Tikilitikili

E entao puseram-nos num camelo. Cada um com a sua garrafa de agua. O ritmo era lento. As costas sofriam, a areia entrava nos olhos mas quando os graus desceram, aquele deserto com plantas, excrementos e bichos que davam puns em andamento, foi ganhando cor. O sol pintou a areia de amarelo, e a paisagem árida, plana e desinteressante transformou-se em perfeitas dunas. Dunas virgens. Os nossos camelos chamavam-se pineapple e king kong. Tentamos fugir da turistada. Deixamos os homens a cozinhar. Faziam chai, curry, arroz, chapatti. Muito ou pouco spicy? Nos só queríamos escapar!
Subimos e descemos montes de areia, saltámos, disparámos fotos a turnos.
Com a noite chegaram as estrelas e os escaravelhos. "Não são perigosos" - defenderam os homens do deserto- "so fazem tikilitikili.
Já não nos lembrávamos dos bichos encorvados com nomes americanos. Eramos só nós e as estrelas com constelações inventadas e um ou outro grito histérico sempre que um escaravelho queria subir pela nossa perna. Não era medo. Era só a natureza a fazer tikilitikili.

Chilique

Le enseñé la palabra "chilique", "dar chilique", le dije. Porque en los viajes los chiliques son inevitables. A mi me puede el hambre, los hoteles sucios, la falta de ventanas. Él se deja derrotar por el cansancio, el dolor de cabeza, el exceso de calor.
Yo quiero salir, él se quiere quedar. El eterno dilema.
- Viajamos parecido - comentamos con orgullo.
Nos gusta callejear, visitar lo mínimo, turistadas las justas. Nos gusta comer bien, movernos mucho, mochila ligera y camara de fotos a mano. Yo pido sunset, él pide cerveza.
Pero no hay perfecto.
- Oye... Estás dando chilique? - pregunta él cuando me enfurruño por un baño sucio o por su mania de "no desayunar ni comer". Le digo que sí, seria. Acabamos riéndonos. Concluyo que el chilique nos vino a salvar de los chiliques. Ponerle nome extranjero ayuda a quitarle dramatismo al mal humor viajero.

Delhi

Um mendigo dorme no chão. Un senhor cozinha numa panela que nunca viu agua. Uma mulher da um empurrão à criança pedinte. Um cão desmaia com o sol do meio dia. Uma turista mostra o hombro e os homens se escandalizam.
Faz calor. A comida das calçadas apodrece, as moscas aproveitam, os homens mancham as camisas de suor, as mulheres mostram a barriga por baixo do sari. Isso não choca ninguém.
Eles gritam e bailam com a cabeça. Bebem agua filtrada. Ou não. Limpam o prato com um pano antes de comer. Pena que o pano esteja sujo.
Não vestem branco nem preto. Vestem colorido. Sem medo. Não usam óculos de sol ou rabo de cavalo. O verão se combate com um pano na cabeça.
São 3 da tarde e é hora de ponta. Não cabe mais ninguém no metro. Mas eles empurram e se misturam entre gotas de suor. Um token a cambio de um vagão com ar acondicionado. 

Termo de responsabilidade

Quase não entramos na India. Quase.
- Há uma irregularidade com o seu visto - dizem com cara de circunstancia.
Soltam as palavras mas para eles a vida segue. Mudam de turno, atendem chamadas, riem. E, enquanto isso, nós ali, sentados no chão daquele aeroporto, à espera.
- E se não nos deixam embarcar?
Pensamos no dinheiro perdido. Na viagem de sonho. Numa alternativa para as ferias.
No cancelamento dos hotéis. No fracasso.
Quase não entramos na India mas decidimos arriscar. Assumimos as consequências: a suposta multa de 3.000 euros, o preço de ser deportados. Assumimos as consequencias e "pensamos positivo", como se diz na minha familia. Assinamos o maldito papel. O "termo de responsabilidade" que lhes da, obviamente, a eles tudo e a nós nada.  Abraçamos a injustiça e vamos.
Tudo corre bem.
Tudo corre bem a pesar dos nervos, da noite mal dormida, do nervoso miudinho na emigraçao.
Tudo corre bem e estamos na India e não parece real. Sabíamos que seria colorido, sujo, caloroso, picante e difícil. Está a ser muito mais do esperado.
Passaram dois dias e eu so penso: ainda bem que arriscamos. 

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