha, mas eu, perante tal situação, penso:
- Bem, ok. Toca a concentrar-se, estudar, aproveitar todos os minutos do dia, que fazer B não deve ser tão complicado.
Pode ser optimismo em demasia, mas verdade é que nesse momento até me chega por passar pela cabeça: “Ah, que bom!, vou aprender a fazer outra coisa nova”.
Agora o que eu não posso entender são essas pessoas rancias, pessimistas e apegadas que decidem investir todo o seu tempo e energia restantes a criticar, protestar, queixar-se. Dizem que não são capazes, que assim não pode ser. Perguntam a opinião de fulano, cicrano e beltrano. Querem ouvir mais reproches, mais lamentos, mais revolta. Querem sentir a sua dor partilhada por todos. Que todos lhes dêem razão. Que sim, que é muito difícil, demasiado complexo. Que será impossível fazê-lo bem. E acho que isso, de alguma maneira, os conforta.
Eu se calhar sou passiva demais, optimista demais, submissa demais. Mas é que se me dizem “ou sim, ou sim” eu opto sempre pelo sim bem feito e empenho todas as minhas energias em consegui-lo. No entanto, isso deve ser um problema meu. É que só pode.

Detox #8

Ontem guiei durante seis horas seguidas. Como não podia partilhar essa grande viagem com as minhas companheiras "gominolas", optei por comprar batatas fritas.
Cheguei ao meu destino com dores de barriga.

Então adeus

Hoje é um dia triste. Um dia triste que precederá muitos dias felizes, espero, acredito. Mas isso agora não importa. Não lhe tiremos a importância a este momento.
O dia do adeus, até já, abraços apertados e chocolates que não posso comer. O dia dos presentes, da boa-sorte, do “tenho a certeza que tudo vai dar certo”. O dia da dúvida, do aperto no peito e da lágrima engolida com um sorbo de cerveja. Uma manhã de olhos inchados, sussurros e momentos de meditação debaixo dos lençóis.
O dia do “último”. O último almoço, a última pausa a meio da manha, a última discussão com actores impertinentes, a última queixinha, a última vez que dizemos e gritamos a quatro ventos “com o dinheiro que ganha, devia lamber o chão em que pisamos”. A última piada que vai para a parede, a última “tu estás gorda, cala-te”. O último dia sentada nesta cadeira tão minha.
Então adeus. Adeus computador barulhento, telemóvel que não vem factura no fim do mês, canetas, papeis, apontamentos e arquivos. Adeus recortes de jornais e actualizações de pagina web. Adeus entrevistas recusadas e outras pedinchadas. Adeus campanhas de promoção, ante-estreia e conferencias de imprensa.
“Se te arrependeres, volta”, dizem-me e eu digo que sim. Mas no fundo todos sabemos que este é o último dia. Depois de hoje: bye bye, kaput, até uma próxima vida.

Detox #7

Não sei se já comentei aqui, mas em Espanha existe um “estranho” hábito (ainda não decidi se acho estranho ou genial) de levar doces para o trabalho sempre que algo de bom acontece na nossa vida.
Sim, eu disse doces.
Então ontem, como quem não quer a coisa, perguntei:
- E se eu amanhã ao invés de levar doces, levasse, sei lá, folhados de salsicha?
- Folhados de salsicha??? – responderam-me com aquela cara do “marina-és-uma-pessoa-estranha”
- Sim… queria saber se posso levar coisas salgadas ao invés de doces. Assim pelo menos teríamos uma comemoração mais original, ou não? - achei que valia a pena tentar...
(Eles olharam-se entre si, riram-se, deram-me uma palmadinha nas costas e disseram:)
- Boa tentativa, cara amiga..
Foi então que hoje, quando cheguei ao trabalho com uma gigante caixa de chocolates, os meus companheiros, esses maldosos, perguntaram-me instantaneamente com um ar malicioso:
- De certeza que não queres um?
E eu respondi, convicta, enquanto piscava um olho:
- Não, obrigada. É que não gosto muito de chocolates. Como sabem, sou mais uma rapariga de gomas.
Quem é a espertalhona agora, quem?

Detox #6

Sinto que desde o inicio da minha desintoxicação já passei por varias fases:
1. As mãos tremem e o corpo grita por açúcar
2. Revolta: "Mas porque é que me meti nisto?"
3. Odio contra todos os GLUTÕES do mundo
4. Resignação. "Queres bolo?". Cara de profunda tristeza: "Não posso..."
5. Tentativa de dar a volta ao sistema. "E se comer gomas light?"

Tenho a sensação que este processo será cíclico e que dentro de pouco tempo as minhas mãos começarão outra vez a tremer.
Preparem-se.

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