Lembra-te

22.11.15

Convivo à demasiado tempo com a minha memória de peixe.
Talvez por isso escrevo.
Para não esquecer aquele dia em que cheguei a uma aldeia hostil. Viciados em opio, lixo, ruas de barro e um hotel sem internet. Desconectada do mundo, sem vistas bonitas nem companhia para passar o tempo.
Fui passear. Objectivo: almoço. O primeiro restaurante era sujo e escuro, o segundo, também. Mas foi então que lá ao fundo, na sombra, entre o arroz frito e a Beerlao vi o que parecían ser dois olhos redondos. Duas peles brancas. Duas línguas com letras conhecidas. Westerns?
Aproximei-me com cara de esperança. "Olá", disse no meu melhor inglês, "a comida aquí é boa?", perguntei sem me importar com a resposta. Eles já tinha esvaziado o prato.
O próximo passo era o ataque. "Posso sentar-me com vocês?", propus. "Sim, mas acabamos agora mesmo de comer", disseram. E eu retruquei, enquanto puxava uma cadeira: "Não há problema, eu como rápido".
Passámos a tarde juntos. Até trocámos números de telefone.
Viajar sozinha é isto. Fazer amigos à força. Não ter vergonha. Falar, partilhar e ser, porque não, um pouco egoísta.
Egoísta como naquele dia em que recusei viajar com uma rapariga só porque ela mencionou ter poupado 50.000 euros para esta viagem de 6 meses. Fiz-lhe um adeus com a mão e com um sorriso disse-lhe "see you around". Ela ficou com cara de pendurada. E eu segui o meu caminho com os meus 20 euros diarios.
Viajar sozinha é escolher. Como isso que se dizem dos trabalhadores por conta própria: "fazem o seu horario". Quando troto o mundo sem partner acordo às 6 da manhã e vou para a cama às 9.30. "Fica mais um bocado", pedem. E eu respondo "não". Um não, pela primeira vez, sem remorsos, sem dúvidas, sem "e se...". Não porque não me apetece, porque a viagem é minha e eu faço o que eu quiser.
Um não tão (prazerosamente) egoista.

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