A interminável saga da toalha

Alerta: este post não é recomendável para cardíacos.
Devidos ao forte conteúdo desta mensagem e ao carácter altamente chocante e potencialmente suicida destas imagens, resumirei a minha longa linha de pensamentos em algumas frases em jeito telegráfico:

Ontem celebrou-se o Dia Internacional da Toalha. STOP. Dia que coincide com o Dia do Orgulho Lusista e Reintegracionista. STOP. Manifestações pelas ruas da Galiza. STOP. Pessoas com toalhas gritando Lusofonia, lá-lá, lá-lá, lá-lá. STOP. Pessoas semi-desconhecidas felicitando-me pelo dia do meu país. STOP. Descobri o site oficial deste movimento. STOP. Chorei durante uns minutos. STOP. A musa do dia da toalha é a Floribela. STOP. Vou-ali-suicidar-me-e-já-volto. FIM.



E, sim, estas coisas também saem no telejornal. "A Toalha é o simbolo de Portugal. A nossa primeira viagem Portugal foi a Valença para comprar toalhas a quilo".

Ahm?

Há uma “rapariga” do meu trabalho que não entende o que eu digo. Ela, e o atendedor automático que transforma o que dizemos em SMS. E cada vez que falo com ela, cada fez que falo com qualquer um dos dois, tenho vontade de chorar. Levanto-me e vou dar uma volta. Dou murros mentais nessa minha cabeça oca, estúpida. Mordo a minha língua de trapo, incapaz de reproduzir detalhes. Porque o cê não se lê igual ao zê, já sei disso. Que o á é sempre aberto e que os ditongos, os justos. A serio, por mais incrível que pareça, isto não é uma novidade para mim. Mas eu funciono como na escola, naquele típico teste de físico-quimica em que trocamos todas as fórmulas. Elas até estavam nas cábulas, mas nós, cobardes, não tivemos coragem de ver. Eu sei que poderia arriscar menos, usar sempre “não crente” ao invés de “céptico” (a serio, amigos, tentem dizer “escepticismo” em espanhol e, se conseguirem, ganham um rebuçado). Mas eu não faço isso.
E então quando falo com essa tal mulher do meu trabalho, ela começa a franzir a testa, põe uma cara de concentração, acerca os seus olhos à minha boca, e no fim, invariavelmente, diz: “Ahm?”.
Até que outro dia, fartei-me e disse-lhe: “Ouve lá, estas surda, deverias ir ao médico ver isso”. Ela ficou ofendida, mas eu resolvi parte do meu problema. Agora só preciso arranjar uma nova técnica para que o atendedor automático deixe de escrever “Hola, soy Martina”, ao invés de Marina e “Un queso”, ao invés de un beso.
Quando isso aconteça, serei uma pessoa feliz.

Uma viagem relâmpago

Era uma tarde normal, corrente, dessas de todos os dias. Até que alguém grita, lá do fundo, do sítio de onde vêm as grandes noticias. Era um grito bom. Demasiado bom.
E antes que eu percebesse, já tinha dado pulinhos de alegria, ligado aos amigos para desmarcar os planos, ligado a outros para fazer um pouco de inveja. Já tinha marcado o hotel, requisitado o carro e estudado o caminho. Impresso uma quantidade impressionante de informação religiosa.
E sem dar-me conta, eu estava no Porto. E o Papa também.
O problema agora era chegar até ele. Porque insistiam em perguntar-me: “Onde está a sua credencial?”. E eu pensava, “se você soubesse que esta viagem foi decidida há oito horas atrás não me perguntaria isso”. Mas tudo bem, faz um sorrisinho aqui, uma história triste ali, um “viemos de propósito desde Espanha”, omitindo o facto de que a fronteira está a 100 quilómetros.
E lá fomos nós convencendo e passando as barreiras. Pouco a pouco sentindo-nos tão importante quanto os mais importantes. Ouvindo histórias de noite ao relento e saltando com os famosos “E vivó Papa, olé, olé”. Registando tudo.
No fim colámo-nos aos correspondentes especiais do Vaticano, fingimos um sotaquesinho meio “mamma mia” e, sem precisar de grandes objectivas, gravamos o velhinho cansado a ler, educadamente, em português.
Foi uma viagem relâmpago, dessas que deixam gostinho a quero mais. Porque aquelas intensas sete horas tinham que resumir-se a um minuto e meio. Um minuto e quarenta e seis, com um pouco de choradinho. E monta no carro, e pára a meio do caminho, e grava o off, e envia. Tudo para, às onze da noite, receber uma mensagem daquele sítio de onde vêm as grandes noticias. Uma mensagem que dizia: “Parabéns, fizeste um bom trabalho”.

