verbo crear, parte II

Ontem descobri que nalguma pessoa de algum tempo verbal os verbos "criar" e "crer" transformam-se em palavras homónimas em espanhol.

Hoje percebi razão quando senti na pele como esses dois conceitos podem ser tão facilmente confundidos.
"Creen", dizem. E eu cria, mas, na verdade, criava.

Os vampiros que falam galego

"He cruzado océano de tiempo para encontrarte”, en Drácula de Francis Ford Coppola. Pero non entenden o sentido real da frase. Pechan o libro. Dormen. Soñan con ascensos e non coa calor do verán (...). Ás veces el quería ser Drácula. Cruzar océanos de tempo para encontrar o amor. E non encontraba nada. Só o tedio de cada día. Un abril que agoniza, unha primavera sem primavera, un piano sen tecla de sol. Tenho a sensación de que o mundo vive na mentira. Este país, tamén. Como o tipo que entra la librería e compra o libro de citas. E non entende as palabras de Drácula.

Xosé Carlos Caneiro in La voz de Galicia

Criar vs. crear

Hoje descobri que em espanhol existe um verbo para criar filhos e plantas, e outro para criar projectos, estruturas, etc.
Pareceu-me uma distinção bastante justa.
Depois soube que criar filhos escrevia-se com "i" e criar projectos com "e". Então sorri. Não é que o nome se adapta mesmo bem ao seu significado?
Inteligentes esses espanhóis.

Bem, claro, com a devida margem de erro.

os chocolates

Quem conhece a Marina há vários anos, lembra-se “de quando ela não gostava de chocolate”
- Como assim uma pessoa não gosta de chocolate?
- Sei lá, não gosto, não me sabe bem.
Quem conhece a Marina há um par de anos, lembra-se “de quando ela conheceu a Nutella”.
- Não é possível que comas um pote de Nutella à semana!
- É que o chocolate ajuda a matar saudades...
Quem conhece a Marina há pouco tempo, sabe que quando a sua vida entra em reviravolta come doces sem parar.
- Já a semana passada disseste que ias parar de comer doces compulsivamente.
- Sim, mas é desta que é de vez.

Feliz "dia de Portugal"

Hoje fui ao planetário e quando cheguei estava a dar o Grandola Vila Morena. O apresentador começou a projecção dizendo: "Não sei se reconheceram a música, mas como devem saber hoje é o dia da revolução portuguesa. Aproveito para desejar a todos um feliz dia de Portugal".

E ainda há gente por aí que insiste em dizer que eu vivo em Espanha.

O Nonno

Como emigrante desde os meus cinco anos, a saudade tornou-se, para mim, um conceito muito esbatido. Comecei por dividi-la por escalões e a colocar os meus saudosismos numa escadinha imaginária que marcava a minha ordem de preferências.
Depois a vida foi crescendo e eu, como seria inevitável, fui emigrando, emigrando e voltando a emigrar. Nessas andanças acabei por conhecer pessoas que não voltaria a ver, pessoas para as quais não havia um espaço na minha escadaria. Então um dia revoltei-me e impluda-a. Peguei em todas as minhas saudades e guardei-as bem juntinhas num caixote de memórias abstractas.
Tudo isto porque ontem tive saudades do meu avô.
Saí do trabalho, desorientada, em busca de um lugar onde colocar esse sentimento. Entrei no supermercado, comprei um pacote enorme de bolachas Maria e, ao chegar a casa, molhei-as num copo de leite a sair fumaça.
Foi então que, sete anos depois, me senti aquecida por dentro.

Fugiu.

Perdi, misteriosamente, a caixa dos meus óculos.
Gosto de pensar que ela decidiu fugir do actual caos da minha vida e que voltará quando chegar a calmaria.
Entretanto, guardo os óculos no bolso. O que dito assim faz com que o cenário pareça ainda mais caótico.

Sair do trabalho ainda de dia (apesar de serem nove e meia da noite) e voltar para casa a caminhar acompanhada por um cheirinho a maresia, é a vida que sempre sonhei.
Aceitam-se visitas.

Há tanta coisa a acontecer recentemente na minha vida que cada mês passa à velocidade de um dia e tem o peso emocional de mais ou menos um ano e meio. Às vezes, não consigo lembrar-me de qual é a minha verdadeira idade e, quando me lembro, parece-me um conceito abstracto, improvável e pouco óbvio, como a voz do Jeff Buckley.

