Verruga-free
8.2.10Para contar bem esta historia temos de recuar no tempo e aterrar no Brasil dos anos 90 quando a pequena Marina contraiu uma doença, aparentemente, incurável: verrugas. Ao longo dos anos menina foi a todos os médicos, especialistas e cirurgiões. Tomou comprimidos, pôs cremes, fez laser, arranjou cicatrizes para a vida, e nada. As malditas verrugas teimavam em resistir a todo e qualquer tratamento e, como vingança cruel, cada vez que tocávamos em uma nasciam mais duas, cinco, talvez. Assim aqueles vultos de pele dura foram reproduzindo-se pelos pés e pernas da pequena Marina e ela, em ataques de fúria, cortava-as com a tesoura e mutilava-as com palitos de dentes. Tudo isto sem sucesso. Ela tinha oito anos e, no total, quarenta verrugas.
Um dia a sua mãe, preocupada, foi ao médico e contou-lhe o seu drama familiar. O doutor, contra todas as expectativas, disse-lhe:
- Você acredita em simpatia * ?
- Não, mas a minha mãe sim.
Então toca a chamar a Nonna, que como boa avó brasileira saiu nessa mesma tarde para comprar os ingredientes e depois levou-me para uma quinta.
Passámos grãos de milho nas verrugas e demos às galinhas. Esfregámos chouriço no meu corpo e deixámo-lo num formigueiro. Demos 40 nós numa linha e enterramos numa terra de minhocas. Os animais comem e as verrugas passam para eles, era essa a brilhante teoria.
Depois desse episódio estive dias, noites inteiras, a olhar secretamente para as minhas pernas. A contar e recontar vultos. A subtrair. Esperei até ao último milagre e quando tive a certeza que a minha pele estava totalmente limpa, contei à minha mãe. Ela deu um grito de alegria, abraçou-me, ligámos à Nonna e saímos para celebrar. Eu estava verruga-free.
Esta história tornou-se um mito familiar que foi repetida vezes e vezes sem conta, enquanto pessoas desconhecidas analisavam as minhas pernas para comprovar a veracidade do facto.
Então cresci a ouvir falar “do poder da mente” e, pouco a pouco, a entender o ridículo da situação. “Claro que não foi pela simpatia, foi pelo desenvolvimento natural do corpo”, dizia e a minha mãe reprovava. “Só porque não acreditas, não podes dizer que não existe”
Mas, como todos sabem, a verruga é um bicho vingativo e há uns anos atrás, voltaram a dar o ar da sua graça. Não eram quarenta mas eram duas, bem ali, no centro da minha mão direita. Queimei-as, pus remédio, congelei, fizeram bolha, desapareceram, infectaram e sempre, todas as vezes, voltaram a nascer. Depois de quatro anos intensivos de mutilação sem resultados, a minha mãe sugeriu:
- E se pedíssemos à Nonna para fazer uma simpatia?
- Não, mãe, já disse que não, que não acredito nessas coisas.
Um dia cheguei a casa e ali estava o chouriço. Quando dei por mim já tinha a Nonna a esfrega-lo na minha mão e a fazer “pensamento positivo”. Revirei os olhos, bufei, fiz olhares fulminantes para a minha mãe.
Um mês mais tarde perguntaram-me:
- Como vai a tua verruga?
Olhei para a minha mão e, por segundos, o meu coração parou. O meu corpo tinha voltado a subtrair. E eu não acredito em simpatias.
* palavra brasileira para o que em Portugal se designa “mezinha”
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