Desfazer amizades II

Tenho uma dúvida.
Será que devemos informar um amigo quando decidimos que não que não queremos mais a sua amizade?
Nunca soube o que fazer quando estas coisas acontecem. Mando uma cartinha? Escrevo por email? Vou a casa dele e digo-lhe cara-a-cara?
Das vezes que o fiz isso gerou mais discussões desnecessárias, mais feridas e mais irritações inúteis.
Ultimamente resolvi optar pelo silêncio.
Tomo uma resolução e sigo na minha conduta como se a vida não tivesse mudado.
Mas mudou.
Há um número de telemóvel para apagar e fotografias no quarto para substituir. Mas vou sempre adiando essas medidas drásticas, esperando que um dia a raiva passe, a amizade volte e tudo faça sentido de novo.
Umas vezes volta a fazer. Outras não.
Mas pergunto-me sempre. Será que fiz bem em deixar o tempo resolver as coisas à sua maneira?

Sem descer do salto

Tenho uma relação de amor-ódio com discussões.
Adoro-as. Não sei viver sem elas. Ao mesmo tempo odeio-as, porque levo-as muito a peito e sinto que fico intoxicada com o ódio que começo a nutrir pelo interveniente da discussão. Nessas altura apetece-me que os meus olhos se transformem em laser para fuzilar a pessoa com quem discuto. Parece-me que tanto ódio não deve ficar retido dentro de uma pessoa só.
Adiante.
O meu problema com discussões é que não suporto pessoas que jogam baixo. Que, sem mais nem menos, partem para ataques pessoais. A verdade é que todos temos essa tendência. Queremos sempre sair por cima e dizer que ganhámos a discussão.
Quando eu discutia com o meu irmão a minha dizia sempre:
- Despreza-o, é o melhor que podes fazer.
Sem saber como esse conselho viria a afectar a minha vida, acabei por moldar a minha doutrina a essa prática. Fiquei sempre sem descobrir se a frase “não vou descer ao teu nível” era boa ou má. Mas continuei a pô-la em acção.
Hoje gosto da minha atitude.
E, agora, sempre que quero “descer ao nível de alguém” lembro-me da minha mãe e “não desço do salto”.
Eles ficam a achar que desisti na discussão. Eu fico a ter a certeza que ganhei.
E foi assim que surgiu a lei: desprezo a pessoas desprezíveis.

O livro dos destinos

Às vezes parece que está escrito no ar que é altura de mudança.
Gosto de pensar na vida como aquele livro de histórias de terror em que cada decisão corresponde a uma página.
Não dá para fazer batota ou ir ler o destino alheio. Mas podemos ser cautelosos e não morrer no primeiro capítulo.
Passa o capitulo um, dois, três, quatro. Já somos quase heróis, referências para a humanidade. Sobrevivemos à selva. Triunfámos. E agora?
Não se pode viver para sempre os frutos de um triunfo passado. E é então que o presente começa a aborrecer. Mas a boa notícia que é que neste jogo podemos sempre decidir-nos por uma atitude inesperada. Surge a pergunta do livro:
- Quer atirar-se para o buraco negro ou seguir na confortável viagem de taxi?
Um burburinho, vozes que discutem dentro da cabeça.
E gritamos, quase retomando o herói antigo que já fomos:
- Táxi, para o buraco negro, por favor!
Agora falta descobrir se o taxista conduz bem e se não há assassinos na estrada. Mas isso fica para o próximo capítulo.

deComboio!

Ultimamente é só nisso que penso. Ainda falta comprar a mochila e o saco-cama. O shampoo, o condicionador, os pratos e os talheres. Faltam os sapatos confortáveis e o chapéu para proteger do sol. A tolha que não seja muito pesada e um bom baralho de cartas. O livrinho de anotações e o marcador de texto.
E com tantos pensamentos, o que faltava mesmo era um diário digital para aliviar o peso da cabeça.
Aqui está ele.
Espero que gostem e que também vocês viagem um pouco connosco.

Cafés

Saiu esta semana um estudo da Eurostat sobre o consumo familiar de restaurantes, bares e associados. Os portugueses lideram a lista.
Não surpreende. Não surpreende nada.
Os meus pais sempre acharam estranhas as minhas idas ao café.
- Mas nem bebes café.
A tentativa de explicação resultava num torcer do nariz e num “diverte-te” com sorriso complacente.
Os portugueses vão ao café. É natural e irreversível.
Eu, na verdade, sempre tive uma pontinha de inveja (de adolescente que, no fundo, não se sente totalmente integrada) ao ouvir os meus amigos contarem que iam ao café com os pais.
- Os meus pais fazem “happy hour” serve?
Não. Obvio que não servia.
Em pequena também eu queria ir ao café com a família e comer aqueles bolos horríveis. Também queria que eles colocassem açúcar no dito líquido e que o mexessem com o pau de canela.
- Quero adoçante, por favor.
E segue-se uma dissertação da minha mãe sobre o “absurdo” de não trazerem logo o adoçante já que “hoje em dia todo o mundo usa adoçante”.
Quando me deparei com essa sondagem tentei imaginar a minha família no café. E surgiram as incompatibilidades.
Falam alto demais, metem-se demais com os empregados, consomem demais, demoram tempo demais sentados à mesa. Não gostam de bolos, nem de fumo, nem de água da torneira. Chamam os cafés de “tasca” e reclamam sempre do “banheiro”.
Mas o pensamento aterrou numa conclusão que há muito tempo não tinha.
- Sou, definitivamente, estrangeira. Aqui, e em qualquer outra parte do mundo.

