A Vivu


Naquele día, às 4 da manhã, a Vivu foi a minha salvação. Eu descia do autocarro em estado zombi. Com os olhos cheios de ramela, cabelo despenteado, dores nas pernas e uma t-shirt térmica. Passei do frio polar ao calor tropical, dos sonhos à dura realidade. O meu autocarro tinha chegado antes da hora prevista. Eram as 4am, noite ferrada, e eu, sem hostel nem taxi, estava perdida.
Ela começou a falar-me num inglês, naquele momento, imperceptível.  "Trekking?", perguntou.
E eu só pensava em dormir. Em dormir ou em acordar. Tanto fazia.
"Preciso de um minuto", disse-lhe. Ela respeitou.
Eu chegava às montanhas do Vietnam à procura de uma historia. A das h'mong. Um grupo étnico minoritario, feminista, que descobriu no turismo uma saída. "Es h'mong?", perguntei. "Sim, Black H'mong Tao", respondeu, apontando para o pente que levava no cabelo. Ela era a minha historia.


Comecei a procesar a informação enquanto a Vivu me falava da caminhada que faríamos, da comida, da sua casa, da sua familia e da vila onde vivia. Mostrou-me um mapa e um caderno com dedicatorias de turistas. Olhei para as datas. Setembro de 2015. "Amazing trekking", "Confiable al 100%", eram alguns dos comentarios. 
Eu desconfiava, claro, por supuesto. Estava sozinha na montanha às 4 da manhã. A Vivu não insistiu. Disse-me que podia dormir na sua casa até que fosse de dia. As filhas dela iam adorar-me, assegurou. "Quero que aprendam inglês". Aceitei. Afinal, essa era a minha historia.


Foi assim que eu conheci a Vivu. 28 años. Casada, 2 filhas (1 e 4 anos). Cresceu a vestir saias rodadas e coloridas. Umas meias e veludo e um pente no cabelo. Uma roupa muito quente para estes verões tropicais. "Preferimos suar no verão que passar frio no inverno", justifica. Ter duas roupas diferentes não é uma opção. "Fazemos uma roupa nova por ano. Estreamo-la no dia de ano novo", conta.


Com 15 anos tiraram-na da escola, mas na verdade nunca estudou muito. Passava os dias a costurar e a ajudar os pais com as plantações de arroz. Fui "lazy", diz. Mas agora arrepende-se. Queria saber ler e escrever em inglés para entender o que os seus clientes dizem dela naquele caderninho que a acompanha a todas as partes. Mas só sabe falar. "Quando comecei a trabalhar com turistas só conhecia umas 30 palavras", diz. Agora fala de forma fluida,  com expressões decoradas e frases feitas. Asegura que os turistas salvaram a vida da sua aldeia. Antes não tinham dinheiro, só comida e animais. Agora descobriram os tenis nike, os telemóveis e as scooters. "Somos nós, as mulheres, que trazemos o dinheiro. Aprendemos inglês e não temos preguiça para caminhar. Os homens são muito lazy", explica no seu inglés que não sabe de gramática. O seu marido também é "lazy". É ele que fica em casa com as filhas enquanto a Vivu entretém os turistas. "Na verdade passa os dias a ver TV", confessa.

Trabalha, orgulhosamente, por conta propria. Ja recusou a oferta de varias empresas de tours turisticos. Assim ela ganha uns 250 euros ao mês. Depende. "Há dias que não tenho clientes e outros que consigo grupos grandes". Não cobra pela sua visita, cada um paga o que pode. "Se não podem pagar, não me importo. Assim pelo menos conhecem a minha historia e a da minha vila". Com o seu salario a Vivu sustenta o marido, as filhas e a mãe. Compram galinhas, plantam arroz e usam o leite da cabra.  Diz ela que não precisam de mais nada para ser felizes. 


Pipipi

Esto es Hanoi. La ciudad del ruido, de las tiendas, de la comida callejera y de los claxon.
Pipipipi.
Aquí pitan para hacerse oír y hacerse ver. Pitan para avisar que llegan, que se van, que cruzan o que vienen.
Pipipipipi. Me monto en una moto y mi motorista se salta un semáforo en rojo. Pipi. Yo cierro los ojos y él esquiva a los demás cómo si la vida fuera un videojuego.
Pipipi. Las aceras están tan llenas que no hay espacio para caminar. Hay restaurantes improvisados y gente y más gente de cuclillas. Postura incómoda. La acera es suya. De los vendedores, los vagos, los cocineros y los buscavidas.
Pipipi. Los "listos" intentan cobrarte de más por cada viaje en coche, en moto, en taxi o en tuctuc. Pero no solo. Te preguntan de dónde vienes. Dicen que solo quieren practicar inglés. No contestas. Insisten. No son timadores, argumentan. Solo quieren hablar.
Pipipi."Quería una botella de agua, por favor". "Son 20 dongs", aclara. "Cómo 20?? - pregunto - Si acabo de ver una señora pagando 10...". "Pero tu eres turista", me contesta. 
Y el turista ve belleza en todo. Hasta cuando te timan. O cuando hay basura en el suelo. "Una ciudad decadente", describen unos. "Con ritmo propio", añaden otros. La ciudad del caos, de las multitudes y del amontonamiento. De las falsificaciones y la comida callejera. 
Pipipipipipipi. 
Laos

