Detox #5

Ontem, enquanto preparava a minha mudança, descobri que vou precisar de uma mala só para levar as gomas que tenho acumuladas e espalhadas pela casa. Sim, é tortura, mas preciso estar abastecida para o dia em que passe este pesadelo e eu possa come-las todas de seguida até ter uma overdose.
Overdose de gomas? Que cenário paradisiaco!

¡Olé Toro!

Hoje descobri que todos os espanhóis* odeiam o Vicky Cristina Barcelona. Sentem-se defraudados, enganados, distorcidos.
Porque “a Espanha não são homens de camisa de seda vermelha aberta até metade do peito”. Pois não. Porque “em Oviedo não se canta Flamengo”. Pois não. “Muito menos num jardim interior no meio da madrugada”. Tens razão. Porque “um cigano às quatro da manhã em Oviedo assalta-te, não te canta uma Copla”. Assim já é preconceito. Porque “a periferia de Barcelona não tem aquelas casas”. Isso não sei. Porque “quanto tempo vai durar o mito do macho latino?”. Acho que para sempre. “É que só faltava passar um touro preto no meio da rua”. Não esteve longe disso.
E quando a conversa acabou eu tentei explicar que o filme foi feito para reforçar a ideia que se tem de Espanha lá fora. Tentei mostrar-lhes o lado positivo.
- Já viram a vossa sorte? Vocês chateiam-se porque o estereotipo à volta do vosso país é um macho latino irresistível, um concerto ao ar livre e um jantar a luz de velas numa casa com um grande jardim.
- Mas isso é horrível, porque não é verdade – protestaram
- Imaginem lá se tivessem encomendado ao Woody Allen um filme sobre Portugal...
Risota geral. Algumas piadas de circunstância e então eu sugeri o guião:
- Seria a história de uma velha peluda de bigode que andaria sempre com uma toalha enrolada à cabeça e morreria engasgada com uma espinha de bacalhau.
- Faltou dizer que se apaixonaria pelo Cristiano Ronaldo - acrescentaram.
Exacto.

*¡Alerta margem de erro!

Uma questão de dicionário

O problema das pessoas preconceituosas é que elas não têm um bom dicionário. Todos os narigudos são inteligentes ou, pelo menos, geniosos, cheios de artimanhas. Os que têm dentes tortos são sensíveis, mas nem todo o gordinho é engraçado, aliás, raramente são. As pessoas com alergia verdadeira são introvertidas. Elas calam, observam, esperam o timing e soltam sempre a melhor piada da noite. Mas isso é óbvio.
Todos com pneuzinho salientes partilham de uma relação especial, não melhor ou pior, com o sexo. Os lábios carnudos, como sería de esperar, não gostam de cerveja, e, não me perguntem porquê, mas o gago é sempre prolixo. Não é preciso ser muito perspicaz para saber que os dos dedos compridos riem alto e que as orelhas grandes… Bem, esquece, melhor não entrar por aí.
Sobre aqueles ossinhos da anca, quando salientes, não sei, mas está em projecto. A barriga da Cameron Diaz é coisa de gente chata, podem ver. Mulheres com mamas grandes são simpáticas, assim como homens com pés peludos.
A sério. Pensem nisso.

Detox #4

Resumo deste fim-de-semana-com-amigos-ca-em-casa:

Na paragem de autocarro.
- Ai, quero comprar uma coisa, mas não vou dizer, para não te sentires mal - comenta ele
- Diz lá, eu não me importo - prevendo o pior
- Gomas de amoras
( silencio - cara de nojo/raiva/desprezo/ira/inveja dissimulada com um sorriso)
- Claro que não faz mal, compra lá! - cínica.

