Quando o futebol vira política

Estava hoje num café a ler o jornal e a espreitar jogo Espanha vs. África do Sul, quando percebi que um dos senhores estava contra a equipa nacional. No fim do jogo, a minha curiosidade jornalística não perdoou e perguntei-lhe porque torcia contra a Espanha.
- Não há como estar a favor de um país governado pelo Zapatero - respondeu-me convicto.
Eu ri-me e não consegui conter-me:
- Ai sim? E que tal governam na África do Sul? - arrisquei com o meu sorriso maroto.
- Não sei, mas de certeza que não tão mal como o Zapatero.
No fim, o senhor pagou-me a Coca-Cola e desejou-me boa sorte para o jogo do Brasil.
Vim para casa a pensar no Lula da Silva.

Fugas e o grande titã

Esteve nove meses na minha barriga, no meu computador, no meu moleskin e a viver em todos os meus pensamentos.
Dormiu na minha mesinha de cabeceira, viajou comigo e se multiplicou em cada vez mais folhas com detalhes vermelhos. Foi motivo de zangas, desilusões, lágrimas e gritos histéricos. Passou por varias provas, por muitos olhos e por críticas cruéis. Tirou-me horas de sono, de descanso e de trabalho.
Até que, por fim, chegou o grande dia. Aquele em que o meu filho sairia a do conforto dos pensamentos e das ideias, e se materializaria em mais um ser neste mundo. Penteei-lhe o cabelo, pus-lhe uma roupa bonita e levei-o à derradeira prova.
“Mas, meu filho, prepara-te, porque a vida não é fácil”, disse-lhe antes que o julgamento final começasse. “Eu prometo que te protejo”, sussurrei bem baixinho, enquanto lhe limpava a remela que lhe tinha ficado da anterior noite não dormida.
Começou a prova. Fizeram-lhe festinhas e elogios. Gabaram a educação que eu lhe tinha dado e os seus lindos olhos verdes, implicaram com aquele cabelo que estava fora do sítio e com uma mancha que havia na sua camisola. Mas as pessoas são bonitas pelas suas imperfeições, pensei para me confortar.
Aplaudiram-no e deram por encerrada a sessão. O meu filho olhou para mim com um ar desiludido: “Mas mamã, não me tinhas dito que a vida era difícil?”
A resposta não tardou nem meio segundo. Porque ali estava ele, o titã dos titãs, o grande chefe das pequenas crianças. Pegou no meu filho e virou-o ao contrário, sacudiu-o, despenteou-lhe o cabelo e roubou-lhe um dos sapatos. Chamou-lhe nomes, bateu-lhe e humilhou-o.
E, nesse momento, o mundo deu um passo atrás, retirou as frases elogiosas e vestiu-se de um olhar de compaixão para com o meu filho que, num minuto, tinha passado de popular a deficiente.
Mas o que o grande titã não esperava era que aquela criança tivesse mãe. Peguei no meu filho, acalmei-lhe o choro, e dei dois passos em frente. Porque aqueles nove meses tinham-nos feito muito mais fortes do que o grande mestre poderia imaginar.
Expliquei-lhe como educar era muito mais do que um exercício estético e mostrei-lhe como uma menina de poucos anos também pode ser uma mãe de verdade. Falei-lhe das horas de choro, dos dias de chuva e das noites sem dormir. E contei-lhe tudo o que tinha aprendido nesses momentos. Respondi-lhe no mesmo tom de superioridade titânica e observei-o enquanto anotava as minhas respostas.
No final o meu filho disse-me: “Obrigado mãe” e eu pedi-lhe que nunca se esquecesse desse dia. O dia em que tínhamos lutado, cara a cara, unha a unha, olhar a olhar, com o grande mestre.
“E vencemos mamã?”, perguntou.
“Talvez não, mas demos-lhe uma lição sobre o que é ser uma família de verdade”, respondi.

Jornalismo vs. Calças Brancas

Eu tenho um par de calças das quais gosto especialmente. São velhinhas e um pouco rasgadas nas pontas, justas e com uma boca de sino enorme. Ficam exactamente a um milímetro de roçar no chão. E são brancas, bem branquinhas.
Hoje de manha acordei com aquela sensação de “hoje é dia de calças brancas”. Abri a janela, olhei para o céu e confirmei que São Pedro me apoiava nessa decisão. Juntei ao meu look de verão umas sandálias “rasteirinhas” e lá fui eu trabalhar.
Mal cheguei, diz-me o meu chefe:
- Precisamos que vás ao porto falar com os pescadores sobre a venda de sardinhas.
E a Marina e o seu caderno companheiro rumam ao porto. Ao chegar, apercebo-me que se tinham esquecido de comentar um pequeno detalhe. É que no porto, ao meio dia, já não há sardinhas nem pescadores. O recinto transforma-se numa poça gigante de gelo derretido, misturado com sangue e restos de peixe estragado. E, enquanto buscava uma "alma bondosa" que falasse comigo sobre as venda de sardinhas para o São João, as minhas queridas calças brancas aproveitaram para deliciar-se a “beber” toda aquela agua desperdiçada no chão.
À tarde, ao chegar à redacção, perguntam-me:
- Mas Marina, mudaste de roupa?
Então eu contei-lhes o que hoje tinha aprendido:
- Um jornalista deve sempre ter em casa um bom Tira Manchas, e, já agora, as calças brancas são um mau investimento para este tipo de profissionais.
Eles riram-se. Mas eu não percebi porquê.

