H.A.
14.1.10Algures durante a minha adolescência tive uma professora de História chamada H. A. Ela era baixinha, gordinha, tinha o cabelo vermelho e óculos fundo de garrafa. Dizia que era vidente, mas essa não era a sua única extravagancia.
Em Portugal as notas vão de zero a vinte e a H, gostava muito de dar vintes. Distribuía-os com sorrisos e um “parabéns” escrito por baixo da nota.
Mas eu era adolescente e a mim não me compravam com números. A desconfiança começou a nascer. Podia estudar muito, muito, muito, ou pouco, pouco, pouco e lá vinha ele, o 20, desenhado no teste impoluto.
A coisa começou a fazer-me comichão e um dia resolvi planear um golpe de estado. O plano? Escrever erros propositados no teste. A teoria a ser provada? A H. A. não lia os exames. O objectivo? Manda-la para o olho da rua.
Foi um estratagema muito bem pensado. Tudo tinha de funcionar na perfeição para que a minha nota final não fosse prejudicada. Os erros deveriam vir entre frases intercalares (e não nas frases principais) e ser muito chamativos.
Então chegou o dia do exame. Furtas, decidi, num impulso. “Vou por nome de frutas no meio das respostas do teste”, pensei. E o resultado foram textos que variavam entre “e foi então que laranja Salazar chegou ao poder” e “o plano marshall banana foi o plano de recuperação económica limão dos países aliados”.
Transpirava das mãos quando, semanas mais tarde, recebi o lendário exame. Mas ali estava ela, a prova do crime: vinte, tinha escrito a professora no topo superior direito da folha de ponto, vinte. Eu sorri e dediquei o resto da aula a circular com um lápis todos os nomes de fruta que tinha espalhado pelo teste. Quando tocou o sinal, dirigi-me ao gabinete do director da escola com o exame na mão. Contei-lhe a história e mostrei-lhe as provas. Ele respondeu, admirado: “Sabe que o que fez é muito grave e que pode ter um zero nesse teste?” E eu respondi, no auge do meu altruísmo adolescente: “Se o meu zero significar que a stôra vai ser despedida, não me importo”. Sai do gabinete com um ar triunfante e com uma segunda decisão tomada: ninguém deveria saber do meu pequeno golpe de estado. Eu já não era uma rapariga popular e, imaginem, se descobrissem que me tinha ido queixar por ter vintes injustamente. Não, esta deveria ser uma revolução secreta.
Nunca cheguei a descobrir se a H. A. foi informada sobre o meu pequeno golpe de estado, mas depois desse teste nunca mais voltei a ter um 20. No primeiro dia de aulas do ano seguinte a noticia que voava pelos corredores era só uma: “A H. A. tinha sido despedida”. Desde então gosto de pensar que tive um dedinho de influência nessa decisão.
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