Desconfia
9.10.15
Tu, mochileira, que estas há um mês a viajar sozinha. Lonely travelers, chamam-vos. Um dia alguém, quem sabe invadido por uma bondade genuina, pergunta: “Queres que segure a tua mochila?”, e quando percebes já disseste que não. Claro que não. Tu e a tua mochila são só um. Ela é, na verdade, a tua única conexão com a realidade. Sem ela andarias sem rumo. Sem dinheiro, passaporte, internet, água e comida. A mochila é a tua casa, a tua essência, talvez. O remédio para as horas mortas, o entretenimento para os autocarros intermináveis. A última coisa que pensas antes de dormir e a primeira que tocas ao acordar. Os mais pícaros até lembrariam daquelas noites de sono leve e preocupado onde a mochila foi como um filho protegido pelo abraço apertado.
Não, disseste. Porque não confias. Nem naquele desconhecido com cara de bonachão, nem nos amigos de há mais de dois ou três dias (toda uma eternidade para estes tempos). Não confias em ninguém, em suma. Só em ti.
Viajar sozinha tem este ponto amargo, acido, ruim. Quando tu es a tua unica voz, o teu proprio doubleckeck, o teu diabo e o teu grilo falante. Quando tudo depende de ti e de mais ninguém, desconfias. Sempre.
Daquele senhor que pergunta de onde vens, que quer ajudar-te com o mapa. Da idosa que te oferece comida, que te põe uma pulseira no braço. Da rapariga que pousa para a tua foto (pedirá dinheiro?), do menino que brinca entre as tuas pernas (estão a tentar distrair-te?). Da senhora que te recomenda um restaurante (o que ganha com isso?), do mochileiro que diz que gostou do tour (essa gente gosta de tudo), do turista que diz que é barato (aposto que é rico e não tem criterio), do que fala bem de um hostel (talvez a sujidade não lhe incomode), do copo de agua que não sabes de onde vem, da comida que aparece sem ter passado pela cozinha. Do caramelo. Do desconto. Do kilo de fruta demasiado barato. Quando te apercebes passas o dia a desconfiar, a pôr cara seria, a tentar, tantas vezes sem sucesso, que não te roubem. Dinheiro, tempo, animo e felicidade.
Madam, hello, madam, dizem. E tu, automaticamente, dizes que não com a cabeça. Fazes bem, viajeira mochileira, é bom desconfiar, ouvir historias e aprender. Mas não te amargues. Aprende a dizer que não com um sorriso e quando te roubem o pagues mais do que o necesario, oh well, como diria o meu Pai... "a vida é injusta".
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