Andar? Nao, eu prefiro caminhar.
5.8.09Se há uma semana atrás alguém se virasse para mim e me dissesse: “Nos últimos dez meses não usaste nenhuma vez o passado do verbo andar” eu rir-me-ia na sua cara, diria que estava louco e até seria capaz que sentir-me um pouco insultada. Sim, está bem, já sei que o meu espanhol não é aquela maravilha… mas o verbo andar? Vá, pelo menos até ai posso garantir que o meu vocabulário chega.
Infelizmente, nestes últimos dias esta história banal teve um inesperado twist.
Como estrangeira consciente das suas debilidades linguísticas (e depois de ter passado por umas vergonhosas humilhações que prefiro não recordar), não demorei muito tempo a perceber que os correctores ortográficos têm de ser bem tratados e mimados porque a nossa vida depende deles. Foi devido a essa premissa que criei o (inteligente) hábito de nunca escrever uma linha de texto sem passa-la antes por um corrector “solo por si acaso”.
Foi então que esta semana se passou uma coisa curiosa. Estava a escrever-lhe um mail quando o meu Amigo e Aliado corrector automático colocou uma minhoquinha vermelha por baixo de uma palavra. Dizia-me que “andaste” não existe. Parei um pouco para pensar. Confirmei na minha gramática mental que o passado do verbo amar era “amaste”, o do verbo escuchar era “escuchaste” e o do nadar era “nadaste” . “Bem, este corrector está louco” reflecti. E só para não ofender a máquina nem subestimar o seu conhecimento fui perguntar ao Santo Google. Dei uma vista de olhos ao primeiro resultado da pesquisa “conjugar el verbo andar” e, por coincidência, (estariam todos os computadores com um nó mental?) não me havia nenhum verbo parecido com “tu andaste”. Insisti um pouco nessa página, mas só apareciam conjugações estranhas que deviam ser “daqueles tempos que nunca se usam”, concluí.
Por fim, e para não ofender o Santo Google, nem o Grande Amigo e Aliado corrector automático, optei por substituir “andaste” por “has andado” fingindo não me lembrar das regras restritas que o professor de espanhol me tinha passado sobre a utilização do tempo composto.
E eis que surge a resposta ao mail. Ele, esse mestre da língua espanhola e melhor amigo da Rae responde-me como que fazendo troça das minhas dúvidas existências: “Si, yo anduve mucho”.
Passou-se tudo num segundo. A minha respiração parou, o dedo deslizou para a tal página do Santo Google e buscou outra vez “aquelas-conjugações-estranhas-que-deviam ser-daqueles-tempos-que-ninguém-usa”: Pretérito Perfeito do Indicativo: yo anduve, tu anduviste…
Pânico. O coração palpitou. “Marina, pensa rápido se em todo o tempo que estás em Espanha alguma vez já tiveste que utilizar o verbo andar no passado”, dizia a minha consciência. “Pensa nas apresentações orais, nas colaborações com a rádio local, nas intervenções das aulas. Por Favor, suplico-te, diz-me que não passaste por essa vergonha”.
Podia ser uma palavra invulgar, um verbo complexo, um tempo verbal esquisito. Mas não. Era o passado do verbo andar. Esse simples e banal verbo andar.
Então tomei uma decisão que mudou o passado da minha história espanhola. Disse para mim mesma: “É que eu até hoje usava sempre o verbo caminhar”.
E esta passou a ser a versão oficial.
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