A Vivu

30.9.15


Naquele día, às 4 da manhã, a Vivu foi a minha salvação. Eu descia do autocarro em estado zombi. Com os olhos cheios de ramela, cabelo despenteado, dores nas pernas e uma t-shirt térmica. Passei do frio polar ao calor tropical, dos sonhos à dura realidade. O meu autocarro tinha chegado antes da hora prevista. Eram as 4am, noite ferrada, e eu, sem hostel nem taxi, estava perdida.
Ela começou a falar-me num inglês, naquele momento, imperceptível.  "Trekking?", perguntou.
E eu só pensava em dormir. Em dormir ou em acordar. Tanto fazia.
"Preciso de um minuto", disse-lhe. Ela respeitou.
Eu chegava às montanhas do Vietnam à procura de uma historia. A das h'mong. Um grupo étnico minoritario, feminista, que descobriu no turismo uma saída. "Es h'mong?", perguntei. "Sim, Black H'mong Tao", respondeu, apontando para o pente que levava no cabelo. Ela era a minha historia.


Comecei a procesar a informação enquanto a Vivu me falava da caminhada que faríamos, da comida, da sua casa, da sua familia e da vila onde vivia. Mostrou-me um mapa e um caderno com dedicatorias de turistas. Olhei para as datas. Setembro de 2015. "Amazing trekking", "Confiable al 100%", eram alguns dos comentarios. 
Eu desconfiava, claro, por supuesto. Estava sozinha na montanha às 4 da manhã. A Vivu não insistiu. Disse-me que podia dormir na sua casa até que fosse de dia. As filhas dela iam adorar-me, assegurou. "Quero que aprendam inglês". Aceitei. Afinal, essa era a minha historia.


Foi assim que eu conheci a Vivu. 28 años. Casada, 2 filhas (1 e 4 anos). Cresceu a vestir saias rodadas e coloridas. Umas meias e veludo e um pente no cabelo. Uma roupa muito quente para estes verões tropicais. "Preferimos suar no verão que passar frio no inverno", justifica. Ter duas roupas diferentes não é uma opção. "Fazemos uma roupa nova por ano. Estreamo-la no dia de ano novo", conta.


Com 15 anos tiraram-na da escola, mas na verdade nunca estudou muito. Passava os dias a costurar e a ajudar os pais com as plantações de arroz. Fui "lazy", diz. Mas agora arrepende-se. Queria saber ler e escrever em inglés para entender o que os seus clientes dizem dela naquele caderninho que a acompanha a todas as partes. Mas só sabe falar. "Quando comecei a trabalhar com turistas só conhecia umas 30 palavras", diz. Agora fala de forma fluida,  com expressões decoradas e frases feitas. Asegura que os turistas salvaram a vida da sua aldeia. Antes não tinham dinheiro, só comida e animais. Agora descobriram os tenis nike, os telemóveis e as scooters. "Somos nós, as mulheres, que trazemos o dinheiro. Aprendemos inglês e não temos preguiça para caminhar. Os homens são muito lazy", explica no seu inglés que não sabe de gramática. O seu marido também é "lazy". É ele que fica em casa com as filhas enquanto a Vivu entretém os turistas. "Na verdade passa os dias a ver TV", confessa.

Trabalha, orgulhosamente, por conta propria. Ja recusou a oferta de varias empresas de tours turisticos. Assim ela ganha uns 250 euros ao mês. Depende. "Há dias que não tenho clientes e outros que consigo grupos grandes". Não cobra pela sua visita, cada um paga o que pode. "Se não podem pagar, não me importo. Assim pelo menos conhecem a minha historia e a da minha vila". Com o seu salario a Vivu sustenta o marido, as filhas e a mãe. Compram galinhas, plantam arroz e usam o leite da cabra.  Diz ela que não precisam de mais nada para ser felizes. 


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