Parecia tão longe mas já está ai. Quanto falta? Um dia? Dois? Dez? Vamos deixar a natureza mandar.
A casa está preparada, a roupa lavada, a lista de compras cheia de “checks”. Tudo está pronto. Menos, nós, claro. Acho que nunca estaremos.
Temos o berço, a roupinha, as toalhas de banho. Chamamos-te “magrinho”, “cloquetinho”, “patatoide atómico”, “Lucas loco”, “bonitinho”. Tanto faz.
Dizemos que vamos ensinar-te isto e aquilo. Que vamos viajar, mostrar-te o mundo. Pensamos em como serão as tuas festas de aniversario. Os teus amigos. Os teus tempos universitários. Debatemos se educar com “sim” ou com “não”, se dar açúcar, se poderá brincar com pistolas ou jogar à consola.
Mas no fundo, todo são nervos.
Só queremos que chegues. Que venhas forte e saudável. Vem, nosso gordo magrinho, vem. Estamos aqui. Esperando.
Esperar é
tantas vezes um exercício. Não é sentar e deixar o tempo passar. É uma prova de
resiliência. De aceitação.
É um
processo de silêncios, de tardes no sofá, de livros e mais livros. É um
dia-a-dia pouco interessante. Uma conversa sem muito que contar. Um sono que
vem de repente.
- Não se
estressa. Não pega peso. Não passeia demais. Não come tanto. Não come tão
pouco.
Mas ninguém
fala do difícil que é não ficar ansiosa quando a sua única tarefa é não ter
ansiedade. Ninguém te ensina como gerir as horas, os minutos, quando você só
quer que “tudo esteja bem” e para isso você só tem que... esperar. Descansar e
esperar.
Os outros
marcam ferias, viajam, assistem aos melhores shows. Eles comem sushi, jamón e
todos os tipos de queijo. Você não. Este ano não. Quem sabe daqui a uns meses.
Ou anos. Sei lá.
Você refaz
os planos. Renuncia. Diz “não” mesmo sem entender porquê.
E enquanto
o mundo continua girando, você espera. E admira, com um leve sorriso, a bagunça
que alguém faz dentro da tua barriga.
Ainda nem começou
mas já deu para perceber como vai ser. No mundo da maternidade todos têm algo a
dizer. “Que barriga tão pequena”, “tens de comer mais”, “não comas tanto”, “não
comas açúcar”, “come o que te apetecer” “não faças desporto”, “não devias ter
deixado o exercício” “compra isto” ou “nunca jamais compres aquilo”, têm sido
um clássico durante estes meses.
Também temos a
versão da enfermeira que conta histórias de morte súbita de recém nascidos para
explicar que as massagem não ajudam sempre. Os amigos que relatam as suas
peripécias: partos prematuros, noites no hospital, infecções, bebés chorões e
santos. Há de tudo.
Sempre aparece
aquela conhecida mais radical: “não pode comer até aos seis meses”, “sem bolachas
até aos dois anos”, “nunca dês chucha antes do primeiro mês”, “pede alta
voluntária depois do parto”. E a versão mais desenrascada: “molha a chucha no
sumo de laranja”, “dá-lhe remédios para as cólicas”, “no seu quarto a partir do
primeiro mês”.
E nós pelo meio.
Tentando driblar os comentários, relativizar, pensar que “não é por mal”.
Tentando que nada nos afecte, que não nos dê insónia, que não nos maçe nas
horas mortas. Tentando seguir o nosso instinto e ao mesmo tempo pensando: “Será
que isso existe realmente?”
Tantas dúvidas,
tanto tempo para refletir. Tantas opiniões, tantas perguntas. “Como estas?”, “Como
vai isso?”.
E tão difícil resumir
este turbilhão em palavras.
Pode ser que
sejas orelhudo, que tenhas o nariz grande, o cabelo esquisito. Dizem que és
pequeno, pequenino, minúsculo. Pode ser a tua roupa de 50 centímetros fique
larga, a boiar, ou, quem sabe, até pequena.
Mas não faz mal.
Das pontapés.
Muitos. Tantos. Pedimos-te que fiques calmo, calminho, que não sejas ansioso.
Mas, quem sabe? Podes ser tranquilo e introvertido como o teu pai. Figas. Ou
inquieto e ativo como a tua mãe. Tu escolhes.
Vamos querer que
sejas um pouco de tudo. O melhor de nós. Mas se quiseres ser algo completamente
diferente, não faz mal.
Pedimos que nos
deixes dormir à noite, que já nasças a saber mamar, que não chores muito, que
sejas sorridente e empático. Mas se não fores nada disso, também não há
problema.
O teu pai vai
ensinar-te a gostar de planetas, astronautas e ETs. Vai querer jogar Super
Mario. E oferecer-te um milhão de Legos e bandas desenhadas. Mas se não achares
graça, não te preocupes. Eu também não gosto.
A tua mãe vai
insistir para que fales português, que faças yoga e andes com ela de bicicleta.
A tua avó galega vai apresentar-te o maravilhoso mundo dos livros. No Brasil
vais ter um avô e um tio que vão falar contigo de futebol. Guarani ou
portuguesa? Podes escolher. Mas se quiseres outro clube, ou nenhum, também pode
ser. A tua avó brasileira vai ensinar-te a amar as plantas, a difícil arte de
não ser preguiçoso e como ganhar os concursos de Miss Simpatia. Mas se não
herdares esse seu lado, não faz mal.
Podes ser
diferente.
Podes gostar de
azul, verde, amarelo ou cor de rosa. De qualquer tom de pele. Meninas ou meninos. Podes amar matemáticas,
música ou ciência. Preferir os gatos, os cavalos ou nenhum animal em
particular.
