A catedral não está centrada

16.4.09

Começámos ao meio dia, seis horas depois da hora normal do inicio da caminhada. Vimos uma seta amarela e seguimos, seguimos, seguimos. Nem alma por perto. Só nós e as nossas histórias para pôr em dia.
Até que passa alguém. “Hola”, diz-nos. Demoramos um pouco para entender a abordagem. Mas os quilómetros passam e, com eles, vamos ganhando familiaridade com esse linguajar. “Buen Camino”, desejamos, e os peregrinos tiram as suas caras de reflexão para responder um mal pronunciado “Uén amino”, muitas vezes imperceptível no meio do sotaque estrangeiro ou de um rosto mais cansado.
É o código do peregrino, dizem.
Dezenas de quilómetros depois, as pernas destes caminhantes despreparados começam a ceder, os joelhos a vacilar e a conversa surge mais escassa. É então que os nossos eternos acompanhantes quebram o código e arriscam-se em frases novas, que se vão repetindo, vezes e vezes sem conta. “Animo”, dizem. E nós sorrimos.
“Chicos, ya queda poco” nos grita alguém la do topo da montanha ao ver um espectáculo lastimante de pernas coxeantes e cabeças baixas. Nós erguemos cabeça, olhamos longe e aumentamos o ritmo. “Va lá, um último speed”, sugere o que tem menos bolhas nos pés.
E lá fomos nós, de speed em speed, com mais e menos “animo”, acreditando cada vez menos naquelas palavrinhas por baixo da seta amarela. “Casi”, estava escrito, mas esse quase parecia que nunca chegava.
Até que um dia, 112 quilómetros depois, finalmente nos pudemos deitar durante dez minutos no centro da praça e concluir: “A catedral não está centrada”. Só um caminhante poderia ver isso, pareceu-nos. E foi então com orgulho que nos levantámos e decidimos ir beber um merecido leite com chocolate acompanhado de uma “tarta”. A tarta de Santiago.
Era verdade, tinhamos mesmo chegado.

You Might Also Like

7 comentarios

Subscribe