"Cuando el dedo señala la luna el imbécil siempre mira al dedo"
Proverbio Chino

Quando eu tinha 3 anos...

... os meus pais encontraram-me escondida dentro de um frigorífico no supermercado.
Desde então, tenho sempre muito frio.

Golondrina

Há gente que tem mania de sapatos, de filmes, de cores e de cheiros. Eu gosto de palavras. À medida que as vou usando, vou ganhando-lhes carinho e dando-lhes roupas, nomes e, às vezes, até morada e telefone. Há algumas a quem ligo para pedir ajuda nos momentos de agonia, outras que já sei que vão sempre ficar bem em qualquer ocasião. Há umas palavras que, dizem, são como as muletas para segurar os textos coxos e há também as que mais se parecem a uma droga que já não conseguimos parar de injectar.
Mas hoje eu quero falar sobre as palavras preferidas. Pegas no “mi”, juntas-lhe o “nho” e rematas com o “ca” e voilá! Aí tens a melhor palavra do vocabulário português.
Mas já há algum tempo me tinha tristemente resignado ao facto de em espanhol “não existir uma palavra tão divertida como ‘minhoca’”. Até que ontem perguntei na redacção:
- “Como se diz andorinha em castelhano”
E os meus ouvidos escutaram os astros a cantarolar:
- Pegas no “go”, juntas-lhe o “lon”, das-lhe uma pitada de “dri” e rematas com “na”.
Finalmente, a vida voltou a fazer sentido.

La siesta

Lembro-me que quando cheguei a Espanha fiquei espantada com o tempo que as pessoas demoravam a almoçar. Entre a salada, o primeiro prato, o segundo, o pão, a sobremesa e a o café (com leite), passavam-se quase duas horas. Como era novata, ainda não tinha à-vontade para escapar-me da mesa a meio do “ritual” e então aproveitava esse tempo para pensar em todas as coisas produtivas que poderia estar a fazer ou que iria fazer quando o eterno almoço acabasse.
Os meses foram passando e eu tornei-me especialista em sair da mesa a meio da refeição, que é como quem diz, uma hora depois do início do almoço. Mas desde que cheguei a Vigo, passa-me uma coisa curiosa:
Por aqui os jornalistas fazem uma pausa de duas horas e meia (as vezes três, vá…) a meio do dia. Quando escreveram no meu contracto que eu teria três horas de almoço, supus que seria tão indicativo quanto as “oito horas” que os jornalistas deveriam trabalhar diariamente. Mas parece que neste caso a “indicação” era verdadeira.
É por isso que, desde há três dias, venho almoçar a casa. O problema é que não sei muito bem como enfrentar-me a essa situação. Vou ao supermercado, cozinho, como, vejo televisão e lavo a louça e sempre que olho para o relógio apercebo-me que ainda só passou metade do meu tempo de almoço. Dedico o resto da minha “pausa” a andar como barata tonta pela casa e a pensar no lead da notícia que vou escrever à tarde.
Não consigo parar de perguntar-me se um dia vou encontrar utilidade para esta “pausa forçada” ou se o melhor mesmo é inscrever-me no ginásio à hora do almoço e desprezar totalmente este último esforço para uma “melhor adaptação e compreensão da cultura espanhola”.

Tudo o que eu tenho a dizer sobre as eleições europeias

Com 7,1% dos votos, o Partido Pirata da Suécia conseguiu eleger um deputado para o Parlamento Europeu. Agora teremos alguém em Bruxelas a "defender o direito dos internautas a partilhar gratuitamente músicas e filmes online".

"Suerte"

Como sempre, tudo se passou numa espiral descontrolada de acontecimentos.
De repente as aulas tinham acabado, as infinitas horas de trabalho culminavam em duzentas páginas encadernadas debaixo de chuva, e a despedida… ah, eu nunca fui muito boa para despedidas.
A vida ensinou-me que não existem adeus definitivos e que é muito fácil subornar os pontos finais para que se transformem em vírgulas. “Suerte”, dizíamos e continuávamos a caminhar, sem olhar para trás, sem tropeções ou soluços.
E veio uma festa e outra festa. Chegou “a última festa” e eu festejei sem aperceber-me. A mala fez-se sozinha ao som do Bob, esse nosso companheiro de angústias, que sabiamente nos diz com a sua harmónica que o vento nos trará as respostas. O vento e esta chuva que insiste em acompanhar-me para onde quer que eu vá.
Na viagem tentei pesar na balança este tempo que já passou, mas um dos pratos não aguentou o peso da responsabilidade e espatifou-se no chão. Enquanto recolhia os cacos desse tempo passado, descobri que já tinha chegado o presente.
E assim, sem mais nem menos, começou uma nova vida.
Eu fui sempre desajeitada para despedidas, mas não faz mal, porque cada adeus se faz acompanhar por um sincero “bienvenida”.

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