Não vamos mentir
e dizer-te que não temos expectativas. É claro que temos. Prometemos ensinar-te
tudo o que sabemos. Apresentar-te o mundo, cultivar a tua curiosidade e
inteligência.
E assim podes ser
tu a escolher. Sem pressão, sem tabus, sem percentis. Porque, filho, queremos
que saibas que não faz mal ser diferente.
8 meses. 8 meses
que lá atrás, em dezembro, parecia que seriam uma eternidade.
8 meses em que
fizemos tantas coisas juntos. Viajamos, conseguimos novos clientes, fomos a
concertos e até trabalhamos para um festival de música. Fizemos yoga e natação
para as dores nas costas. Crescemos. E gravamos um documentário .
8 meses escutando
“que barriga tão pequena”. E repetindo sempre o mesmo: “Estamos ótimos”.
8 meses falando
em plural.
Como será formar
uma família sem esta espera? A espera que parecia tão longa e que agora parece
imprescindível. Lembro-me de pensar que ainda só me sentia 60% mãe. Agora estou
em 90, uns 93%, talvez.
Aprendi tanto.
Aprendemos tanto. Vibrei com os primeiros “choques” na barriga, que eram os
teus pontapés. Descobrimos que gostavas de laranja. E de fruta em geral. Tens
uma música preferida e respondes com carinho à voz do teu pai. És um sortudo.
E nós, como
família-em-construção, fomos aprendendo a escutar. A escutar-te.
Quanto tens fome.
Quando estás a crescer e barriga dói. Não faz mal. Ouvimos-te e sabemos quando
precisas parar, quando o destino é o sofá.
As caminhadas
passaram de 17km a menos de um, mas as dores nas costas desapareceram. As idas
à balança também. E a preocupação pelo corpo flácido, a roupa que não serve, o
look que realça a barriga.
Aprendemos a
fazer menos planos, a não ter medo a dizer não, "afinal não podemos", a passar uma noite
de sábado em casa. Perdemos a fobia a descansar. Descansar e escutar.
Lá vêm elas, cheias de certezas, opiniões. Sabem mais que o médico, que o ecógologo, o tocólogo, o nutricionista e a enfermeira. Elas sabem porque foram a conferencias, fizeram cursos, leram na internet. Sabem porque têm o instinto aguçado, confiam nas suas intuições. Fazem perguntas técnicas, planos de parto, estratégicas metodológicas sobre “lactância infantil”.
Dão conselhos que são autênticas ordens. Faz isso. Não faças este outro. Isto sempre. Nunca. Jamais.
E quando lhes dizem que vão ter uma menina elas dizem que não, que veja bem, que elas têm a certeza que é menino. O médico revira os olhos, bufa, volta a olhar... E não é que era mesmo menino?
Quando lhes dizem que o seu bebé é pequeno, elas dizem que isso é impossível. Que só pode ser um erro médico. Que o ecógrafo estava distraído, que o exame foi feito à pressa, que querem outra opinião. Exigem uma segunda ecografia. O seu filho não é pequeno. Seria melhor substituir o médico por um algoritmo. Da interpretação dos dados, já se encarregam elas.
E é aqui que eu entro. Que nós entramos. Sem certezas nem instintos. Será que isso existe realmente? Sem um sim absoluto, nem um não rotundo. “Confiamos na ciência”, diz ele. Vamos aos cursos sem grandes perguntas. Quando dizem descanso, descansamos. Primeiro à nossa maneira e depois de forma absoluta, sem gretas, com contadas exceções. Para nós espera significa esperar e descansa significa descansar. Comer bem quer dizer legumes, vegetais, frango assado e peixe no forno. Relaxar é fazer yoga de manhã, ler muito e dormir mais. E estás a ler sobre o parto, o percentil, as contrações, a subida de leite e a educação Montessori? Não. Estou a ler Ishiguro. E vou retomar o blog.
Há dias bons, há dias maus e há dias mais ou menos. Há dias com tanto trabalho que nem da para respirar e há dias com trabalho nenhum. A diferença é que nos dias "sem trabalho" vou passear com a Fina (a bicicleta), bebo uma caña com uma amiga ou aprendo algo novo. A costurar, por exemplo. Nos dias sem trabalho já não fico em frente ao computador a "fingir que trabalho". Isso é uma grande mudança.
Nesses dias lentos desenvolvo projetos, planos de futuro. E pensar não da dinheiro (por enquanto) mas também é trabalhar. Quando me perguntam o que faço, explico que trabalho "por conta própria", que tenho "horário flexível", que escrevo muito de manhã, faço conference calls, crio, edito, calculo, transcrevo e desligo o computador as 7 da tarde.
E isso é um privilegio.
Há dias bons, muito bons. Nesses dias faço yoga quando o sol está a nascer, jogo conversa fora enquanto o sol faz o céu ficar cor-de-rosa, tomo banho com shampoo e sabonete artesanais e cozinho um jantar saudável.
Nos dias mais ou menos tenho dúvidas sobre o futuro. Mas esses são poucos e passam rápido.
Nesses dias lentos desenvolvo projetos, planos de futuro. E pensar não da dinheiro (por enquanto) mas também é trabalhar. Quando me perguntam o que faço, explico que trabalho "por conta própria", que tenho "horário flexível", que escrevo muito de manhã, faço conference calls, crio, edito, calculo, transcrevo e desligo o computador as 7 da tarde.
E isso é um privilegio.
Há dias bons, muito bons. Nesses dias faço yoga quando o sol está a nascer, jogo conversa fora enquanto o sol faz o céu ficar cor-de-rosa, tomo banho com shampoo e sabonete artesanais e cozinho um jantar saudável.
Nos dias mais ou menos tenho dúvidas sobre o futuro. Mas esses são poucos e passam rápido.