O país puro



Em Laos o tempo passa devagar. Slowly. Não há pressas nem horarios. Há sempre um momento para descansar na rede ou tomar uma Beerlao. Para conversar, jogar às cartas ou ler durante horas. 
- Que fizeste hoje? - pergunto
- Just chill - é a resposta mais habitual.
Porque Laos é um paraíso para o “chilling”. Os hotéis são cabanas à beira rio. Custam 2 ou 3 euros com rede na varanda. Não se paga extra pelas vistas porque aqui sempre há vistas. A montaña é virgem e a estrada, de terra, é uma harmonia de tons de verde.
- Não sabia que havia tantos verdes - disse-me um dia a Daisy.
Com ela estou a viajar há três dias. Falamos de tudo e de nada. Respeitamos os silencios. Ontem surgiu a pergunta:
- Achas que os laosianos são pobres?
Aqui há tempo. Tempo para dissertar durante horas sobre qualquer questão. Como a pobreza, por exemplo. O que é ser pobre?, perguntei. Eles teto. Arroz, bambú e galinhas. Quase sempre uma fonte de agua em cada vila. As crianças brincam às gargalhadas e vestem uniforme para ir ao colegio. São, definitivamente, felizes. Não, não têm internet, telemóvel, agua quente ou colchão na cama. As casas não são de cimento e a higiene é um conceito ambiguo. Mas são pobres? Nós, mochileiras e observadoras, preferimos concluir que são “puros”. 

Laos é, ainda, um país puro. 

5 dias

Em cinco dias tive tudo. Menos um momento de tristeza. Achei que seria na despedida. Essa lagriminha típica do aeroporto. Não foi. Também não foi nas 13 horas de voo, na chegada a uma nova cidade, nos momentos de cansaço, nem depois das noites mal dormidas.
Acordo como uma criança pequena à espera de uma visita de estudo. ¿Para onde irei? ¿Quem serão os meus novos amigos?
Conheço cada dia novas vidas, novas historias. Distraem-me, fascinam-me. Sinto que posso estar horas infinitas a falar com desconhecidos. Quero saber. Pergunto sobre a política do Obama, a "democracia" da China, a segurança na Tanzania, as eleições na Argentina e o francês do Canadá. Bebemos uma Chang o uma Beer Lao. Comemos arroz e noodles. Explosão de carbohidratos.
Gosto dos momentos mais solitarios. Escrevo, faço da cámara a minha melhor amiga. Edito, leio e até já vi a trilogia do Padrinho. Já passaram 5 dias. 5 maravilhosos dias.

Não te enganes

Aqui nada é o que parece. As prostitutas são homens, os tuk tuk enrolam-te, os templos "estão fechados" todos os dias, a comida de rua é boa!, a vida não é tão barata e os turistas não são tantos como parecem. Aqui chove de noite e há agua gratis nos templos. Só os estrangeiros pagam para entrar nos monumentos. E quando te dizem "ping pong", cuidado. Não é um jogo, é um strip club.
Na Tailandia há monges a fazer turismo, crianças que querem tirar fotos contigo ("photooo!"), um tránsito como o de São Paulo e massagistas que te deixam com dores musculares. Há ananás, manga e água de coco por 50 céntimos. Há espetos de insectos e sumos de romã. Come-se pouco. E sempre.
Um autocarro normal custa 5 céntimos. Um autocarro turístico sai-te a 1,50. Um roubo!
Aqui regateamos, caminhamos para evitar os tuk tuk, andamos de "barco público" e quando chove "é só esperar meia hora". Viver em Bangkok é fácil. E apaixonante. Sempre encontras um amigo para beber uma Chang, uma sombra para descansar o algum motivo para tirar uma foto. Ou 10. Ou 20. Mas cuidado. Não te enganes. Para viver en Bangkok é preciso ser esperto.

