Queridos senhores deuses do aniversário,

O meu nome é Marina e escrevo-vos porque tenho um pedido muito especial para fazer-vos. Antes de mais, quero assegurar-lhes que sempre me portei bem com vocês. Comprei bolos, fiz discursos de copo na mão, organizei festas, recebi e dei presentes. Portanto, sem mais, aqui vai: Será que este ano posso não fazer anos? A serio, por favor, vá lá?
Sim, já sei, que o que peço não é fácil. Imagino a quantidade de cartas e emails que vocês recebem todos os anos de futuras quarentonas desesperadas, de modelos em risco de reforma antecipada, de desportistas que que só precisam de mais uns anos para ganhar o seu grande prémio. Mas o meu caso é diferente. Eu prometo.
Daqui a uma semana faço 23 anos. (Calafrio). Vocês estão a perceber a magnitude da coisa? V-i-n-t-e-e-t-r-e-s. Já não são os 20 redondinhos, os 21 para poder ir aos pubs ingleses ou os dois patinhos na lagoa. 23 tem cara de maduro, de crescido e de responsável. É a idade que, quando era pequena, eu dizia que ia ter quando nascesse o meu primeiro filho (o que supunha um marido, um casamento, um emprego estável e um salário decente). A idade que marca a ponte para os 30. Toda a gente sabe que a contagem é a seguinte: 23-30, assim, num pulinho.
Não, senhores deuses do aniversário, por favor, não me façam isso. Estou tão contente com os patinhos na lagoa. Logo eu que todos os anos organizo festas, jantares e viagens. Faço listas de presentes e programo a roupa para usar nesse dia. Ponho bateria na máquina fotográfica e deixo o telemóvel a carregar. Eu, que ha 3 anos celebrei-o em Turim, há dois em Salvador da Bahía e o ano passado na grande metrópole corunhesa. Mas eu este ano não quero festa.
Não quero, não sinto e não estou “de cumpleaños”. Não houve inferno astral, nem contagem decrescente. Nao houve jantares para organizar, nem presentes para pedir. Porque este ano, senhores deuses, não está nos meus planos fazer aniversario.

Podem dar-me um ajudinha?

A check list

Quando eu era pequena e batia nos rapazes do recreio, escrevi um poema que marcou a minha infancia. Eu, que ja nessa altura fazia as composições dos meus amigos em troca de rebuçados, resolvi pôr no papel todas as características que queria que tivesse o meu futuro marido. Imprimi o texto em formato “pocket” e colei-o na carteira (aquele mini álbum de fotos que levávamos no bolso e chamávamos de carteira, lembram-se?).
Nessa pequena obra de arte eu dizia que o homem da minha vida tinha de ser alto e musculoso (tendo que conta que nessa altura, no auge dos meus 10 anos, eu era mais alta que a maioria dos rapazes da minha turma, a tarefa era difícil). Tinha de ser inteligente, divertido e comer gomas (sim, era um requisito). Tinha de gostar de mim, ter os dentes direitos (eu usei 10 anos de aparelho, tenho desculpa) e não podía deitar perdigotos enquanto falava. O sucesso do texto foi instantâneo e, em poucas semanas, todas as minhas amigas andavam para lá e para cá com o meu poema escarrapachado nas suas carteirinhas. A moda durou cerca de um ano e, nesse período de tempo, só uma de nós arranjou um namorado que preenchia os requisitos. Não, não fui eu.
À medida que fui crescendo e relembrando essa minha experiência como guru sentimental, fui revoltando-me cada vez mais com essa história. Como é que eu escrevi o poema e quem ficou com o “príncipe encantado” foi a tontinha dos olhos azuis? Como é que eu escolhi as palavras e todas as minhas amigas fizeram delas uma bíblia na sua busca pessoal por um homem-perfeito? Porque é que elas arranjavam namorado e tiravam o papel da carteira e eu continuei com esse poema na minha cabeça durante anos e anos?
Dessa revolta saiu uma resolução. Farta de perder, decidi nunca mais contar a ninguém a minha "check list". Quem me conhece sabe que eu digo sempre por ai que o meu homem perfeito é x, y, e z. Que tem de ter isto, aquilo e aculotro. A conversa garante sempre umas risotas e umas declarações de amor improvisadas, bebemos uma cerveja e esquecemo-nos do assunto. Mas o que ninguém sabe é que essa não é a verdadeira "check list". Sim, ela existe, mas é só minha. Não voltarei a cair no mesmo erro. Já paguei muito caro pelo meu altruísmo quando tinha apenas 10 anos de idade

Normal vs ¿Anormal?

No meu trabalho novo:

- Vejo muita televisão
- Leio todas as revistas de fofoca
- Converso sobre a vida dos famosos
- Trato os actores como se fossem seres que vivem num patamar superior ao dos comuns mortais
- Sou simpática
- Antes de responder a qualquer pergunta repasso, mentalmente, as clausulas dos contratos de cada um dos trabalhadores da empresa
- Tenho como hobby caçar paparazzi
- Sou a mais nova e a pior paga de toda a empresa
- Quando me perguntam de onde sou, respondo que sou de Portugal
- Almoço às três da tarde em restaurantes de executivos
- (Só) Trabalho oito horas por dia
- Uso maquilhagem para as reuniões importantes
- Sinto-me uma pessoa normal.

Fora do trabalho:

- Leio dois jornais por dia (um de cada tendência política)
- Ouço música indie
- Saco, ilegalmente, filmes da net
- Leio uma hora antes de adormecer
- Janto leite quente com bolachas
- Sou anti-maquilhagem
- Faço turismo todos os fins de semana
- Sou a única trabalhadora do meu grupo de amigos
- Vou aos supermercados “discount” (e tenho uma bolsa reciclada para guardar as compras)
- Visto o meu (novo) casaco à motoqueiro com óculos de aviador
- Quando me perguntam de onde sou, respondo que sou galega
- Faço todos os dias um "teste de actualidade"
- Dizem-me que sou “meio” alternativa.

