O Fernando

10.12.09

Tínhamos combinado no platô às quatro da tarde, mas a gravação estava atrasada. Como sempre, atrasada. Então eu fui ao bloco de notas buscar o número de telefone que a rapariga de produção tinha me passado durante a manhã:
- O Fernando, o jornalista, vai com o Sérgio, o camera. Tens onde apontar o número do Sérgio?
Eu tinha. Apontei o seu telefone num carderninho e não duvidei. Na hora do aperto, toca a marcar o número, mas o Sérgio, claro está, estava a guiar e todos sabem que falar ao telemóvel e conduzir são menos 2 pontos no “carnet”.
Então eles chegaram, antes do tempo, mas chegaram. O Fernando e o Sérgio.
- Marina, encantada – apresentei-me. E lá comecei a largar o meu speech. Que “sabem como é uma rodagem, tudo muito imprevisível”, que “as sequências com muita gente são complicadas”, que, “desculpem”, mas vão ter de “esperar um pouquinho”. Mas “já agora querem visitar o platô?”, “é por aqui, eu faço-vos um tour”. E eles acenavam com a cabeça e seguiam-me. Então “aqui vive a família mais rica” e “esta é a cozinha dos mais pobres” e “aqui são as barricas artesanais” e “aqui onde o vinho fica a fermentar”, digo eu no meu sotaque de espanhol estrangeiro.
E então olho para o relógio e respiro fundo. Tinham passado uns 15 minutos, mas não poderia mantê-lo entretidos a tarde toda. “Acho que ainda vão ter de esperar uma meia hora”, minto. E, pela primeira vez, olho-os nos olhos. Constato que o Fernando tem um ar assustado:
- Até que horas vocês podem esperar? - pergunto-lhe, prevendo o pior.
Ele abre um sorriso e dá-me um beijo:
- Olá, sou o Fernando, sou surdo – diz-me com aqueles sons quase imperceptíveis de quem não ouve a sua voz.
Ele ainda estava a apontar para o ouvido quando eu caí em mim. Para ele tínhamos ficado na parte das apresentações.

You Might Also Like

2 comentarios

Subscribe