Negro.

É preferível pensar que tudo vai correr mal e assim se acabar bem, ficamos felizes. Se não, nada muda. A previsível tristeza permanece e o mundo continua, invariavelmente, a ser um lugar inóspito. É claro que vai sair mal. Por que é que o universo se alinharia para ajudar-me? Eu, uma formiga insignificante no meio de tantos átomos em expansão. O big bang separou-nos e desde então procuramos o por quê. Nunca vamos encontrar. Tonterias. Se nem sequer conseguimos aterrizar em marte. Foi por milésimos de segundo, dizem.
Mas o que é que não é por questão de segundos? Foi también um espaço de micro-tempo que me fez dar aquela resposta errada. Dizer sim durante a reunião. Não atender aquele telefonema, enviar o email. Send. Já está.
É claro que tudo vai correr mal. As coisas não vão lá com pensamento positivo e blablabla. Mentiras.
Sejamos todos pessimistas. Já estou farta do mundo bonito da internet. Não quero luz, nem flores, nem  "feeling blessed". Atiro tudo pela janela. Hoje quero pensar que o futuro será negro. Ou quem sabe... não.

Em modo bunker

Durante um tempo acreditava que vida era o que acontecia entre acto e entreacto. E nesse espaço que ora junta ora separa, construíamos o que queríamos ser.
Era o que eu pensava.
Agora não.
Do alto da sabedoria dos meus (quase) 30 anos sinto-me circular. E ás vezes acho que o mundo conspira, que o corpo fala, que os ventos dizem. Sou de ciclos e vejo-os chegar com antecedência. Outrora teriam dito que sou bruxa.
Tudo começa com uma borbulha na testa, uma barriga hinchada, uma noite mal dormida. "Foi o jantar de ontem", justifico. Tento enganar(me). E então vem aquele mal corpo. "Vamos tomar uma caña?", perguntam, e eu desculpo-me. Vejo uma gargalhada vizinha com admiração, "sou só eu que estou a sentir?". Não faço planos. Reservo hotéis com tarifas flexíveis e deixo o cartão de crédito na carteira. Fico em modo bunker. Em contingencia. Porque quando o ciclo acaba temos de nos desfazer de tudo. Despir-nos. Comprar novos óculos. Novas roupas. Um novo sorriso.
Nada será como antes e nunca saberemos como teria sido. Mas é das incertezas que nasce o progreso.

Perspectiva

Ás vezes é mesmo disso que precisamos. De tempo. Pôr a vida em automático e deixar os dias correrem à sua própria velocidade. Não insistir. Não forçar. Esperar.
A épica não vem de contar e recontar histórias. A palavras são, tantas vezes, pobres portadoras de sentimentos. Porque com o verbo vem a hipérbole, o eufemismo, a metáfora. O falar bonito. 
Isso não que rima com coração. Ler, escrever, ver. Gosto demasiado do verbo viver. Censura à segunda conjugação. Assim nunca vai acontecer. 
Tentas contar as histórias e sempre ficas pela metade. Porque as palavras são curtas e o tempo também. Toca o telefone. Vem o café. A criança cai. Quer outro gelado? O puto chora. Pode me dar uma moedinha? Já é tarde, tenho de ir.
As batalhas a meias contam como perdidas. As mal contadas, como derrotas. E as eternas, como aborrecimentos impagáveis. Lose-lose situation. 
E é então que vejo aquela foto. Uma familia que não sei quem é, num país que realmente nunca conheci. Não conta nada daquele hotel com baratas, do banho de agua fria, da amiga que não gostava, da noite passada a ouvir conversas de outros. Da solidão, do silencio. Do "where do you come from" de cada noite. É só uma gente desconhecida numa paisagem exótica e, no entanto, faz sentir tão profundo. Deve ser da perspectiva. 

Ode aos desinformados

Quero um mundo sem política. Sem governo. Sem taxa de desemprego. Quero acreditar que posso. Que o futuro será brilhante.
Quero ser anti sistema. Viver sem certidão de nascimento. O Estado nos espia e nos controla. Não aceito subsídios nem participo de concursos. Mas voto. Não sempre aos mesmos. Sou da bolsa dos indecisos. Aqueles que ouvem os debates e decidem sem convicção. Não há pão para tanto chouriço nem esperança para tantos desocupados.
Não há vida sem indignação mas as manifestações são só um pouco de cor para o telejornal. Malditos jornalistas.
O mundo são as coisas que giram enquanto o Congresso discute. Enquanto o PSOE se desmorona. Enquanto uns jovens desencantados tentam resumir a realidade em meia hora de pirâmide invertida. São aqueles amigos que chegam para jantar e ainda não tinham visto as noticias. Nem lido o jornal. Nem ligado a radio. Nem recebido 10 alertas no telemóvel. Nem tentado dizer algo inteligente naquele grupo de whatsapp.
Que sorte. Felizes os desinformados.

Não voltei

Não voltei porque nunca fui e mesmo assim sinto saudades.
Que vida.
Entre nostalgia e nostalgia passamos o dia a suspirar por tempos melhores. Dias antigos em que sonhávamos com memórias mais velhas ainda. Complexidades humanas.
Coisas da idade.
Nao voltei mas noto que as minhas frases são cada vez mais curtas. Consequências do directo.
Escrevo e reparo que sou do tempo em que directo ainda se escrevia com cê. É verdade que o cê já morreu? Que tempos aqueles.
Um tempo em que escrevia todos os dias, qual terapia 2.0. Sim, eu sou da época do 2.0.
O papel nunca foi o meu forte. Sempre fui mais do som das teclas. Letra, letra, delete, delete. Disquetes e disquetes de texto inventado. Queria ser escritora e agora as minhas linhas são sobre política. Que chatice.
Ainda bem que não voltei. Porque já não sou a de antes.

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