Toalhas 2 vs. Marina 0

Na semana passada fizemos um amigo secreto tardio aqui de Madrid. A troca de presentes foi um momento muito esperado com direito a pistas espalhadas pela casa, contagem regressiva e muito nervosismo. Houve os presentes de verdade e os de brincadeira, aqueles que nos fizeram chorar de rir e os que vieram com a lagriminha no canto do olho. De repente, a nossa “mão inocente” entra no saco e tira um presente: “Marina!”
Era a minha vez.
Então olho para o pacote. Encima do embrulho havia um desenho: Uma senhora de bigode com uma baguete de pão na mão. Ao lado, um carro espatifado e o relógio da Porta do Sol a dar as badaladas. Estava tudo dito, não precisava rasgar o papel, já sabia o que vinha aí. Os meus piores pesadelos iriam tornar-se realidade. Abro o pacote e ali está ela: a famigerada, odiada e temida Toalha. Pessoas deitadas no chão a rolar de tanto rir, outros a darem-me palmadinhas nas costas e eu sem saber se refilar ou alinhar na brincadeira. Decidi enrolar a toalha à volta do corpo, dar uns quantos tabefes ao meu amigo e pousar para a foto.
Ao sair do escritório ligo a uma amiga para contar (revoltadíssima) o sucedido:
- … Ofereceram-me uma toalha!!!!!
Ela começa a gargalhar e ouço do outro lado do telefone um amigo a perguntar-lhe o que se passava. Ela responde:
- Ofereceram à uma amiga minha uma toalha no amigo secreto.
E essa voz la ao fundo diz, confusa:
- Mas porquê? É portuguesa?

Dei um guincho de terror e constatei o resultado do placar: Mito da toalha 2 vs. Marina 0

Jui!

Conversávamos sobre nomes de filhos e da conversa seria começou a parvoíce.
- Não, Marina, o teu filho deveria chamar-se Toalha, em homenagem ao teu país
(ha-ha-ha)
- Está bem, pronto, então eu chamo ao meu “io” em solidariedade com o “Toalhas” – diz um amigo, deveras confuso.
- Io? – pergunto, totalmente perdida.
- Sim, como é aquele nome que vocês têm em Portugal? Io? Rrio?
- Rui? – arrisco.
- Esse, Rrui – diz o meu amigo a fazer biquinho com a boca.
Explico que não é Rrui, que é Rui, com o “erre forte”.
- Mas escreve-se com jota? – pergunta uma amiga
E é aí que começa o problema.
- Claro que não se escreve com jota! – revolto-me – porque em Portugal, ao contrário de Espanha, os erres têm som de erre e os jotas som de jota.
- Então e como é o som do erre? – questiona o amigo já picado com a conversa
- O erre tem som de erre, como a própria letra indica: “rrrrrrrrreeeeee”.
- Então mas lê-se rrrrrrrrrrrui?
- Não, porque o erre quando ta no principio das palavras tem som de…
- Jota? – diz o meu amigo com cara de vencedor
- Não! Tem som de erre forte!
- E como é o som do jota? (lê-se “rota” em espanhol)
- É como o jota: “jjjjjjjjjjjjjeeeeeeee”
- Mas esse não é o som do gê?
(risada geral, silêncio)
- Já vos disse que vou chamar ao meu filho Toalhas? – apelo.
Há discussões que, simplesmente, não deveriam existir.

H.A.