A culpa é da tela

Em espanhol tecido é tela e tela é lienzo. Claro que por causa disso lienzo não poderia ser lenço, então deram-lhe o nome de pañuelo. E como pañuelo já estava ocupado, ao pano chamaram-lhe trapo. Mas então como chamar aos trapos? Pois os espanhóis, e a sua língua diabólica, inventaram-lhe um nome novo: andrajos.

Agora digam-me lá como é que uma pessoa não acaba com um nó mental?
Ah, e não se esqueçam que nó diz-se nudo, o que faz com que o nú, em espanha, não esteja "nudo", mas sim desnudo, que é como quem diz "sem nós".

O Orgulho de ser o último

Outro dia conversava com uns amigos que começaram a queixar-se de Espanha. Que como que era possível que a educação estivesse tão atrasada, que houvesse tantas estradas por construir, que a politica fosse esta vergonha e os cofres do Estado estivessem a negativo.
Eu ri-me e comentei, só pela piada: “Gostava de ver se vocês vivessem em Portugal”. Sem saber, eu tinha iniciado uma luta.
- Sim, tens razão, nos rankings da União Europeia Portugal, Grécia e Espanha estão sempre em último lugar – diz o meu amigo.
- Não, não, não. Como assim? – enervei-me - Espanha não pertence a este grupo!
- Claro que sim. Estamos sempre no fim da fila, ao lado de Portugal – Olha-me este a fazer-se de coitadinho.
- Ah é? Desculpa lá, mas qual é o país que tem mais acidentes de carro? A maior taxa de infectados pelo HIV? Os piores índices de leitura? – pergunto, indignada.
- Está bem – responde o meu amigo – mas agora não vais conseguir bater esta: Qual é o único país da Europa que ainda não conseguiu sair da crise?

Eu ainda disse com cara de desprezo “A Irlanda?”, mas nesse momento houve alguém que resolveu parar a discussão e chamar-nos à razão: “Vocês ainda não perceberam que estão a tentar defender que o vosso país é pior que o do outro? Que discussão tão estúpida”. Feito duas crianças amuadas, demos a mão e saímos da mesa em direcções opostas. Ele não me ouviu, mas eu resmunguei: “não sei se sabes mas o meu país está em crise económica desde os descobrimentos”.

E toda a gente sabe que quem diz a última palavra é quem ganha.

O País das toalhas

Que os portugueses são “burros” e “conduzem mal”, já todos sabíamos. Que os portugueses “falam com muitos “ssssss”” e com a boca cheia, também não é novidade. O mito de que “as mulheres em Portugal têm bigode” já nos passa totalmente ao lado. Foi por isso que apanhei um choque quando cheguei à Galiza com a língua preparada para as respostas aos típicos estereótipos, e dizem-me: “És portuguesa? Traz-nos aí umas toalhas”.
Ahm?
Parece que eu saltei essa parte da história em que “durante a ditadura os espanhóis iam a Portugal comprar toalhas porque o algodão ali era muito mais barato”. Eu tentei revoltar-me, dizer que era mentira, que as toalhas portuguesas são perfeitamente normais, etc. Mas mandaram-me a Valença e eu percebi. Por alguma razão que me sobrepassa, os portugueses são os grandes fornecedores de toalhas a Espanha. Depois de um ano a ouvir a piada das toalhas, um dia resolvi arriscar: “Mas então e por aqui não dizem que as mulheres portuguesas têm bigode? É que para essa eu tenho resposta!”. Então um amigo respondeu-me: “Marina, vou explicar-te, quando pensamos em portuguesas imaginamos mulheres com bigode enroladas em toalhas”. E essa imagem nunca mais me saiu da cabeça.

Equações absurdas

As equações sem sentido, que não são válidas para nenhum valor, denominam-se absurdas.

Madrid é como São Paulo, mas mais bonito.
Madrid é como São Paulo, mas o céu é azul, o ar está limpo e o centro é o “pulmão” da cidade.
Madrid é como São Paulo, mas na hora de ponta não te apalpam no metro.
Madrid é como São Paulo, mas o cinema é mais caro, a comida menos exótica e o não há “bala de goma” no bolso das calças.
A Gran Via é como a Avenida Paulista, só que mais segura, com menos bancos e mais teatros e restaurantes.
Em Madrid, como em São Paulo, cada bairro tem uma personalidade. Só que aqui, os betos chamam-se “pijos”, os alternativos, “indie” e os homossexuais são marcados como “LGBT”.
Em São Paulo há shoppings que abrem 24 horas. Em Madrid os centros comerciais fecham ao domingo (menos o do Príncipe Pio!).
Em São Paulo vendem na rua “cachorro quente”, “pastel” e “churrasquinho de gato”. Aqui vendem pipocas, churros e batatas fritas.
Em São Paulo não há estrangeiros, porque, no fundo, todos somos brasileiros. Em Madrid os brasileiros dizem mal dos espanhóis.
Madrid é como São Paulo, mas mais seguro.
Em Madrid é vida é cara. Em São Paulo, dizem, também.
As livrarias de segunda mão de Madrid, são como as de São Paulo, só que mais desorganizadas, caóticas e internacionais.
Por aqui eles acham-se os melhores de Espanha (quiçá, da Europa), por ali eles não hesitam em dizer que são os melhores do mundo.
Madrid perdeu as Olimpíadas de 2016. E São Paulo, de alguma forma, também.

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