O Caminho

No famoso caminho de Santiago conhecemos um senhor que me disse: “Eu vou onde a minha mochila for”. Na altura pareceu-me uma metáfora interessante, como se a sua mochila pudesse caminhar sozinha. Mas estava demasiado cansada e a minha cabeça automaticamente eliminou esse pensamento para ficar mais leve.
Agora, bolhas curadas, músculos relaxados e joelho quase (casi?) bom, voltei a pensar naquele senhor que nos ofereceu a luz da sua lanterna para não nos perdemos na montanha às seis da manhã. Apercebi-me de que tinha entendido mal o que me queria dizer.
Sem mochila, o caminho é um passeio para respirar o ar puro do bosque, para ouvir a nova playlist do mp3 ou testar um “kit caminhada” comprado nas últimas promoções.
Com mochila e exaustão, o “caminho de Santiago” é carinhosamente chamado de “O Caminho”.
“Yo no voy de coche, voy de pies”, encontrámos escrito algures no meio da montanha.
E foi neste exercício de esvaziar a cabeça de pensamentos pesados, que eles saíram da mochila e voaram. Para longe, bem longe.

"El periodismo es como ir al cine. Si lo bueno es muy bueno y lo malo es muy malo, lo que es malo es la película"

David Berian

A catedral não está centrada

Começámos ao meio dia, seis horas depois da hora normal do inicio da caminhada. Vimos uma seta amarela e seguimos, seguimos, seguimos. Nem alma por perto. Só nós e as nossas histórias para pôr em dia.
Até que passa alguém. “Hola”, diz-nos. Demoramos um pouco para entender a abordagem. Mas os quilómetros passam e, com eles, vamos ganhando familiaridade com esse linguajar. “Buen Camino”, desejamos, e os peregrinos tiram as suas caras de reflexão para responder um mal pronunciado “Uén amino”, muitas vezes imperceptível no meio do sotaque estrangeiro ou de um rosto mais cansado.
É o código do peregrino, dizem.
Dezenas de quilómetros depois, as pernas destes caminhantes despreparados começam a ceder, os joelhos a vacilar e a conversa surge mais escassa. É então que os nossos eternos acompanhantes quebram o código e arriscam-se em frases novas, que se vão repetindo, vezes e vezes sem conta. “Animo”, dizem. E nós sorrimos.
“Chicos, ya queda poco” nos grita alguém la do topo da montanha ao ver um espectáculo lastimante de pernas coxeantes e cabeças baixas. Nós erguemos cabeça, olhamos longe e aumentamos o ritmo. “Va lá, um último speed”, sugere o que tem menos bolhas nos pés.
E lá fomos nós, de speed em speed, com mais e menos “animo”, acreditando cada vez menos naquelas palavrinhas por baixo da seta amarela. “Casi”, estava escrito, mas esse quase parecia que nunca chegava.
Até que um dia, 112 quilómetros depois, finalmente nos pudemos deitar durante dez minutos no centro da praça e concluir: “A catedral não está centrada”. Só um caminhante poderia ver isso, pareceu-nos. E foi então com orgulho que nos levantámos e decidimos ir beber um merecido leite com chocolate acompanhado de uma “tarta”. A tarta de Santiago.
Era verdade, tinhamos mesmo chegado.

"Seja para como for, seja para onde for, partir!"

Fernando Pessoa, Ode Marítima

Em silêncio

Esta reportagem da Rádio Renascença sobre as mojas de clausura, apareceu bem propósito do caminho de Santiago e de uma famosa história (que durou meses) sobre levar ou nao o iPod para a caminhada.
Apesar de nunda ter chegado a perceber muito bem a dita vida de contemplaçao, o video trouxe-me memórias. Daquelas que nos fazem sorrir e perguntar: "O que é que aconteceu entretanto?"

(via Ponto Media)

Santiago

Vamos em quatro: três pessoas, uma guitarra. E o nosso destino é Santiago de Compostela.
Por agora no meu quarto passeiam-se listas riscadas e por riscar. Caminhos, quilómetros, albergues e um papel com gafunhos de “dicas” sem fim. Dizem que temos de levar vaselina, repelente, remédios para a dor muscular. Uma amiga insiste que eu carregue uma “bacia” para por os pés em água quente ao fim da caminhada. E eu anoto, vou anotando.
Mas descobri que, afinal, o percurso que vamos fazer não é de 109 quilómetros, mas sim de 152. Decidimos alargar a viagem para cinco dias. “Quem sabe seis”, disseram os meus companheiros. Eu assenti. Quero viajar eternamente, pensei. E foi então que disse com a minha voz de filme americano: “danem-se as dicas e os papeis, vamos à aventura!”
(E, desta vez, sem straightener)

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