desfazer amizades

Gostava de perceber o que faz com que duas pessoas sejam amigas.
Isto porque eu tenho alguns amigos dúbios.
Ora vejamos:
Começa por ser amigo do nosso amigo. E depois liga-nos uma vez e conta-nos como vai a vida. Engraça connosco.
No dia seguinte combina-se um café. E mais outro e outro. E com o café as confissões e a intimidade crescente.
De repente, e sem termos dado pela coisa, tornamo-nos amigo dessa pessoa. Já está. Não houve tempo para avaliar, conquistar, fazer um flirt amigável. Fomos sugados para uma amizade obrigatória.
Tudo seria mais fácil se, pelo menos, pudéssemos cortar laços. Mas não dá.
Vamos ao café e lá está ele. Ao cinema, ele mais uma vez.
Os nossos amigos gostam dele. Os nossos pais também.
Começam as cobranças.
- Nunca mais saíste com ele.
- Pois, não tem dado.
E com isso as mentiras. As tentativas falhadas de auto-convencer-nos daquela farsa. Mas como dizer a uma pessoa: “Conclui que não gosto de ti, nunca gostei, portanto, quando tiveres um problema, por favor, não me ligues mais”?
Deveria ser tão fácil afastar um amigo, como fazê-lo.
O problema é que por mais que os amigos mudem, que não aprovemos as mudanças, que nos façam cabelos brancos, que nos moam o juízo, que odiemos cada palavra proferida por eles, que nos apetece afoga-los no rio Tejo cada vez que se saem com “uma daquelas”, apesar de tudo isso, quando os vemos na rua acabamos sempre por dizer com um sorriso sincero, “então? Que saudades!”.

Beijinho

O telefone tocou.
Era ele.
Não acredito.
- Tou?
- Tou?
- Olá!
- Acho que é engano.
-Agora vais ter de falar comigo.
- És tu?
- Sim!
- Não era para ti que eu queria ligar.
- Freud explica.
- Desculpa.
- Tas bom?
- Sim. Com muito trabalho
- Há coisas que nunca mudam. E de resto tudo bem?
- Sim. Muito trabalho.
- Pronto. Já vi que queres que te deixe trabalhar.
- Desculpa, estou um pouco atrapalhado.
- Gostei de saber que estas vivo.
- (silêncio)
- Quer dizer, tas vivo, certo?
- Parece que sim.
- Beijinho.

A conversa passeou-se vezes e vezes sem conta na minha cabeça. Conclui que nunca cheguei a dizer o meu nome. Talvez nem me tenha reconhecido. Não. Não é possível. Foram dias a mais a ouvir a minha voz telefónica.
A voz dele não tinha mudado. Nem o tom atrapalhado de lidar com problemas. Nem a incapacidade de lidar com o mundo.
Os hábitos ainda eram os mesmos. As chamadas desesperadas aos amigos. Os estudos até de madrugada.
Adormeci a tentar ler as entrelinhas.
Acordei e conclui: afinal o ciclo está quase fechado.
“beijinho” pode ser um bom final para esta história.

FARC

Eu fervo em pouca água. Quem me conhece sabe bem disso. Eu digo às senhoras do cinema que deveriam morrer afogadas (só por causar mais sofrimento do que um tiro no coração) e digo aos homens das obras com desprezo: «é por isso é que trabalha nas obras». (E, sim, eu trato os homens das obras por você, deve ser por dar um ar mais snob à afirmação).

Mas desta vez pensei sobre o assunto. Não foi um instinto primário de sobrevivência. É uma conclusão racional.

A festa do Avante e o PCP metem-me nojo.

Mete-me nojo que depois do PS, PSD e CDS se unirem para congratular a libertação de Íngrid Betancourt, o PCP tenha votado contra o documento por rejeitar que a FARC seja classificada como uma organização terrorista.
Mete-me nojo que o PCP tenha, depois do incidente, publicando um comunicado «em resposta a várias solicitações dos órgãos de comunicação social», no qual não faz qualquer condenação da força de guerrilha colombiana.
Mete-me nojo que, quando questionados sobre a presença da FARC na Festa do Avante, o PCP diga que tal nunca aconteceu e não voltará a acontecer (apesar da guerrilha ter já nome na lista das presenças confirmadas e de todos terem já visto a barraquinha da FARC da «festa»).
Mete-me nojo que quando o assunto venha à baila as pessoas se riam e digam: «Mas a festa do Avante é divertida».