No Starbucks a fugir do frio
- Queria um chocolate quente e... Marina, o que queres?
- Nada, obrigada - sorriso cínico, parte 2
- Então, está bom? - digo, para quebrar o gelo.
- `Tá optimo, de certeza que não queres?
(olhar fulminante...)
- Aiii, desculpaaaaaaaaaaa - diz ele.
(Aviso: As desculpas não me vale de nada. Bem... pelo menos até ao dia em que elas se puderem dar em forma de injeçoes açúcar directamente na veia)

Depois de uma noitada:
- `Tou cansada, quero gomas - confesso.
- Nao digas isso que só te torturas mais.
- Gomas, gomas, gomas. QUERO GOMAS!!!! Muitas, coloridas, deliciosas, acidas e docinhas...
- Se quiseres podes comer e dizemos que eu te obriguei!
(Oooooraaaa, finalmente alguém teve uma boa ideia)

Em casa, a comer Maltisers:
-Hmmm, mnhamiiii, queres?
(sorriso forçado, olhar fulminante)
- Aihh, desculpaaaaaaaaaaa
( Já disse que não desculpo!)

No restaurante a jantar:
- Querem sobremesas? - pergunta o empregado
- Não, obrigada - apresso-me - Bem, quer dizer... Vocês querem?
- O que há? - pergunta o meu amigo
- Brownie, Crepe com doce de leite e cheesecake.
(boca a salivar e estômago a gritar por salvação).
Chega o crepe e o amigo diz:
- Mas é muito, comam vocês também.
- Marina, não vais ajudar?
(Silencio. Olhar. Silencio.)
- Está bom?
(Porque é que continuo a fazer estas perguntas educadas?)
- Diria que está demasiado doce - diz ele, e antes que os meus olhos se transformassem em chamas, acrescenta - Ai!! Desculpaaaaa.

Concluiria, portanto, que vai tudo bem. O sacrifício está a correr lindamente. Não me está a custar nada. Nadica de nada.

Detox #3

Tenho um amigo cá em casa de visita. Ontem à noite ele vira-se para mim comenta:
- Há uma coisa que não percebo - diz, preocupado - Como é que é suposto passares 40 dias sem comer doces se tens gomas espalhadas por todos os cantos da tua casa e do teu quarto?
Finalmente alguém percebe o meu problema. Mas aprendi que é melhor não as por no lixo, porque já ficou provado que elas ressuscitarão e assombrar-nos-ão o resto dos nossos dias. As gomas, esses espíritos malignos encarnados pelo diabo.

Detox #2

Ontem aquele ursinho verde e açucarado (delicioso, saboroso, apetitoso) apareceu no chão do meu escritório, do lado de fora da papeleira. Mandei um berro e os meus amigos vieram ver o que se passava. Disse-lhes que estava a ter alucinações e que a goma que tinha posto no lixo há três dias estava agora a puxar as minhas calças e gritar com um voz fininha "come-meeeeeeeeeeeeeeeee". Eles passaram-me a mão na cabeça e disseram com uma voz solidaria: "Não faz mal, marina, é tudo parte do processo".

O dia em que o telefone tocou

Passamos a vida à espera que o telefone toque. Há aquela paixão furtiva que secretamente desejamos que saiba interpretar os nossos olhares silenciosos. O menino que conhecemos ontem à noite no bar. O amigo saudoso e aquele que traz uma voz de conforto que nos aconchega nas noites friorentas. Há o trabalho que sempre sonhámos e o que nos dará uma viagem ao Japão. Não podemos esquecer do “triiiim” que vem com um convite para sexta à noite e o que chega com gritos histéricos de felicidade.
Passamos os dias a olhar para o maldito aparelho e a suplicar: “Toca, toca, toca”. Fazemos chantagem, aprendemos magia, mudamos de música, pomo-lo a vibrar, criamos tiques nervosos… Levamo-lo para a mesa de jantar e recebemos raspanetes dos país, dormimos com ele debaixo da almofada e voltam a ralhar-nos, guardamo-lo no bolso e dizem que no futuro seremos inférteis. Mas nós não nos importamos e continuamos à espera.
Ate que um dia o telefone toca.
E a nossa vida muda.

