A morte temporária
4.11.09Tinha um mês para fazer aquelas 15 entrevistas. Havia dedicado uma manhã a distribuí-las metodicamente pelas 4 semanas que restavam até à estreia. Trabalho fácil, tranquilo, conciliável. Até que resolvi apresentar o plano aos chefes. Tinha uma média de 3,75 entrevistas por semana. Parecia-me razoável.
- A ideia é perfeita, Marina, só que o nosso câmara vai-se embora depois de amanhã – diz um deles.
- Acho que vamos ter de cancelar as entrevistas… - acrescenta o outro.
Eu ri-me. Vê-se tão bem que só me conhecem há um mês. Não pensei nem um segundo.
Agenda numa mão, caderno de anotações na outra, planos de rodagem no colo e telefone entre a orelha e o ombro. Sim, estava tudo certo, faríamos 15 entrevistas em dois dias.
As perguntas e os planos preparam-se na noite em claro do dia anterior. A montagem fazia-se entre um descanso e outro, e os actores… esses convencemo-los com um sorrisinho e uma promessa de sucesso.
Já estávamos no dia dois e o entrevistado falava há meia hora. Doía-me o braço de segurar o microfone e a cabeça de tanto pensar. Não podia mexer-me porque senão os meus pés entravam no plano. Não podia falar, nem tossir. Não podia suspirar.
De repente, um enjoo. Lembrei-me que não comia há muitas horas. Enjoo de fome, conclui. Depois uma fraqueza nas pernas. Fiz as contas. Estava há 8 horas sem me sentar. Foi então que os dois juntaram-se e a visão começou a surgir aos quadradinhos. Era ele. O aviso.
Quando abri os olhos dois homens sacudiam-me as pernas e mandavam-me água para a cara. Tinha acontecido outra vez.
Un bajón de tensión – expliquei. Não adiantou. Trouxeram-me açúcar, comida e primeiros socorros.
- O que aconteceu? - perguntaram-me.
- Nada, nada... É que... (como se diria isso neste idioma maldito?) morri temporariamente- arrisquei com a minha malícia poliglota.
O meu entrevistado riu-se.
- Ela desmaiou de repente - aclarou.
- Sim, "he desmayado" (porque é que nunca confio no glorioso portunhol?). É que só agora que eu percebi que é a primeira vez que desmaio em espanhol. - Tentei justificar-me.
- Isso é bom sinal Marina, porque mundo não é das virgens - explicou-me aquele sábio actor.
Eu concordei. Afinal de contas, tinha aprendido uma palavra nova.
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