A depressão pessimista

29.3.09

Eu gosto de Portugal como se gosta de alguém da família. É sangue do meu sangue, um país que não me deram oportunidade de escolher e que, involuntariamente, aprendi a faze-lo meu. Mas nada melhor do que tomar uns “ares de estrangeiro” para nos darmos conta da profundidade de alguns problemas que toda a gente já notou, comentou, aprendeu nas escolas, nos livros e na música, mas que, na verdade, ninguém lhes dá a devida importância. Estou a falar da doença crónica deste país “esquecido na pontinha da Europa”: a depressão pessimista.
Eu, como eterna estrangeira, costumo brincar com os meus amigos quando se põe a ver o mundo negro e digo-lhes: “vá, não sejas tão português”. Os meus pais revoltam-se com o “é melhor pensar que vou perder porque assim não fico tão triste se perder realmente” e eu recrimino esse sentimento quando ele começa, secretamente, a fazer sentido na minha cabeça.
Mas estava hoje a ler o Público, na minha querida rotina de domingo-informativo, e, de repente, fui obrigada a interromper a leitura. Esta cabeça formata para a análise jornalística não conseguia parar de pensar que havia aqui um padrão assustador. Proponho então um “descubra as semelhanças” neste conjunto de citações do jornal:
- “A agricultura não melhora”
- “Os nossos dirigentes políticos não sabem o que nos espera, não têm rumo, perderam a noção dos objectivos”
- “Os jovens portugueses não arranjam trabalho (…) os recibos verdes não dão direito a baixas médicas”
- “O salário mensal não chega a mil euros”
- “Os portugueses não têm casa, nem férias”
- “Já quase não consumimos leguminosas”
- “Maria não devia ter comprado casa”
- “Não nos divertimos tanto como os outros”
- “7,9% dos portugueses não têm um único livro em casa”
- “O subsídio de desemprego não chegava para a renda da casa”,
- “A vida não está fácil para os vendedores”
Eu ia na página 15 do suplemento Pública quando resolvi pesquisar: “Quantas vezes já se escreveu a palavra “não” até aqui?”.
Poupo-vos o trabalho. Em apenas 15 páginas a palavra "não" foi repetida 213 vezes.
E isso é, sem nenhuma margem de erro, assustador.

Nota: Neste post repetiu-se nove vezes a palavra “eu” e o seu respectivo artigo possessivo (e isto porque a língua portuguesa permite, na maior parte das vezes, omitir o pronome).
E isso também é, sem nenhuma margem de erro, assustador.

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