Detox #1

Há dias que simplesmente não são adequados e esta, sem dúvida, não foi a melhor data para começar a minha desintoxicação. A cada situação de stress, cada felicidade fortuita e cada pausa no trabalho. A cada comida demasiado condimentada, cada celebração e cada pensamento"vou ali atirar-me da janela e já venho". Em cada um desses momentos apenas duas ideias lutavam na minha cabeça para ganhar protagonismo: o "porque é que eu me meti nisto?" e o "tinha de ser logo hoje".
No fim, quem ganhou foi sempre a frustração. Para fechar o dia com chave de ouro encontrei um ursinho verde e açucarado (delicioso, saboroso, apetitoso) perdido na minha mala. Peguei nele e pu-lo no lixo. Agora vou arder para sempre nas chamas do inferno.

As grávidas e o Jamón

A irmã de uma amiga do trabalho está grávida. Hoje perguntei-lhe como é que ela (a irmã) se estava a aguentar.
- Está óptima!!! Passa os dias a cantar - diz a minha amiga.
- Ah, que sorte! - comento eu.
E antes que eu tenha tempo para dizer mais alguma coisa, passa o meu chefe por nós e pergunta, com o ar mais natural do mundo:
- E deixam-na comer jamón*?
Ao que a outra responde, também no auge da sua naturalidade.
- Sim, teve sorte com isso! Parece que é tolerante.
- Ainda bem! - diz o meu chefe.
Eu estava alí, só a olhar, estupefacta com o absurdo da situação e, sem conseguir conter-me, saí-me com um "Vocês têm noção do quão surreal é esta conversa?". A minha amiga, com um ar compreensivo explica-me:
- Não, Marina, é que sabes.. algumas grávidas desenvolvem uma intolerância a....
- EU SEI! - grito inconformada - o que não percebo é como é que não comer jamón pode ser a coisa que mais vos preocupa numa gravidez.
- Como assim? - gritam os dois em coro.
- Nove meses sem jamón? - dizem com um ar assustado. E então ele conta da mãe que mesmo com a proibição comia o dito presunto às escondidas. E ela acena, solidariza-se com a causa. Este é, para eles, o principal problema de uma gravidez.
- Eu passei 20 anos sem comer jamón.... - digo, delirando com a conversa.
E então eles voltam a dizer em coro, mas desta vez com um ar de dar pena:
- Coitadinha...
À hora do almoço contaram esta historia aos outros colegas que passaram o resto da refeição a tentar imaginar como seria a vida sem jamón.
- Melhor nem nascer - concluíram.

* Jamón = presunto espanhol

Detox # -1

A minha desintoxicação começa amanhã e então hoje passei o dia com um friozinho na barriga. O dia de transição é um dos piores do calendário da tortura. Para consolar-me, e porque a transição deve ser feita de forma gradual, hoje comi um pacote inteiro de gomas (uns ursinhos maravilhosos, saborosos, docinhos e açucarados) e um tubo de Mentos. Os dois assim, compulsivamente, como deve ser. Eu gosto de pensar que este não foi um acto de desespero absoluto, mas sim que tudo isto faz parte do meu processo de “armazenamento de açúcar” para os duros e deprimentes dias que se aproximam.
Seja como for, os momentos de glória chegaram ao fim. Ursinhos, morangos, dentaduras, dedos, melancias, amoras e ossinhos do meu coração, declaro hoje, oficialmente, a vossa liberdade. E que comece a tortura.