Rompe silencios

"Oh, tu es extrovertida, não vais ter problema", disseram-me antes de sair de casa. E tudo parece bonito até que.
Até que saímos pela porta em silencio e em silencio chegamos à outra ponta do mundo. Discutimos com um motorista ladrão mas depois não o contamos a ninguém. Fazemos o check-in e passamos o dia entre templo e templo. Vemos uns turistas, arriscamos uns comentarios. Sem sucesso.
Passaram12 horas e não há ninguém com quem tomar uma cerveja. A isso eu chamo fracasso.
Até que escuto:
- ¿Sabes como chegar a Kao San?
(falou comigo é meu amigo). Lixaram-se. Ganharam companhia para o jantar, a cerveja, as compras e o cocktail. Assim foi como eu conheci a Silvia e o Mauro. A "gorda" e o "maurito". Ela catalana (pro-independencia) ele argentino (anti-kirchner).
Foram os meus primeiros amigos.
Com eles conheci o PadThai, a Chang e a Kao San Road. Combinamos ver-nos dois dias depois. "Me dejaron tirada". No pasa nada.
E não faz mal porque em poucas horas apareceram o Mike e a Mary. Convenci-os a ver uma luta de Muay Thai. Ele queria, ela não. Eu não insisti muito mas na verdade precisava do seu mapa para conseguir chegar. E como passámos da amizade por interesse às private jokes em só 10 horas? Misterios da vida mochileira.
O Mike e a Mary estavam a viajar há mais de 4 meses e a Liz e o Roberto ( a "baby" e o "amor") vão daqui a dois dias para a Australia fazer mergulho. Conversámos, andamos de bicicleta, comemos por menos de 20 céntimos, sempre a falar. Na rua, no templo, na minivan, no metro e no mercado. Sim, também fomos ao mercado.
Acabo os dias cansada, exausta. Com un nó mental de varias língua e com o medo que a viagem passe tão rápido como estes dias. Dá para congelar o tempo?


dia

Cada dia, um segundo



Foi no dia 10 de julho que eu soube que finalmente e oficialmente eu usaria o meu colchão da felicidade.
Desde então não tiro o sorriso da cara. Têm sido dias de carinho e despedidas. Dias sem horas nem correrias para fazer tudo aquilo que dizia "não ter tempo".
Neste últimos dois meses tive tempo. Tempo para despedir-me de V Televisión, para pedalar 900km  na Alemanha, para ser a madrinha mais babada do mundo, para fazer desporto, cremes hidratantes e comida saudável. Tive tempo para cozinhar, rir e abraçar. Passaram dois meses e eu gravei um segundo de cada dia que passou. Dias felizes.
E vou continuar. Um segundo cada dia durante 6 meses. Já passaram dois.
despedida

"Zero dramas, siempre smile"

Uma mochila com 4 t-shirts e dois calções. Quilos de chá, uma lonely planet, frascos pequeninos, hidratante-de-coisas-boas, um computador, 2 telemóveis, uma máquina fotográfica y um livro electrónico.
Essa vai ser a minha casa durante dois meses.
"Diverte-te", soltam todos na hora da despedida."Vai com cuidado", dizem os amigos. "Leva um casaco", arriscam os que não podem evitar a veia mais paternal, "não faças loucuras", dizem os que mais me conhecem, "concentra-te", aconselha-me ele.
E eu respondo sempre: "vou tentar". Não prometo nada. Nem sequer diversão. Tenho um plano A para os dias que correrem mal, um plano B para noites solitarias, um plano C para momentos mais parados y um plano D se, de repente, tudo sair ao contrario.
Vou tentar.
Sem pressões, sem stress, sem "tenho de chegar". No meu ritmo. Um ritmo que não sei muito bem qual é. Serei dos que querem estar "sempre em movimento"? Dos que preferem praia, relax e desconexão? Aproveitarei para dormir muito ou serei a primeira a dizer "bom dia"? Não sei e, na verdade, quero lá saber.
Como me disseram neste últimos días: "Zero dramas, siempre smile". Ese será o meu lema. (que profundo).
colchao

O colchão da felicidade (finalmente)

Desde que comecei a trabalhar tenho esse sonho. O sonho de usar o meu "colchão da felicidade". Falo disso há anos. Precisamente há 8 anos. Tive fases: achei que nunca teria coragem, ameacei com um "é já hoje, amanhã não volto", quis deixar tudo e também quis trabalhar para sempre e mudar o mundo cada dia. A ideia, umas vezes negada e outras adorada, cresceu comigo. Tornámo-nos mais sensatas, mais flexíveis. Até que houve um dia. O dia.
O dia em que decidi que tinha chegado o meu momento. O momento de tornar real o famoso colchão. Foi no dia 10 de julho de 2015. O dia em que a minha empresa alinhou no meu sonho mais sonhado.
6 meses sem trabalhar. 6 meses dedicando as 24 horas do dia a mim.
"Cuidado que passa rápido", avisaram-me sabiamente.
Estou a ter cuidado, prometo, mas os segundos não param de passar.

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