Algures durante a minha adolescência tive uma professora de História chamada H. A. Ela era baixinha, gordinha, tinha o cabelo vermelho e óculos fundo de garrafa. Dizia que era vidente, mas essa não era a sua única extravagancia.
Em Portugal as notas vão de zero a vinte e a H, gostava muito de dar vintes. Distribuía-os com sorrisos e um “parabéns” escrito por baixo da nota.
Mas eu era adolescente e a mim não me compravam com números. A desconfiança começou a nascer. Podia estudar muito, muito, muito, ou pouco, pouco, pouco e lá vinha ele, o 20, desenhado no teste impoluto.
A coisa começou a fazer-me comichão e um dia resolvi planear um golpe de estado. O plano? Escrever erros propositados no teste. A teoria a ser provada? A H. A. não lia os exames. O objectivo? Manda-la para o olho da rua.
Foi um estratagema muito bem pensado. Tudo tinha de funcionar na perfeição para que a minha nota final não fosse prejudicada. Os erros deveriam vir entre frases intercalares (e não nas frases principais) e ser muito chamativos.
Então chegou o dia do exame. Furtas, decidi, num impulso. “Vou por nome de frutas no meio das respostas do teste”, pensei. E o resultado foram textos que variavam entre “e foi então que laranja Salazar chegou ao poder” e “o plano marshall banana foi o plano de recuperação económica limão dos países aliados”.
Transpirava das mãos quando, semanas mais tarde, recebi o lendário exame. Mas ali estava ela, a prova do crime: vinte, tinha escrito a professora no topo superior direito da folha de ponto, vinte. Eu sorri e dediquei o resto da aula a circular com um lápis todos os nomes de fruta que tinha espalhado pelo teste. Quando tocou o sinal, dirigi-me ao gabinete do director da escola com o exame na mão. Contei-lhe a história e mostrei-lhe as provas. Ele respondeu, admirado: “Sabe que o que fez é muito grave e que pode ter um zero nesse teste?” E eu respondi, no auge do meu altruísmo adolescente: “Se o meu zero significar que a stôra vai ser despedida, não me importo”. Sai do gabinete com um ar triunfante e com uma segunda decisão tomada: ninguém deveria saber do meu pequeno golpe de estado. Eu já não era uma rapariga popular e, imaginem, se descobrissem que me tinha ido queixar por ter vintes injustamente. Não, esta deveria ser uma revolução secreta.
Nunca cheguei a descobrir se a H. A. foi informada sobre o meu pequeno golpe de estado, mas depois desse teste nunca mais voltei a ter um 20. No primeiro dia de aulas do ano seguinte a noticia que voava pelos corredores era só uma: “A H. A. tinha sido despedida”. Desde então gosto de pensar que tive um dedinho de influência nessa decisão.

A baguete e o estado civil

Então hoje fui à padaria e pedi:
- Uma baguete das pequenas, se faz favor.
A senhora olha para mim com um sorriso maroto. Não percebo, mas por educação sorrio de volta.
- Ah, vive sozinha - diz a senhora, que devia ter mais ou menos a minha idade.
Balbucio um "sim" meio envergonhado enquanto as minhas bochechas coram.
- Sabe, estes pães não têm muita saída - eu penso, "pronto, já me está a mandar a indirecta que o pão é velho" - É que acho que há cada vez menos pessoas assim, como eu e você.
Eu arregalo os olhos. Mas de onde veio toda essa intimidade?
- Sabe? Como eu e você, mulheres independentes e sem namorado. Das que compram pão só para uma pessoa.

E este será para sempre lembrado como o dia em que até a senhora da padaria me chamou de encalhada. Assim vais longe, Marina.

2009, um ano perfeito

Castillo de Santa Cristina, A Coruña

Castillo de Santa Cristina, A Coruña

Paris

Caminho de Santiago

Caminho de Santiago

Caminho de Santiago

Vigo

Cardiff, Gales

Chueca, Madrid

Ciudad de las Artes, Valencia

Ciudad de las Artes, Valencia

As doze uvas

Não havia resoluções e isso, só por si, já parecia diferente. Depois também não havia autocarros, mas esse pequeno obstáculo resolvemos interpreta-lo como um sinal. E então de volta a casa com o frio a trespassar o gorro e a instalar-se na cabeça. Menos mal que há televisão, dissemos. E convencemo-nos.
Ligámos o aquecimento e pusemos banda sonora. A tv ficava em mute por enquanto. Havia muitas retrospectivas e balanços que fazer. Mas ele não gostava disso, ficava nervoso, garantia. Então eu falava e ele ouvia, e comentava as parcelas das minhas histórias como se de um filme se tratasse. “Muito bom o teu ano”, concluiu, e eu disse-lhe que o dele também tinha sido, que era tudo uma questão de retórica e narrativa.
E conversa puxa conversa e lá vêm as badaladas. Televisão em On, prepara o copo e as uvas. Dizem que o principal objectivo é não engasgar.
- Mas é uma uva por segundo?
- Uma por badalada.
- E quanto tempo dura uma badalada?
- Não sei, mas treinar dá azar.
Como não havia resoluções, também não havia desejos. It’s a deal.
Então pé direito no chão e doze uvas alinhadas. Copo cheio e concentração em alta.
Uma, duas, três, quatro, cinco. Já estávamos com cara de engolir forçado quando percebemos que só agora tinham começado os sinos. O lado bom é que já só faltavam sete uvas e o mau é que umas quantas badaladas morreram de fome.
Sobrevivemos, mas agora resta saber se a tradição trampa funcionou ou se aquelas cinco badaladas esfomeadas vingar-se-ão em 2010. Quem viver, verá.

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