Desintoxicação

Tudo começa assim. Um dia estamos tristes, cansados, assim mais para baixo e pensamos "eu mereço". Então apercebemo-nos que nem sequer sabemos mais como comprar, quais os nossos sabores preferidos, as lojas com os melhores preços. Arriscamos e aquilo sabemo-nos a paraíso.
Então no dia seguinte já nos sentimos melhor, mais animados, mas vamos ao supermercados e levamos um stock para casa, just in case.
Pouco a pouco elas tornam-se companhia para os domingo à tarde, as noites de televisão e a recompensa de uma jornada cansativa de ginásio. São a desculpa e o prazer, o amigo e companheiro para todos os momentos. Vai ficando preocupante quando não resistimos passar por uma montra, daquelas bem coloridas e saborosas. Passamos, voltamos para trás, hesitamos, colocamos na balança e acabamos sempre por concluir: "Eu mereço". E de mereço em mereço, ficamos nervosos quando o stock acaba, com o corpo a gritar "açuuuucar".
E é por isso que com muito pesar vos anuncio, queridas amigas açucaradas, que a partir de amanhã e durante 40 dias, vocês estão banidas da minha vida e da minha barriga. Que comece a (dura) desintoxicação.

Tic-tac, esse malandro

O tempo está a pregar-me partidas.
Uma vai casar e a outra viver junto. Aquela até está a montar o enxoval. A próxima gastou todas as suas poupanças num sofá e a seguinte diz que sim, que é uma questão de tempo.
Tic-tac, esse malandro. Mas se mudarmos o género a paranóia segue.
Há o menino que já planeia sair da terra do bacalhau com broa para mudar-se e engordar-se nas macarronadas preparadas com tarantela. Foi fisgado, é oficial. Depois há o que decidiu embarcar numa união de facto amoroso-profissional e pôr-se à mercê do mundo. A ver o que acontece. Mas, claro, não lhes fica atrás o terceiro, que estabeleceu residência, comprou cortinados e optou pelas toalhas roxas e o ginásio na varanda. Decisão difícil.
Então olho para mim, tão eu. Tão casa compartida e vida alugada, tão calças de ganga e cabelo novo. Tão gomas do supermercado. Tão “não tenho dinheiro para isso”. Tão noites adolescentes e series piratas. Tão vida numa mochila.
Olho para “eu” e penso em mim. Demasiado longe de tudo aquilo, daquele frenesim que é crescer. Mas então paro, respiro fundo, e pergunto-me: “A qual de nós o tempo está a fazer das suas?”.
Talvez a todos.
À sua maneira.

Bem vindos ao meu mundo

E então chegam os jornalistas, com ar apressado e já perguntando:
- O actor está preparado para a entrevista?
Não sabem o que lhes espera. Eu ponho o meu melhor sorriso e respondo:
- Não, é que veja bem, hoje a rodagem está atrasada, você vai ter de esperar um pouco... Quer um café?
- Mas e se lhe faço as perguntas enquanto ele ensaia? – diz, ignorando a minha amável oferta.
- Não… É que tem de perceber que agora é o momento de concentração do actor, está a repassar o texto, não pode ser interrompido… Café?
- Esquisitos esses actores, não? – diz, tomando já o dito café
- Hahahaha, a verdade é que são todos um pouco especiais…
Segue-se então a típica conversa em que os jornalistas criticam a atitude dos actores (“com o que ganham deveriam estar disponíveis 24 horas por dia”) e eu concordo, dou trela, rio-me. Chama-se ganhar a confiança.

Então o actor acaba a sequência.
Sorriu, aproximo-me e digo baixinho
- Xis, quero propor-te uma coisa: aqueles senhores querem fazer-te umas perguntas e o que achas se falas agora com eles agora? Assim livras-te já disso! – prometo que às vezes este argumento resulta.
- Ai, não Marina, nem penses! Não me peças para dar entrevistas já, preciso descansar, eles que esperem.
- Claro!! Não há problema nenhum!! Só perguntei porque achei que preferias despachar-te logo. Como tu queiras!! Eu percebo perfeitamente que estejas cansado.
- Uma sequência dura esta, ahm?
E então ele conta que tinha muito texto, que está muito cansado, que não vê o filho há um mês. E eu solidarizo-me com a sua causa. Como já disse: não é cinismo, é ganhar a confiança.