Fim-de-semana

Tive um fim-de-semana de desconexão e, quando voltei ao mundo, apercebi-me que a nuvem de cinzas tinha voltado ao ataque, que os voos tinham sido cancelados e milhares de pessoas dormiam nos aeroportos. Descobri que o Rei estava hospitalizado e que a pílula anticonceptiva tinha feito aniversário. Depois li que o Clegg está a fazer-se de interessante, que a crise da Grécia está cada dia pior e que Portugal terá um feriado nacional por causa da visita do Papa. Também ouvi alguma coisa sobre o Benfica e o Frederico Gil no Open de tenis. Nesses dois dias falou-se também sobre a bolsa espanhola que teve a sua pior semana desde o Lemon Brothers e sobre a fusão das caixas galegas que está por um triz. Falou-se muito. E demasiado.
Quando voltei a conectar os cabos e a emergir-me nesta apaixonante actualidade noticiosa, pensei: “Quero que seja fim-de-semana outra vez”.

Dr. House

Às vezes gostava de ser mais queridinha, mais mimimi, mais cuidadosa com as palavras. Não sou. Durante anos tentei lutar contra essa minha faceta bruta, tentei ser mais elegante, mais vaidosa, mais carinhosa. Não funcionou.
Agora sinto-me como se vivesse a história daquela amiga que vai mal arranjada para os primeiros encontros para que os homens gostem dela “pela sua beleza interior”. Agora, mudei a atitude. Fartei-me de querer ser aquilo que não sou.
Assumi o meu lado Dr. House, incorporei ao meu speech a frase “não vês que isso é parte do meu charme?”, e vira a pagina.
Como diz a minha tia. Se não gostas, meu amigo, sai da frente que a fila anda.

As vizinhas brasileiras

Os meus vizinhos têm três vizinhas brasileiras. E isso enche-os de orgulho. É tema de café, de escada e de elevador. Tema de amigos, de conversas e de cervejas. Então outro dia numa festa (vizinhos excluídos), fizemos um novo amigo, conversa para cá, conversa para lá e ele diz:
- Vocês por acaso não vivem na rua “xis”?
Nós, com um ar surpreendido, dizemos que sim, que como é que ele tem tal informação.
- Vocês são as vizinhas brasileiras de um amigo meu!
Não somos as vizinhas simpáticas que não reclamamos do barulho durante os jogos de futebol. Não. Não somos as vizinhas que puxam conversa no elevador. Não. Não somos as vizinhas que os convidam para festas. Somos as vizinhas brasileiras.
E então no dia seguinte comentei, com bastante indignação, esta história no trabalho. Queria falar de preconceito, de discriminação, dos lugares-comum que tanto odeio, mas antes que tivesse tempo de começar a minha discussão profunda, um amigo interrompeu-me.
- Calma ai, Marina, Tu vives com duas brasileiras?
- Sim…
- E COMO é que nunca nos apresentaste?
_ …
- Pessoal? Sabiam que a Marina vive com duas brasileiras?
(Som em coro: “uhhhhhhhhhhhhh”)
- Quando é que as convidas para sair connosco?
E assim vou aprendendo, pouco a pouco e com cada vez mais perícia, a conjugar o verbo “desistir”.

Subscribe