Desculpem os lesados, mas desta vez não há qualquer margem de erro.

Conversas de café

À noite:
- És feliz? - pergunta ela, exactamente no momento em que ele se preparava para começar a dizer aquelas pirosadas todas de fim de semana.
- Na versão Capitalista, Humanista, ou Espiritual? - responde, a tentar negar que “vinha ai coisa”.
- Não brinques que estou a falar a sério!
Ok. “Vem ai coisa”.
- Sim, e tu?
Ele ajeita-se na cadeira porque estas “conversas” costumam demorar.
- Acho que me preocupo demais com tudo.
“Vem ai coisa ao quadrado”
- Oh, eu dou-te um beijinho que isso passa.
Ultima tentativa desesperada.
- Hoje não me apetece beijinhos.
Todos aqueles planos de mil e uma noites de amor? Tudo por água abaixo. Porque é que só lhes dá isto nos fins de semana?
-Ok. Vamos lá então falar a sério. – diz, numa revolta decidida – O teu problema é que pensas demais, e isso faz-te mal. Já olhaste bem à tua volta? Achas mesmo que tens alguma coisa com que te preocupar?
Suspiro.
- Mas aconteceu alguma coisa em específico?
Silêncio.
Isto vai ser mais demorado do que ele esperava.
- Queres ir tomar um café?
- Sim. Mas só se houver bolo de chocolate.
- Claro, sua gorda.
Ela sorriu.

Yo Ho Ho e uma garrafa de Rum

Uma vez li nalgum lado que os marinheiros quando estão felizes cantam músicas tristes.
Deve ser por isso que gosto de piratas. Se é que podemos chamá-los de marinheiros.
Hoje de manhã a minha mãe perguntou-me:
- Como é que consegues ouvir essa música triste de manhã? Para acordar é preciso música animada!
Eu ainda lhe tentei explicar que a minha música “triste” me animava, mas nessa altura ela já tinha mudado de assunto, e com a minha mãe “só se anda para a frente”!
Eu gosto de musicas calminhas. É a melhor definição que consigo dar sobre o meu gosto musical.
- Mas como é que também gostas de Kasabian?
- Também é calminho, ou não?
A questão é que há um mês cheguei à conclusão que não sei distinguir músicas felizes de tristes. (isto é, se não ouvir a letra)
- E esta que te parece?
- Eu gosto, é feliz!
- Feliz? É uma música fúnebre.
Talvez este problema meu se cure com o tempo. Mas, na verdade, não quero cura-lo, porque ouvir música “triste” faz-me sentir um pouco mais pirata!

«O amor nos torna patéticos»

Hoje a minha professora de espanhol disse uma coisa interessante. Estávamos a conversar sobre cinema quando ela se sai com esta. «As pessoas que vêm muitos filmes são mais infelizes».
E isso pôs-me a pensar. Lembrei-me da minha amiga que não encontra um namorado porque não aceita nada que não seja «um príncipe azul» (como diria a Patrícia, a professora de espanhol divorciada e desencantada de amor). Divaguei pelos pedidos de casamento, planos do vestido branco e fotos familiares. Lembrei-me de todas as vezes que me escondi «no escurinho do cinema, chupando drops de anis, longe de qualquer problema, perto de um final feliz»
Percebi que a Julia Roberts e a Meg Ryan não me fazem muito bem à cabeça.
E, perdendo-me enquanto a Patrícia se empenhava em ensinar-me os verbos do imperfeito, senti vontade de sussurrar ao ouvido de alguém
«Meu bem você me dá agua na boca».
De mandar uma simples mensagem
«Vem me beijar, meu doce vampiro, na luz do luar».
De esperar que ele venha com borboletas no estômago.
E quando chegar «vou abrir a porta, para você entrar, me beijar a boca, até me matar».
De «despir fantasias, tirar a roupa»
E depois, «Banhada de suor, de tanto a gente se beijar, de tanto imaginar loucuras». Ouvir um «Que tal nós dois, numa banheira de espuma?» E aceitar o «cuerpo caliente, um dolce farniente, sem culpa nenhuma».
E foi neste ponto que a Patricia zangou-se. Lá estava eu a confundir outra vez o português o italiano e o espanhol.
Interrompidos os pensamentos errantes conclui que «as pessoas que vêm muitos filme ou são infelizes ou profundamente mais felizes».

«Ai de mim que sou romântica!»
quem diria?

*** Rita Lee, Coliseu dos Recreios ***

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