Duas horas depois: Xis, jornalista. Jornalista, Xis.
- Desculpe fazê-lo esperar tanto – diz o actor com um sorriso gigante.
- Nãooooo! Não faz mal nenhummmm. Nós entendemos perfeitamente!!! Tome o tempo que quiser - remata o jornalista.

Agora imaginem esta cena repetida vezes e vezes sem conta, dias e dias seguidos. Bem vindos ao meu mundo.

Verruga-free

Para contar bem esta historia temos de recuar no tempo e aterrar no Brasil dos anos 90 quando a pequena Marina contraiu uma doença, aparentemente, incurável: verrugas. Ao longo dos anos menina foi a todos os médicos, especialistas e cirurgiões. Tomou comprimidos, pôs cremes, fez laser, arranjou cicatrizes para a vida, e nada. As malditas verrugas teimavam em resistir a todo e qualquer tratamento e, como vingança cruel, cada vez que tocávamos em uma nasciam mais duas, cinco, talvez. Assim aqueles vultos de pele dura foram reproduzindo-se pelos pés e pernas da pequena Marina e ela, em ataques de fúria, cortava-as com a tesoura e mutilava-as com palitos de dentes. Tudo isto sem sucesso. Ela tinha oito anos e, no total, quarenta verrugas.
Um dia a sua mãe, preocupada, foi ao médico e contou-lhe o seu drama familiar. O doutor, contra todas as expectativas, disse-lhe:
- Você acredita em simpatia * ?
- Não, mas a minha mãe sim.
Então toca a chamar a Nonna, que como boa avó brasileira saiu nessa mesma tarde para comprar os ingredientes e depois levou-me para uma quinta.
Passámos grãos de milho nas verrugas e demos às galinhas. Esfregámos chouriço no meu corpo e deixámo-lo num formigueiro. Demos 40 nós numa linha e enterramos numa terra de minhocas. Os animais comem e as verrugas passam para eles, era essa a brilhante teoria.
Depois desse episódio estive dias, noites inteiras, a olhar secretamente para as minhas pernas. A contar e recontar vultos. A subtrair. Esperei até ao último milagre e quando tive a certeza que a minha pele estava totalmente limpa, contei à minha mãe. Ela deu um grito de alegria, abraçou-me, ligámos à Nonna e saímos para celebrar. Eu estava verruga-free.
Esta história tornou-se um mito familiar que foi repetida vezes e vezes sem conta, enquanto pessoas desconhecidas analisavam as minhas pernas para comprovar a veracidade do facto.
Então cresci a ouvir falar “do poder da mente” e, pouco a pouco, a entender o ridículo da situação. “Claro que não foi pela simpatia, foi pelo desenvolvimento natural do corpo”, dizia e a minha mãe reprovava. “Só porque não acreditas, não podes dizer que não existe”
Mas, como todos sabem, a verruga é um bicho vingativo e há uns anos atrás, voltaram a dar o ar da sua graça. Não eram quarenta mas eram duas, bem ali, no centro da minha mão direita. Queimei-as, pus remédio, congelei, fizeram bolha, desapareceram, infectaram e sempre, todas as vezes, voltaram a nascer. Depois de quatro anos intensivos de mutilação sem resultados, a minha mãe sugeriu:
- E se pedíssemos à Nonna para fazer uma simpatia?
- Não, mãe, já disse que não, que não acredito nessas coisas.
Um dia cheguei a casa e ali estava o chouriço. Quando dei por mim já tinha a Nonna a esfrega-lo na minha mão e a fazer “pensamento positivo”. Revirei os olhos, bufei, fiz olhares fulminantes para a minha mãe.
Um mês mais tarde perguntaram-me:
- Como vai a tua verruga?
Olhei para a minha mão e, por segundos, o meu coração parou. O meu corpo tinha voltado a subtrair. E eu não acredito em simpatias.

