casacheia

Casa cheia

Eu, na verdade, nunca tinha sonhado com isso. Com uma casa cheia. Nunca quis fazer filmes, documentários ou grandes projeções. O que eu queria era mudar o mundo.
Mas agora entendo que para mudar o mundo temos, primeiro, que conquistar. E para conquistar precisamos de leitores, espectadores, um clube de fans se for possível.
E foi por isso que quando chegámos ali, naquela sala de cinema vazia, no meio de uma tempestade, eu pensei: "no vamos a llenar". E, de repente, a casa cheia passou a ser importante. ¿De que serve fazer um trabalho se ninguém o vai ver? ¿De que serve vender DVDs se ninguém compra?
Tentei entrar em paz com a ideia: "Se não vem ninguém, não tenho porque estar nervosa". E os nervos passaram. Vamos ser os de sempre, eu direi o que penso e já está.
Começam a chegar as primeiras mensagens: "Estou na fila, quando abrem as portas?"
Fila? Fila? Há fila para ver o nosso documentario?
Havia. E era grande (tinha de ter tirado uma foto).
Abrimos as portas e as pessoas não paravam de entrar. Beijos para aqui, beijos para ali, "espero que os guste", "¿Vais apresentar o projecto?", "Sim, vai ser um discurso breve".
"Vim porque vi a noticia no jornal", disse uma.
"Vejo-te todos os dias na televisão", disse outro.
"Não podia deixar de vir", disseram varios.
E, de repente escuto: "¿Viste? A casa está cheia". Contámos os lugares vazios. Tres. Só havia tres lugares vazios.
E eu falei. Mexi muito as mãos como faço quando estou nervosa. Mas a minha voz não tremeu. Afinal trabalhar nisto serve para alguma coisa.
O documentario começou, mas eu não prestei muita atenção. Memorizava os comentarios, os risos, as exclamações. Anotava mentalmente os pontos altos e baixos. Fazia un "dafo" sobre la marcha.
No meio disto chegavam mensagens: "Ficámos lá fora. O cinema está lotado e já não pudemos entrar". E eu senti uma mistura de pena e satisfação. "Vais ter de comprar o DVD", respondi.
E quando chegaram os aplausos, relaxei.
Agradeci, agradeci muito. E tirei uma foto para nunca me esquecer da minha primeira estreia. Uma estreia com casa cheia.

documental

I ante aquel silencio mudo

Foi o nosso filho durante tanto tempo. Seis meses. Talvez mais. Primeiro era só uma idea "o que podíamos fazer era....", "tínhamos que propor....", "sería fixe se...". Conversa de almoço e jantar nesta casa arrumada tão desarrumada.
Um verbo no condicional que se materializou em reuniões e reuniões. Até que houve um dia que nos disseram "sim". Saltámos de felicidade e ao mesmo pensámos: "ui, ui, ui, isto vai dar tanto trabalho". E deu.
Mas era um trabalho nosso. Sem chefes. Sem caras feias. Podíamos não fazer tudo o que criticamos no nosso dia a dia. Não queríamos ser como eles e não fomos.
"¿Hey, queres tomar uma caña esta noite?", "Uf, nao posso, tenho que trabalhar en el docu". E lá fora fazia sol e nós em casa, a trabalhar e trabalhar.
Seis meses. Seis meses e o filho nasceu. Fomos comemorar, brindámos e contámos aos amigos. Mas foi um nascimento discreto. "A estreia será lá para Janeiro", dizíamos.
E lá para janeiro chegou. "Então quando é a projecção?". "É lá para o fim do mês", respondíamos. E lá para o fim do mês, também chegou.
Lá para o fim do mês é amanha e estou em plena campanha de promoção.  Passei de entrevistadora a entrevistada e não sei como reagir. Respondo pensando como faria eu a entrevista. Digo frases consciente de que seriam bons títulos. Proponho formatos de reportagem, ideias para fotografias... "Entrevistar jornalistas é um prazer", dizem-me. Mas eu estou mais cómoda do outro lado.




"I ante aquel silencio mudo", nós resolvemos falar.

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