Eu pequena e ela grande

24.3.10

Sempre tivemos uma relação complicada, eu e ela. Desde que éramos pequenas, que dizer, eu pequena e ela grande, ela sempre grande, sempre muito grande. Então eu olhava para ela com um ar de desprezo, com aquela cara de nojinho que fazemos sempre que vemos uma lesma gosmenta pelo chão. Nojo, repulsão, horror. Era isso que eu sentia por ela. Desculpem. É a verdade. Claro que a nossa história não vem de agora, nem de quando éramos pequenas (eu pequena e ela grande), vem do tempo que em nós ainda só éramos um subconsciente. Daquele tempo do qual só recordo uma pequena e concisa frase: “Hei, qualquer dia podes voar”, diziam-lhe. E eu ali, chorando e remoendo-me de inveja. Sempre sonhei em ser um pássaro.
Mas nasci mulher e, como todo o ser humano, lá tive de aprender a lidar com o absurdo da existência. E como, por mais que eu evitasse, disfarçasse, mascarasse, ela acabava sempre por aparecer, eu resolvia o problema na faca. Rasguei fotos, meti-me em lutas, bati, insultei e amuei. Eu não gostava dela. E ela, ai dela, nem sequer tinha direito a opinião.
E então agora, depois de uma vida controlando os danos, reparando os resíduos, mascarando o inevitável, ela está aqui, livre, leve e grande, cada vez maior, à vista de todos.
Hoje fiz o meu primeiro directo para a televisão, mas quem apareceu no ecrã não fui eu e o meu sotaque luso-brasileiro-italiano. Eu, e o meu cachecol roxo, presente do meu amigo das terras baixas. Eu, e a minha informação precisa, o meu sorriso-de-dez-anos-de-aparelho. Eu e, sei lá, os meus olhos verdes. Não. Quem encheu o ecrã a todo o vapor, assinou a sua carta de emancipação e gritou de pulmão cheio “estou aqui!”, foi ela. Mais uma vez, ela.
Hoje a minha orelha de Dumbo foi a protagonista de um directo para a tv. O seu primeiro directo. Por favor, uma salva de palmas em sua homenagem.

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