* palavra brasileira para o que em Portugal se designa “mezinha”

Em portuñol

Dizem-me que falo um portuñol inaceitável. E eu nego. Nego tudo, até ao fim!
Resulta-me suspeitoso que agora se venham para aqui queixar. Justo vocês, que mais que ninguém deveriam compreender-me. Isto é normal na situação em que me encontro. Expatriada no país vizinho, rodeada de um acento estranho, de tortilha de patatas e botelhón. Que ganas de trazer-vos todos para aqui um mês, um ano, o que seja, para que entendam, mesmo que só um pouco, esta minha nova vida.
Uma vida de actores, representantes e periodistas. De viagens em minibus, habitações duplas de hotel, o móvel que não pára de tocar. Enfim, um lio que só visto. E no finde só me apetece descansar. Sim, está bem, quem sabe quedar com um par de amigo, passar-lo genial, umas copas e uns chupitos e depois de búo para casa.
Isto talvez vos resulte estrangeiro, já sei, mas dá-me igual. Só quero que percebam, que tentem entender, que esta vossa amiga mudou de ubicação e que agora, daqui para a frente, as mesclas serão maiores, mais graves e arriscadas. Então adaptem os vossos ouvidos, engulam o choro e passem página. A outra coisa mariposa.

Os amores platónicos

Chegas lá, pam, pum, olhas, gostas e pronto. A vida segue, o ritmo aumenta, os passos sucedem-se, o trabalho acumula. Felizmente temos trabalho, diz o sicrano, e nós confirmamos, concordamos, acenamos. Vezes demais, pensamos. E chega de rimar, que assim boa impressão não causamos.
E então ele vai lá e pimba, olha para ti, faz aquela graça, diz nada daquele jeito natural e tu, pam, já te vês aí toda tcham a olhar. Só a olhar que, dizem, não ofende. (Blasfémia!).
E ele volta-se e, tumba, responde com essa expressão marota, atenta, perspicaz. Tu tentas interpretar e, pim, já está, foste apanhada.
Então começa toda a dialéctica de sinais, porque se mexeu no cabelo, se se sentou ao meu lado, se pagou o café, se pediu dois copos de vinho. Puf. Tudo mentira.
Acorda, amiga, acorda. Rrrrriiiim, toca o despertador. No fundo não é mais que um tipo simpático e tu não passas de uma alguém patética. Pum! esta doeu.
Mas não podes evitar e também nunca irás admitir que vocês já tinham futuro. Porque num segundo passa pouco e passa muito e para ti (humpf), "mulher independente", não é preciso mais que isso para fazer-te sonhar.
Depois, passada a tormenta, chegas a casa e rá-rá-rá, que patética sou. Pões-te na cama e, plash, um novo dia recomeça.
Nós alimentamos os amores platónicos porque são os únicos que são perfeitos, disse um amigo num claro momento de iluminação. Clap, clap, clap.

Pronto, ela admitiu

Ela gosta de telefone ocupado, de vida corrida, de cinema na sexta à noite. Ela queria beijo na orelha. Queria queixar-se que faz zumbido, que incomoda, que "sabes muito bem que eu não gosto disso". Ela gosta, gosta sim, que não se enganem.
Ela só queria pequeno almoço surpresa, beijinho de boa noite e telefonema com remelas. Voz de criança que se esconde dos amigos, alcunhas envergonhantes, conversas sussurradas com olhares. Porque há gostos para tudo e ela é feliz debaixo de uma manta em frente à tevê, de mãos dadas na praia, apesar do calor. Ela queria mais daquelas piadas recorrentes que, pensando bem, até são um pouco enjoativas. Ela gosta de enjoativo. Disso e das tarde de domingo, das viagens repentinas, da companhia fiel e do olhar reconfortante.
Chamem-na masoquista, sofredora compulsiva, dependente, o que quiserem, mas ela gosta, gosta mesmo. Pronto, custou, mas admitiu.
Entã0 agora não lhe venham cá propor fazer uma festa para comemorar a falta de tudo aquilo. Porque, para ela, isso já seriaentrar na fase de negação.

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